Devedor deve propor acordo e credor representado em audiência não pode ser sancionado
Cinge-se a controvérsia em definir se é possível impor ao credor que comparece à audiência do processo de repactuação de dívidas por superendividamento, acompanhado de advogado com poderes para transigir, as consequências previstas no art. 104-A, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor, no caso de, apesar da presença, não oferecer uma proposta concreta de repactuação. A superação do superendividamento é instituto jurídico intimamente ligado à manutenção do mínimo existencial e aos princípios da dignidade da pessoa humana, da cooperação e da solidariedade, e, sob a ótica processual, à ênfase aos modos autocompositivos de solução de litígios. A fase pré-processual do processo de superação do superendividamento visa à autocomposição entre credores e devedores e, apesar de ser regida pelos princípios da cooperação e da solidariedade, tem como pressuposto que o ônus da iniciativa conciliatória, com a apresentação de proposta de plano de pagamento, é do consumidor. As sanções do art. 104-A, § 2º, do CDC, protegem os direitos subjetivos do devedor à renegociação e dos demais credores ao recebimento, mesmo que parcial, do seu crédito, os quais não podem ser assegurados sem a presença de todos os credores na audiência, mas são satisfeitos, nos termos da lei, ainda que algum dos credores não aceite as condições propostas pelo consumidor e não se chegue a acordo quanto a alguma das dívidas. A consequência legal para a falta de autocomposição sobre a repactuação das dívidas é a eventual submissão, a depender de iniciativa do consumidor, do negócio não alcançado pelo acordo à fase judicial, na qual haverá a revisão do contrato e a repactuação compulsória do débito. Como é ônus do devedor a apresentação de proposta conciliatória, ela não pode ser exigida dos credores e, como a consequência da falta de acordo é a eventual submissão do contrato à revisão e repactuação compulsórias, não há respaldo legal para a aplicação analógica das penalidades do art. 104-A, § 2º, do CDC. Em homenagem ao poder geral de cautela do juiz, admite-se, entretanto, a adoção, na eventual fase judicial, até mesmo de ofício, desde que com a devida fundamentação, em caráter exclusivamente cautelar, de tutelas provisórias, as quais podem incluir, entre outras, as medidas do § 2º do art. 104-A do CDC, de suspensão da exigibilidade do débito e interrupção dos encargos da mora, bem como a sujeição compulsória ao plano de pagamento da dívida se o montante devido ao credor ausente for certo e conhecido pelo consumidor, ao menos até a definição final da revisão e integração dos contratos e repactuação das dívidas. Assim, a aplicação das consequências do art. 104-A, § 2º, do CDC ao credor que compareceu à audiência com advogado com plenos poderes para transigir, apenas por não ter apresentado proposta de acordo, sem serem identificados motivos de ordem cautelar, não tem amparo normativo e deve, assim, ser afastada.
Juros compensatórios na desapropriação do art. 184: variação por legislação superveniente
No caso, a União insurge-se contra acórdão que deixou de aplicar legislação sobre juros compensatórios na desapropriação que entrou em vigor após a interposição de apelação, mas antes do trânsito em julgado da sentença. A controvérsia, portanto, consiste em definir se os diplomas normativos sobre juros compensatórios que entraram em vigor no curso do processo judicial (art. 15-A, § 1º, do Decreto-Lei n. 3.365/1941, com redação dada pelo art. 1º da Medida Provisória n. 700/2015; art. 5º, § 9º, da Lei n. 8.629/1993, introduzido pela Lei n. 13.465/2017; e art. 15-A, § 1º, do Decreto-Lei n. 3.365/1941, com redação dada pelo art. 21 da Lei n. 14.620/2023) são aplicáveis. O direito superveniente pode ser apreciado "até mesmo em instância extraordinária, desde que não acarrete modificação no pedido ou na causa de pedir, porquanto a análise do jus superveniens pode ocorrer até a prolação da decisão final" (REsp 907.236, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 6/11/2008). O Superior Tribunal de Justiça entende que "Os juros compensatórios observam o percentual vigente no momento de sua incidência" (Pet 12.344, Rel. Ministro Og Fernandes, Primeira Seção, julgado em 28/10/2020). Assim, em uma mesma desapropriação podem ser sucessivamente aplicados diferentes índices de juros compensatórios, tendo em vista a modificação da legislação de regência. O art. 15-A, § 1º, do Decreto-Lei n. 3.365/1941, introduzido pelo art. 1º da Medida Provisória n. 700/2015, afastou a incidência de juros compensatórios na desapropriação de imóveis que não cumprem sua função social para fins de reforma agrária, no período de 9/12/2015 a 17/5/2016. O art. 5º, § 9º, da Lei n. 8.629/1993, introduzido pela Lei n. 13.465/2017, limitou os juros compensatórios ao "percentual correspondente ao fixado para os títulos da dívida agrária depositados como oferta inicial para a terra nua", de 12/7/2017 a 13/7/2023. O art. 15-A, § 1º, do Decreto-Lei n. 3.365/1941, com redação dada pelo art. 21 da Lei n. 14.620/2023, afastou a incidência de juros compensatórios na desapropriação de imóveis que não cumprem sua função social para fins de reforma agrária, a partir de 14/7/2023. Dessa forma, na desapropriação fundada no art. 184 da Constituição Federal, a legislação que entra em vigor no curso do processo judicial, após a imissão provisória na posse, modifica a taxa de juros compensatórios, a qual corresponde a 0% (zero por cento) de 9/12/2015 a 17/5/2016 (art. 15-A, § 1º, no Decreto-Lei n. 3.365/1941, introduzido pelo art. 1º da Medida Provisória n. 700/2015); ao "percentual correspondente ao fixado para os títulos da dívida agrária depositados como oferta inicial para a terra nua", de 12/7/2017 a 13/7/2023 (art. 5º, § 9º, da Lei n. 8.629/1993, introduzido pela Lei n. 13.465/2017); e a 0% (zero por cento) a partir de 14/7/2023 (art. 15-A, § 1º, no Decreto-Lei n. 3.365/1941, com redação dada pelo art. 21 da Lei n. 14.620/2023).
Consignação em pagamento do ISSQN por dúvida de competência municipal com depósito integral
Na origem, os contribuintes ajuizaram ação de consignação em pagamento, tendo como objetivo definir qual município seria o legitimado pela exigibilidade do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) relativo a obras de um Complexo Hidrelétrico ocorridas em um estado. A sentença autorizou a conversão do depósito em renda na proporção de 62,5% e 37,5% para cada um dos municípios, em razão de acordo firmado entre as partes. O Tribunal de origem, de ofício, julgou a ação extinta sem resolução do mérito, diante da falta de interesse processual, sob o fundamento de que não cabe ação de consignação em pagamento quando há divergência sobre o valor devido da exação, uma vez que que os recorrentes ingressaram com outra ação judicial para discutir sobre a dedução dos valores relativos aos materiais de construção empregados na obra. Na hipótese de fundada dúvida sobre qual seria o município competente para cobrança do ISSQN, é legítima a propositura de ação de consignação em pagamento, fundada no art. 164, III, do Código Tributário Nacional (CTN), desde que haja o depósito integral da exação. O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento de que não cabe a ação de consignação em pagamento para fins de recolher o tributo em parcelas, isto é, o devedor deve consignar o valor integral da exação, uma vez que a ação consignatória, que é de natureza meramente declaratória, tem por objetivo apenas liberar o devedor de sua obrigação com a quitação de seu débito, por meio de depósito judicial, quando o credor injustificadamente se recusa a fazê-lo, de modo que, recolher parceladamente o valor do débito fiscal na seara da ação consignatória é desviar-se da finalidade por ela pretendida (AgRg no REsp 1.397.419/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, DJe 10.2.2014). In casu , consignou-se, no acórdão recorrido, que seria incabível a ação de consignação em pagamento em razão de controvérsias quanto ao montante da exação, especialmente por ter o recorrente ingressado com outra ação judicial para fins de reduzir o valor do tributo questionando sua base de cálculo. Desse modo, não merece reparo o acórdão do Tribunal de origem que julgou extinto o processo sem resolução de mérito por ausência de interesse processual.
Prescrição na ação de improbidade contra magistrados estaduais: Lei 8.112/1990 e conhecimento da autoridade competente
Trata-se de controvérsia na qual a parte propugna pela incidência, para fins de prescrição da ação de improbidade, do prazo da Lei n. 8.112/1990 mesmo para o magistrado estadual, ante o silêncio da Lei Orgânica da Magistratura (LOMAN) no ponto. Nesse sentido, o prazo prescricional seria o mesmo do crime correspondente, considerado em abstrato. No caso, concussão, conforme a redação então vigente do tipo penal, conduzindo a prazo de 12 (doze) anos, contados da ciência do fato pelo titular da ação. Conforme a jurisprudência, o prazo prescricional na situação descrita é mesmo o previsto na Lei n. 8.112/1990, inclusive para os magistrados estaduais. Com efeito, "a orientação firmada por esta Corte Superior de Justiça é que, no silêncio da Lei Orgânica da Magistratura Nacional - LOMAN quanto à prescrição das penalidades cometidas por magistrado, deve ser aplicada subsidiariamente a Lei n. 8.112/90 (Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis da União), mesmo em se tratando de magistrados estaduais, porquanto a Constituição exige tratamento isonômico da magistratura nacional, em todos os seus ramos" (AgRg nos EDcl no RMS n. 35.254/RS, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 14/10/2014, DJe de 22/10/2014). E o marco inicial desse prazo é o de ciência do ato pela autoridade com atribuição para instaurar o processo administrativo disciplinar (RMS n. 44.218/RS, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. para acórdão Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 23/10/2018, DJe de 19/11/2018).
Perda da indenização securitária por omissão relevante do segurado conforme artigo 766 do CC
Cinge-se a controvérsia em saber se a seguradora pode ser isenta do pagamento da indenização securitária em razão da omissão do segurado sobre sua idade, mesmo que a seguradora tenha aceitado o contrato com conhecimento dessa informação. O Tribunal a quo entendeu indevida a indenização securitária, haja vista na existência de uma cláusula expressa no contrato de seguro que isenta a seguradora do pagamento de indenização em caso de descumprimento das condições de ingresso no seguro, incluindo a idade do segurado, bem como no reconhecimento de que o segurado tinha o dever de prestar informações precisas e completas à seguradora, o que não ocorreu no caso em análise. Destacou que o segurado não declarou sua idade na proposta, assumindo implicitamente que atendia aos requisitos para inclusão no grupo segurado, mas que o contrato de seguro em questão era um contrato em grupo, com condições específicas e limites de idade para os segurados. Assim, o Tribunal a quo afastou a obrigação da seguradora com amparo no art. 766 do Código Civil (CC), que estabelece a perda do direito à garantia se o segurado omitir informações relevantes. O dever de manter a mais estrita boa-fé e veracidade sobre o objeto do contrato de seguro, bem como sobre as circunstâncias e declarações pertinentes, é imposto a ambas as partes da relação jurídica, conforme dispõe o art. 765 do Código Civil de 2002: "Se o segurado, por si ou por seu representante, fizer declarações inexatas ou omitir circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio, perderá o direito à garantia, além de ficar obrigado ao prêmio vencido". Portanto, a decisão da Corte de origem guarda amparo na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no sentido de que a conduta do segurado em agir de má-fé, prestando informações falsas ou omitindo dados relevantes que possam influenciar a decisão da seguradora em aceitar a proposta ou em definir o valor do prêmio, enseja a perda da cobertura securitária em caso de sinistro.