SELIC como taxa de juros de mora civil à luz do art. 406 CC
A questão em discussão consiste em saber se a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia (SELIC) deve ser considerada para a fixação dos juros moratórios a que se referia o art. 406 do Código Civil antes da entrada em vigor da Lei n. 14.905/2024. De início, ressalta-se que a taxa SELIC é a única taxa atualmente em vigor para a mora no pagamento de impostos federais, conforme previsto em diversas legislações tributárias (Leis n. 8.981/1995, 9.065/1995, 9.250/9195, 9.393/1996, 10.522/2002, Decreto 7.212/2010, entre outras), possuindo também status constitucional a partir da Emenda Constitucional n. 113. Ainda destaca-se que o art. 161, § 1º, do CTN prevê a taxa de 1% ao mês apenas de forma subsidiária, ou seja, quando não houver disposição legal diversa. E como há leis específicas que determinam a aplicação da SELIC para os impostos federais, o dispositivo do CTN não se aplica ao caso. Dessa forma, não há falar em função punitiva dos juros moratórios, eis que para isso existem as previsões contratuais de multa moratória, sendo a sua função apenas a de compensar o deságio do credor. Segundo o art. 404 do Código Civil, se os juros não cobrem o prejuízo, o juiz pode inclusive conceder indenização suplementar. Nesse sentido, fixar juros civis de mora diferentes do parâmetro nacional viola o art. 406 do CC e causa impacto macroeconômico. A lei prevê que os juros moratórios civis sigam a mesma taxa aplicada à mora de impostos federais, garantindo harmonia entre obrigações públicas e privadas. Como esses índices oficiais são ajustados conforme a macroeconomia, o valor aplicado nas relações privadas não deve superar o nível básico definido para toda a economia. Consigna-se, ademais, que nos Temas 99, 112 e 113 fixados em recursos especiais repetitivos, a Primeira Seção desta Corte definiu as teses no sentido de ser a SELIC a taxa legal referenciada na redação original do art. 406 do Código Civil. A jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal reconhece a validade da SELIC como índice de correção monetária e juros moratórios, aplicável às condenações cíveis em geral. Ressalta-se, por fim, que, a SELIC, por englobar juros de mora e correção monetária, evita a cumulação de índices distintos, garantindo maior previsibilidade e alinhamento com o sistema econômico nacional.
Contraditório judicial obrigatório veda condenação e pronúncia com base em elementos extrajudiciais
A controvérsia consiste em definir se a pronúncia e a condenação podem ser fundamentadas exclusivamente em elementos colhidos na fase extrajudicial, sem confirmação em juízo; e se o entendimento jurisprudencial mais benéfico ao recorrente pode ser aplicado após o trânsito em julgado da condenação. De inicio, registre-se que, nos autos da revisão criminal, é fato incontroverso que o acusado foi submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri mediante elementos de informação coletados apenas na fase extrajudicial, quais sejam, sua confissão e o relato dos corréus, exclusivamente, sem que o Juízo tenha aliado esses elementos a qualquer outro decorrente da larga investigação instaurada para apurar a prática dos crimes. Ademais, no caso, salta aos olhos que existiu séria contradição entre os depoimentos dos corréus prestados em fase inquisitorial, em que imputam a autoria ao recorrente, e as considerações apresentadas em juízo, ocasião na qual o consideraram inocente. Caberia ao magistrado singular, a fim de afastar o depoimento judicial que inocenta o recorrente, minimamente, corroborar o depoimento extrajudicial que o incrimina com outros elementos de convicção, mas isso não consta da decisão de pronúncia, que apenas opta pelo depoimento extrajudicial incriminador para submeter o acusado a julgamento pelo Conselho de juízes leigos, sem sequer mencionar a existência dos depoimentos judiciais exculpantes. O mais grave no caso em questão é que existe prova judicial que aponta para a inocência do sentenciado, mas esta foi totalmente desconsiderada e ignorada pelo Magistrado singular. Daí por diante, a pergunta que se deve fazer é a seguinte: poderia um acusado ser submetido a julgamento por um Tribunal de Juízes leigos, mediante a sobreposição de um depoimento extrajudicial, que nem sequer menciona a forma de execução dos crimes imputados, ao depoimento prestado em juízo, pelos mesmos corréus que o apontaram como executor, de que ele seria inocente? Ainda no campo dos questionamentos, indago: o brocardo in dubio pro societate, considerado na ocasião da decisão de pronúncia, que nem sequer faz parte da categoria dos princípios processuais penais, poderia justificar o julgamento de um acusado por juízes leigos apenas com base em depoimentos de corréus, sem qualquer elemento dos autos que confirmassem a veracidade dessas acusações? Não estaria o magistrado dando a esses depoimentos um valor maior do que eles de fato ostentem? E o que dizer da própria confissão do acusado, que vacilou em diversas ocasiões em que indagado pela autoridade policial? Poderia sua confissão ser considerada para submissão a um julgamento pelo Júri, sem que tal elemento de convicção tenha sido confrontado com as demais provas dos autos, em total afronta ao art. 197 do Código de Processo Penal? Para todos esses questionamentos, a resposta se baseia no fato de que, ainda que em algum momento a jurisprudência tenha admitido a submissão do acusado a julgamento pelo Tribunal do Júri, mediante elementos produzidos exclusivamente na fase investigatória, considerada à base constitucional do Estado Democrático de Direito garantido pela Constituição Federal de1988, mesmo que o Código de Processo Penal no qual nos baseamos seja de 1941 e ostente alguns resquícios inquisitoriais, nenhum dispositivo legal dali constante pode se sobrepor às garantias constitucionais, dentre elas a presunção de inocência e o devido processo legal (art. 5º, LVII e LIV, da CF/1988). Ainda que se sustente a respeito da instrução em plenário, da análise da ata de julgamento do Tribunal do Júri, observa-se que a tese defensiva é de negativa de autoria, ou seja, contrária à confissão extrajudicial do recorrente e dos corréus que o incriminaram somente naquela ocasião. Ademais, é importante reconhecer e consignar que este Superior Tribunal, em relação à impossibilidade de submeter o acusado a julgamento pelo Tribunal do Júri com base apenas em elementos de convicção da fase extrajudicial, firmado a partir de meados de 2022, mas não em precedente qualificado, não estabeleceu balizas para sua aplicação retroativa. Daí porque a análise tem sido feita de acordo com o caso concreto, a depender do quanto a nulidade é manifesta, a título de cognição, inerente a recurso ou habeas corpus, da destreza do advogado em demonstrar a violação do dispositivo legal e do prejuízo causado ao acusado, podendo o vício ser reconhecido até mesmo após a sentença condenatória. Nesse contexto, não existe outra providência a não ser o trancamento da ação penal, uma vez que a mera confissão desvinculada de outros elementos de informação não é capaz de sustentar sequer a denúncia, razão pela qual o recorrente deverá ser colocado imediatamente em liberdade, sem prejuízo de que outra denúncia seja formulada pelo órgão da acusação, desde que mediante suficientes elementos de informação que denotem a existência de indícios de autoria em relação ao acusado.
Personalidade judiciária do consórcio e legitimidade passiva em execução fiscal
O consórcio de empresas, embora desprovido de personalidade jurídica, possui personalidade judiciária, podendo ser parte legítima para integrar o polo passivo de execução fiscal. A questão em discussão consiste em saber se o consórcio de empresas, constituído nos termos da Lei n. 6.404/1976, possui legitimidade para integrar o polo passivo da execução fiscal, mesmo sem personalidade jurídica. Assenta o art. 278, caput, da Lei n. 6.404/1976 que "as companhias e quaisquer outras sociedades, sob o mesmo controle ou não, podem constituir consórcio para executar determinado empreendimento, observado o disposto neste Capítulo". No respectivo § 1º, especifica-se que "o consórcio não tem personalidade jurídica e as consorciadas somente se obrigam nas condições previstas no respectivo contrato, respondendo cada uma por suas obrigações, sem presunção de solidariedade". A despeito da ausência de personalidade jurídica do consórcio de empresas, tal circunstância não o impede que figure como sujeito passivo da obrigação tributária, visto que, nos termos do art. 126, III, do Código Tributário Nacional - CTN, "a capacidade tributária passiva independe [...] de estar a pessoa jurídica regularmente constituída, bastando que configure uma unidade econômica ou profissional". Em relação a esse dispositivo legal, convém destacar que a regular constituição da pessoa jurídica dá-se, segundo a inteligência dos arts. 45 e 985 do Código Civil, a partir do registro do seu ato constitutivo (contrato social ou estatuto social) no registro competente (registro público de empresas mercantis - juntas comerciais ou registro civil de pessoas jurídicas), o que marca o início da existência legal da pessoa jurídica de direito privado. Através de uma leitura mais detida do art. 126 do CTN, infere-se, conforme entendimento doutrinário, que quem realiza o fato gerador está obrigado ao pagamento do tributo, ainda que não tenha ou não esteja no gozo de capacidade civil plena ou que esteja atuando mediante sociedade irregular ou de fato. Logo, sendo o fato gerador praticado pelo consórcio de empresas, daí exsurge a sua responsabilidade pelo adimplemento da obrigação tributária, sendo irrelevante, para esse fim, a existência ou não de personalidade jurídica. Afinal, o consórcio consubstancia inequívoca unidade econômica, ensejadora da capacidade tributária passiva, como preceitua o inciso III do art. 126 do CTN. Essa acepção de direito material converge com o tratamento jurídico dado pela norma adjetiva. O Código de Processo Civil de 2015 preconiza, em seu art. 75, IX, que serão representados em juízo, ativa e passivamente, a sociedade e a associação irregulares e outros entes organizados sem personalidade jurídica, pela pessoa a quem couber a administração de seus bens. Além disso, a Lei n. 6.830/1980 - que regulamenta e execução fiscal de crédito tributário e não tributário - estabelece em seu art. 4º, III e IV, que a execução fiscal poderá ser promovida contra o espólio e a massa, que são espécies de entes despersonalizados, tal como o referido consórcio. Por conseguinte, em interpretação sistemática do ordenamento jurídico pátrio, depreende-se que consórcio de empresas instituído com amparo na Lei n. 6.404/1976, embora não detenha personalidade jurídica, possui personalidade judiciária, podendo ser demandado notadamente em execução fiscal pelas obrigações tributárias a que deu causa. Tal acepção é corroborada pelo art. 1º, § 1º, da Lei n. 12.402/2011, segundo o qual "o consórcio que realizar a contratação, em nome próprio, de pessoas jurídicas e físicas, com ou sem vínculo empregatício, poderá efetuar a retenção de tributos e o cumprimento das respectivas obrigações acessórias, ficando as empresas consorciadas solidariamente responsáveis".
Impossibilidade de restituição retroativa de frutos aos herdeiros na administração consentida
Os herdeiros não podem exigir a restituição retroativa dos frutos obtidos pelo ascendente que exerceu ininterruptamente, por longo período, a administração dos imóveis com pleno conhecimento e aquiescência dos proprietários. A controvérsia consiste em definir se os herdeiros podem exigir a restituição retroativa dos frutos percebidos pelo ascendente que exerceu ininterruptamente, por longo período, a administração dos imóveis com pleno conhecimento e aquiescência dos proprietários. Pelo princípio da saisine, os herdeiros sucedem o de cujus na exata situação jurídica em que este se encontrava no momento da abertura da sucessão, incluindo as relações fáticas consolidadas, as expectativas legítimas criadas por seu comportamento e, sobretudo, as limitações ao exercício de direitos decorrentes de sua própria conduta. Essa perspectiva ampliada do princípio da saisine revela que a transmissão hereditária não se opera em abstrato, mas considera a realidade concreta das relações estabelecidas pelo de cujus. Quando alguém, por sua conduta reiterada e duradoura, cria limitações ao exercício pleno de seus direitos - seja pela aquiescência prolongada, pela criação de expectativas legítimas em terceiros, ou mesmo pela própria inércia qualificada -, essas limitações integram o patrimônio jurídico transmissível, vinculando os sucessores. Já a supressio opera quando o titular de um direito, por sua inércia prolongada e qualificada, cria na contraparte legítima expectativa de que tal direito não será exercido, tornando inadmissível seu exercício posterior. Paralelamente à supressão do direito, opera-se o instituto da surrectio, que representa o aspecto positivo do fenômeno: enquanto a supressio elimina a possibilidade de exercício de direito pela inércia de seu titular, a surrectio representa o nascimento de uma expectativa legítima protegida juridicamente, criada não por ato volitivo expresso, mas pela convergência entre a conduta reiterada de quem exerce determinada situação jurídica e a aquiescência duradoura daqueles que poderiam opor-se a tal exercício. A conjugação desses institutos com o princípio da saisine oferece solução jurídica adequada: quando o de cujus, por sua conduta omissiva prolongada, opera a supressão de determinado direito e, paralelamente, consolida expectativa legítima em favor de terceiro, essa situação jurídica complexa transmite-se integralmente aos herdeiros. Não podem estes invocar direitos que o próprio antecessor, por sua conduta reiterada, havia tornado juridicamente inadmissível exercer. No caso, a administração dos imóveis, exercida de forma transparente e ininterrupta por mais de 20 anos, com percepção integral dos aluguéis, sob pleno conhecimento e aquiescência dos proprietários, consolida situação jurídica protegida pela boa-fé objetiva e pela vedação ao comportamento contraditório. Apenas com a notificação extrajudicial é que se comprovou o término da situação jurídica consolidada, momento em que findou a expectativa de direito gerada pela situação fática duradoura e tornou-se possível aos herdeiros exercerem plenamente a administração dos imóveis e receberem os aluguéis deles provenientes. Até esse marco temporal, a situação permaneceu legitimamente consolidada, não sendo devida restituição alguma pelos frutos obtidos durante o período de aquiescência.
Quitação por terceiro de multa de colaboração premiada configura renda tributável pelo IR
A quitação, por terceiro, de multa originalmente atribuída a contribuinte pessoa física em acordo de colaboração premiada representa liberação de despesa que este suportaria, tratando-se, portanto, de acréscimo patrimonial indireto passível de tributação pelo Imposto sobre a Renda. A controvérsia tem origem em Mandado de Segurança impetrado buscando-se afastar a incidência do Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas (IRPF), relativamente a acréscimo patrimonial experimentado diante da quitação, por sua ex-empregadora, empresa construtora, de multa assumida pelo impetrante em acordo de colaboração premiada. Em primeira instância, a segurança foi denegada, decisão mantida pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região, sob o fundamento de que o pagamento de obrigação pecuniária firmada em acordo de colaboração premiada é dever exclusivo do colaborador, razão pela qual eventual assunção de ônus financeiro por terceiro, sobretudo a ex-empregadora, encerra mera liberalidade em decorrência de rescisão de contrato de trabalho, configurando, assim, acréscimo patrimonial sujeito ao Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas. Com efeito, como consignado pelo tribunal de origem, a ex-empregadora disponibilizou o montante para pagamento da multa, tendo o depósito em conta judicial sido efetuado em seu próprio nome. Ainda que a construtora tenha quitado diretamente o valor da penalidade assumida pelo recorrente em acordo de colaboração premiada e sem trânsito de valores nas contas da pessoa física, tal circunstância não é apta, por si só, a afastar a perfectibilização do aspecto material da hipótese de incidência do imposto em tela, porquanto a liberação de obrigação passiva do contribuinte por terceiros denota disponibilidade de renda mediante acréscimo patrimonial indireto, configurando, assim, o fato gerador descrito no art. 43 do Código Tributário Nacional. No caso, a multa possui natureza jurídica de sanção, assumida pela parte em seu próprio nome, em caráter personalíssimo, a qual deve ser suportada pelo seu próprio patrimônio. Assim, ausente dever legal ou decorrente de negócio jurídico de natureza pública impondo à empresa o ônus financeiro de adimplir com a sanção assumida pelo impetrante no acordo de colaboração premiada - o qual, reitere-se, detém natureza personalíssima -, impende reconhecer-se ter sido o valor espontaneamente creditado. Dessa maneira, tendo o tribunal a quo firmado a premissa fática de que a companhia "[...] conferiu ao seu ex-empregado/impetrante verba por mera liberalidade, em decorrência da rescisão do contrato de trabalho", de rigor a aplicação do art. 70 da Lei n. 9.430/1996, segundo o qual "[...] a multa ou qualquer outra vantagem paga ou creditada por pessoa jurídica, ainda que a título de indenização, a beneficiária pessoa física ou jurídica, inclusive isenta, em virtude de rescisão de contrato, sujeitam-se à incidência do imposto de renda".