Este julgado integra o
Informativo STJ nº 867
Tese Jurídica
1. A pena mínima em abstrato, considerando as frações mínimas das majorantes e máximas das atenuantes, deve ser utilizada como critério para aferição da elegibilidade ao ANPP. 2. A continuidade delitiva não impede a celebração do acordo de não persecução penal, desde que a pena mínima resultante não ultrapasse o limite de quatro anos. 3. É indevido utilizar projeções de "pena hipotética" para afastar, em sede de admissibilidade, o exame do ANPP, em coerência com a vedação sumulada à prescrição em perspectiva ( Súmula n. 438/STJ ).
Resumo
A controvérsia consiste em definir se, em crimes em continuidade delitiva, a aferição do requisito objetivo previsto no art. 28-A do CPP para o ANPP deve se pautar pela pena mínima em abstrato - com incidência das causas de aumento na fração mínima -, permitindo, assim, a análise ministerial do acordo de não persecução penal. O acordo de não persecução penal, introduzido pela Lei n. 13.964/2019, exige, entre outros requisitos, que o crime seja sem violência ou grave ameaça e que a pena mínima em abstrato seja inferior a 4 anos, cabendo ao Ministério Público avaliar motivadamente o cabimento, sem que haja direito subjetivo do investigado ao acordo. Dada a função despenalizadora que lhe é atribuída pela Lei n. 13.964/2019, o ANPP exige interpretação teleológica e sistémica, em consonância com institutos congêneres que partilham o mesmo horizonte normativo e valorativo, entre os quais se inclui a suspensão condicional do processo, nos termos do art. 89 da Lei n. 9.099/1995. Ambos os mecanismos orientam-se pela reduzida intervenção estatal e pela busca de soluções que privilegiem a consensualidade e a efetividade da tutela penal mínima, exigindo, por isso, leitura harmonizadora que preserve a coesão do ordenamento e a finalidade despenalizadora do legislador. No plano interpretativo, a exigência do art. 28-A, caput, do CPP quanto à "pena mínima inferior a 4 (quatro) anos" reclama entendimento técnico: a expressão deve ser aferida no plano abstrato da tipicidade sancionatória, isto é, tomando-se por parâmetro a pena mínima legalmente cominada ao tipo, e não projeções hipotéticas resultantes da dosimetria concreta ou de cálculos prospectivos sobre as consequências da continuidade delitiva. Assim compreendida, a previsão legal assegura previsibilidade e delimitação normativa ao critério de elegibilidade para o instituto, afastando avaliações que se confundam com o juízo de dosagem sancionatória próprio da fase de culpabilidade e pena. Admitir o cálculo "em perspectiva", como pretende o Ministério Público, importaria em introduzir no exame de admissibilidade do ANPP raciocínios análogos à extinta figura da chamada prescrição em perspectiva, cuja instrumentalização pelo intérprete fora severamente rechaçada pela jurisprudência que culminou na consolidação da Súmula n. 438/STJ . Em substância, referido raciocínio permitiria valoração de penas hipotéticas como parâmetro decisório, prática que fragiliza a segurança jurídica e enseja discricionariedades indefinidas. Em suma, a interpretação coerente com o texto legal e com o sistema recomenda que a aferição da aptidão ao acordo se faça à luz da pena mínima em abstrato, preservando-se, na fase própria, a liberdade do magistrado para a dosimetria concreta e para a valoração dos elementos fáticos. É certo que o art. 28-A, § 1º, do CPP dispõe que, "para aferição da pena mínima cominada ao delito a que se refere o caput deste artigo, serão consideradas as causas de aumento e de diminuição aplicáveis ao caso concreto." Tal enunciado demanda, porém, interpretação em chave sistemática e finalística. Tratando-se de requisito objetivo de elegibilidade, a norma não autoriza que o exame preliminar se converta em ensaio prospectivo de dosimetria; impõe-se, ao revés, que se adote como parâmetro inicial a pena mínima em abstrato, valorizando-se, na aplicação das majorantes, a fração mínima legal pertinente, porquanto essa solução resguarda a delimitação normativa do critério de admissibilidade e preserva a separação de funções entre a fase de seleção do instrumento despenalizador e a fase sentencial de individualização da pena. A jurisprudência que trata do sursis processual consagrou raciocínio análogo. Não obstante a omissão da Lei n. 9.099/1995 quanto à continuidade delitiva, sedimentou-se entendimento segundo o qual, para aferição da elegibilidade ao benefício, procede-se à soma da pena mínima da infração mais grave com o acréscimo de 1/6, conforme sedimentado na Súmula n. 243/STJ e Súmula n. 723/STF . A analogia in bonam partem impõe a transposição desse raciocínio ao ANPP, em razão da proximidade da causa finalística entre os institutos. Desse modo, à luz do texto e da finalidade do art. 28-A, § 1º, do CPP, o qual determina considerar causas de aumento e diminuição para aferição da pena mínima, a interpretação normativa correta é a que, nas variáveis, toma a fração mínima das majorantes e a fração máxima das atenuantes, na medida em que o critério legal visa precisamente à aferição da pena mínima em abstrato, e não a sua projeção na dimensão máxima; em suma, procura-se a menor pena possível em abstrato, não a pena em sua extensão máxima.
Conteúdo Completo
1. A pena mínima em abstrato, considerando as frações mínimas das majorantes e máximas das atenuantes, deve ser utilizada como critério para aferição da elegibilidade ao ANPP. 2. A continuidade delitiva não impede a celebração do acordo de não persecução penal, desde que a pena mínima resultante não ultrapasse o limite de quatro anos. 3. É indevido utilizar projeções de "pena hipotética" para afastar, em sede de admissibilidade, o exame do ANPP, em coerência com a vedação sumulada à prescrição em perspectiva ( Súmula n. 438/STJ ).
Informações Gerais
Número do Processo
Segredo de Justiça II - Info 867
Tribunal
STJ
Data de Julgamento
07/10/2025