Lei de Responsabilidade Fiscal: federalismo e separação de poderes

STF
948
Direito Administrativo
Direito Constitucional
Direito Financeiro
Direito Tributário
Geral
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Atualizado em 14 de novembro de 2025

Este julgado integra o

Informativo STF 948

Comentário Damásio

Conteúdo Completo

O Plenário retomou julgamento conjunto de ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) e de arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) em que discutidos dispositivos da Lei Complementar (LC) 101/2000 [Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF)].

Nas sessões de 21.8.2019, o Colegiado concluiu o julgamento da ADI 2.261/DF, cujo pedido foi julgado improcedente; e da ADI 2.365/DF, que não foi conhecida. A ADI 2.365/DF foi ajuizada contra o inciso III do art. 20 da LRF (1), sob o fundamento de contrariedade à normatização decorrente das alterações promovidas pela Emenda Constitucional (EC) 25/2000. No ponto, o Plenário evidenciou a inadequação do pleito, uma vez que a EC 25/2000 entrou em vigor em momento posterior ao ajuizamento da ação. Nesse sentido, não cabe analisar a compatibilidade de uma lei anterior com uma EC posterior. A respeito, a jurisprudência da Corte é firme no sentido de que leis anteriores à Constituição Federal (CF) ou a ECs devem ser analisadas sob a ótica da recepção ou por meio de ADPF.

No tocante ao conhecimento das demais ações, o Plenário conheceu parcialmente da ADI 2.238/DF. Quanto ao art. 7º, §§ 2º e 3º, da LRF (2), impugnados em face dos arts. 3º, II; e 4º, da Medida Provisória (MP) 1.980/2000, afirmou que a suposta antinomia entre os preceitos da LRF e os dispositivos da MP haverá de ser resolvida segundo os princípios hermenêuticos aplicáveis, sem nenhuma conotação de natureza constitucional.

Quanto ao art. 15 da LRF (3), também impugnado nessa ADI, frisou ausência de impugnação de todo o complexo normativo necessário. A aplicação do preceito depende da conjugação com outras normas, e só se poderia cogitar da inconstitucionalidade do art. 15 caso as demais também tivessem sido impugnadas.

Apontou, também, o prejuízo parcial da ADI 2.238/DF, relativamente ao art. 30, I, da LRF (4), uma vez que já expirado o prazo da norma de caráter temporário. Pelo mesmo fundamento, declarou o prejuízo parcial quanto ao art. 72 da LRF (5).

Em seguida, o Plenário reconheceu a constitucionalidade da LRF em seu aspecto formal. No ponto, afastou argumentos no sentido de: a) violação do processo legislativo, por suposta emenda do texto da lei sem o posterior retorno à Casa iniciadora; e b) a LRF haver regulamentado apenas parcialmente o art. 163 da CF (6), o que implicaria violação a esse dispositivo e também ao art. 30 da EC 19/1998 (7).

Em relação ao primeiro argumento, o Colegiado frisou que a alteração apontada consistiu em deslocar parte dos textos normativos de determinados dispositivos para outros. Foi uma alteração topográfica, voltada a tornar o texto de mais fácil compreensão, sem desfiguração da mensagem normativa original.

No que se refere ao segundo argumento, aduziu não haver necessidade de a LRF regulamentar todos os aspectos do art. 163 da CF. Os temas desse artigo são variados no que diz respeito às finanças públicas e prescindem de disciplina única. 

O Plenário passou, então, à análise da impugnação dos dispositivos da LRF em seu aspecto material.

Inicialmente, verificou que a ofensa ao princípio federativo foi uma característica levantada nas diversas ações em exame, de modo genérico, e diretamente em relação aos arts. 4º, § 2º, II e § 4º (8); 11, parágrafo único (9); 14, II (10); 17, §§ 1º a 7º (11); 24 (12); 35 (13); e 51 (14).

A discussão está na observância à competência constitucional do ente federativo para editar a lei, com preservação de sua autonomia e sem interferência dos demais entes da federação. Nesse aspecto, frisou que a chave para o êxito federativo está em equilibrar competição e cooperação. É necessário que, no exercício das competências dos entes federativos, se respeite a interdependência. 

Afirmou que o exame da constitucionalidade material da LRF deve ser feito tendo em vista o contexto macroeconômico e de estabilização monetária da época, buscando o fortalecimento dos preceitos básicos de convívio no Estado Federal, com a garantia do imprescindível equilíbrio federativo e o respeito à repartição constitucional de competências.

Nesse sentido, afastou a alegada inconstitucionalidade da LRF por suposta ofensa aos princípios e regras federativas. Consignou que cabe ao intérprete priorizar o fortalecimento dos preceitos básicos de convívio no Estado Federal, que garantam o imprescindível equilíbrio federativo. A respeito, a CF estabeleceu os princípios e normas essenciais do sistema tributário nacional e das finanças públicas, e consagrou a necessidade de cada ente federado possuir uma esfera de competência tributária que lhe garanta renda própria. Da mesma forma, previu a repartição das competências tributárias de modo a determinar a distribuição de receitas e, por fim, as disposições sobre finanças públicas e assuntos correlatos.

Quanto às normas gerais sobre finanças públicas, o constituinte estabeleceu a competência legislativa da União, que, por meio de lei complementar, disporá sobre finanças públicas; dívida pública externa e interna, incluída a das autarquias, fundações e demais entidades controladas pelo Poder Público; concessão de garantias pelas entidades públicas; emissão e resgate de títulos da dívida pública; fiscalização financeira da administração pública direta e indireta; operações de câmbio realizadas por órgãos e entidades dos entes federados.

A previsão de estratégias de harmonização no texto constitucional com a finalidade de garantir o imprescindível equilíbrio federativo, na presente hipótese, também encontra explicação em razões econômicas, que deram ensejo ao denominado Federalismo Fiscal. 

O Federalismo Fiscal se dedicou a produzir modelos explicativos das interações estratégicas ocorridas na relação entre os entes federados, analisando os incentivos que determinariam as condutas dos diferentes níveis de governo. Ao lidar com essa plataforma de análise, pautados na lógica da ação coletiva, esses trabalhos lograram identificar diversos efeitos negativos (externalidades) que o comportamento individualista dos entes governamentais poderia produzir para o conjunto da federação. 

Um dos tipos de interação mais destrutiva ocorre quando decisões a respeito dos gastos públicos de um ente local são tomadas na esperança de que as suas consequências econômico financeiras sejam posteriormente absorvidas por um nível central de governo, geralmente por meio de ações de resgate. Esse tipo de comportamento é visto como fonte de sérios riscos para o equilíbrio federativo, pois compromete a autonomia financeira recíproca.

As decisões a respeito de gastos públicos, quando percebidas numa visão agregada, não são isentas de consequências para o conjunto do Estado. Muito pelo contrário, elas podem produzir efeitos sistêmicos bastante prejudiciais ao equilíbrio federativo, exercendo pressões negativas sobre a condução de políticas intituladas por entes federativos distintos, além de potencializar assimetrias já existentes e prejudicar o sistema econômico nacional.

Foi exatamente o que foi observado no Brasil pouco tempo depois da promulgação da CF/1988, quando a federação brasileira havia sido recentemente capitalizada por preceitos de descentralização. Isso porque, no início da década de 90, em que a inflação era exponencial, os entes federativos trabalhavam com uma dinâmica de ilusão monetária, em que os impactos fiscais das suas decisões eram artificialmente suavizados pela deterioração de valor que a inflação exercia na moeda até o momento da efetiva realização dos gastos. Com a estabilização econômica, lograda pelos êxitos do Plano Real, sucedeu fenômeno que eliminou o hiato antes existente entre os termos nominais e reais das decisões orçamentárias.

No decorrer dos anos 80 e no início dos anos 90, a ausência de governança na gestão fiscal de vários entes da Federação consubstanciava uma das vertentes do desequilíbrio fiscal brasileiro. Nesse período, as receitas advindas da realidade inflacionária constituíam fonte adicional de recursos para o financiamento de despesas e, consequentemente, ocultavam a verdadeira situação fiscal dos entes federativos.

Depois de 1994, em decorrência da estabilização de preços obtida por meio do Plano Real, ocorreu um esgotamento das receitas com imposto inflacionário e, por conseguinte, a situação fiscal dos entes subnacionais passou a se deteriorar rapidamente. 

Nesse contexto, os desequilíbrios fiscais estruturais dos entes federativos não podiam mais ser escondidos ou negligenciados. Os déficits estruturais ocultos foram explicitados e as dívidas dos entes subnacionais ganharam contornos explosivos. Tornou-se então premente a necessidade de equacionar os passivos dos entes subnacionais, com imposição simultânea de uma nova forma de governança para a gestão financeira e orçamentária desses entes e a edição legislativa de medidas de macroeconomia destinadas à manutenção do equilíbrio fiscal e monetário do País, logicamente de competência da União. Isso porque patente o interesse geral dessa fórmula legislativa de gestão responsável das finanças públicas.

A LRF foi elaborada exatamente nessa conjuntura, como parte de um esforço de harmonização fiscal idealizado pelo governo central. Instituiu um inovador modelo regulatório das finanças públicas, baseado em medidas gerais de transparência, de programação orçamentária, de controle e de acompanhamento da execução de despesas e de avaliação de resultados, destinadas, entre outras coisas, a incrementar a prudência na gestão fiscal e a sincronizar as decisões tomadas pelos Estados e pelos Municípios com os objetivos macroeconômicos estabelecidos nacionalmente.

No que se refere ao art. 4º, § 2º, II e § 4º da LRF, o Plenário decidiu pela sua constitucionalidade. Considerou que não fere a autonomia dos entes subnacionais a necessidade de indicação, no anexo de metas fiscais das respectivas Leis de Diretrizes Orçamentárias (LDO), da consistência das metas estabelecidas em conformidade com as premissas e com os objetivos da política nacional.

As capacidades fiscais, numa federação cooperativa, devem ser exercidas com visão de conjunto, para que a realização dos projetos de cada nível de governo caminhe para um desfecho harmônico. Esse é o sentido da norma em questão. Ela não tem a pretensão de reduzir a política estadual e a municipal a uma mímica dos projetos estabelecidos pela União, mas de determinar que a programação das metas fiscais dos entes subnacionais leve em consideração indicadores e parâmetros ínsitos à economia nacional, tais como taxa de juros, crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e inflação.

Ao invés de deteriorar qualquer autonomia, a exigência é absolutamente consentânea com as normas da CF e com o fortalecimento do federalismo fiscal responsável.

Em primeiro lugar, porque a administração da política monetária e de câmbio é exclusiva da União (CF, art. 22, VII) (15), e porque o texto constitucional também presume que o desenvolvimento nacional equilibrado, cujo planejamento é de responsabilidade da União (CF, art. 21, IX) (16), deve compatibilizar os planos nacionais e regionais de desenvolvimento (CF, art. 174, § 1º) (17). 

Em segundo plano, não há inconstitucionalidade do art. 4º, § 4º, da LRF. Ao estabelecer que a mensagem de encaminhamento do projeto de LDO deve apresentar, em anexo específico, os objetivos das políticas monetária, creditícia e cambial, bem como os parâmetros e as projeções para os seus principais agregados e variáveis, o dispositivo reforçou uma das exigências formais do art. 165, § 2º, da CF (18), que previu que as metas e prioridades da administração pública federal fossem contempladas na própria LDO, e não em uma peça administrativa sem qualquer valor vinculante e impositivo.

São normas complementares e que reforçam essa obrigatoriedade, pois a própria LRF, no caput do art. 4º, exige o atendimento ao art. 165, § 2º, da CF.

O Colegiado também concluiu pela constitucionalidade do art. 11, parágrafo único, da LRF. 

A CF/1988 consagrou o Sistema Tributário Nacional como a principal diretriz do Direito Tributário. Estabeleceu regras básicas regentes da relação do Estado/Fisco com o particular/contribuinte e definiu as espécies de tributos, as limitações do poder de tributar, a distribuição de competências tributárias e a repartição das receitas tributárias, caracterizando-se, pois, pela rigidez e complexidade.

Ao mesmo tempo em que o legislador constituinte restringiu a liberdade do Congresso Nacional em definir a competência tributária de cada ente federativo (rigidez), descreveu com detalhes as limitações do poder de tributar e a repartição das receitas tributárias (complexidade).

A CF, em regra, não institui tributos, mas sim fixa a repartição de competência entre os diversos entes federativos e permite que os instituam com observância ao princípio da reserva legal. A exceção fica a cargo do estabelecimento do imposto extraordinário, feito diretamente pela CF.

No âmbito tributário, portanto, a adoção do modelo federativo pela CF/1988 consagrou a determinação de vários princípios, entre eles a necessidade de cada ente federativo possuir uma esfera de competência tributária que lhe garanta renda própria, para o pleno exercício de suas autonomias política e administrativa.

O texto constitucional previu a repartição das competências tributárias de forma rígida, completa e integral, com duas regras básicas: a) divisão dos tributos em espécie pelos entes federativos; e b) repartição das receitas tributárias pelos entes federativos.

Nesse sentido, não houve qualquer desrespeito aos princípios e regras constitucionais do sistema tributário nacional e da distribuição de receitas, pois a LRF, no caput de seu art. 11 – não impugnado –, ao estabelecer como requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da Federação, tão somente criou uma vinculação para a própria União: a obrigatoriedade de observância desse requisito, em relação aos impostos, para a realização de transferências voluntárias aos Estados, Municípios e Distrito Federal.

A disciplina legal do parágrafo único do art. 11 da LRF manteve a fiel obediência às duas características constitucionais básicas do Sistema Tributário Nacional — a rigidez na previsão de competência tributária prevista para cada ente federativo e a complexidade na repartição das receitas tributárias. Isso porque não obrigou nenhum dos entes federativos a editar a lei criadora de tributo de sua competência. Também não realizou qualquer alteração no denominado sistema de redistribuição de rendas, que estabelece direito subjetivo do ente federativo beneficiado à participação no produto arrecadado pelos demais (transferências obrigatórias), que, obviamente, só existirá a partir do momento em que o ente federativo competente criar o tributo e ocorrer seu fato imponível.

A norma legal apenas firmou, como pressuposto para o recebimento de transferências voluntárias da União, o esgotamento das competências tributárias dos Estados, Distrito Federal e Municípios no tocante à espécie tributária “impostos”.

Dessa forma, não assiste razão aos requerentes, que impugnaram o parágrafo único do art. 11 da LRF na consideração de que a vedação por ele proposta seria atentatória à norma do art. 160 da CF (19), que veda a retenção de repasse, a Estados, Distrito Federal e Municípios, das rendas por ele titularizadas de acordo com as regras de repartição tributária previstas na CF, o que, efetivamente, não é tratado pelo dispositivo legal. O paradigma invocado, portanto, foi errôneo.

Não obstante, frisou que o dispositivo legal visa impedir que o desequilíbrio fiscal causado pelo excesso de isenções tributárias estaduais/distritais e municipais precise ser compensado pela União. Em outras palavras, pretende-se evitar que a irresponsabilidade fiscal do ente federativo, por incompetência ou populismo, seja sustentada e compensada pela União, em detrimento dos demais entes federativos. Busca-se, pois, obstar que alguns entes federativos façam “cortesia com chapéu alheio”, causando transtorno ao equilíbrio econômico financeiro nacional.

O motivo para isso está ancorado não apenas em argumentos jurídicos, como também em evidências históricas levantadas pela economia política. As teorias do Federalismo Fiscal procuram explicar, a partir da análise de diferentes arquiteturas institucionais, como os gastos públicos podem ganhar em eficiência. 

Parte desse trabalho pressupõe a identificação de efeitos adversos (externalidades) gerados em determinados modelos de financiamento e a elaboração de propostas de superação. Uma das perplexidades captadas pela Ciência Econômica é pertinente à baixa eficiência dos gastos públicos bancados por transferências intergovernamentais, em relação àqueles sustentados por recursos próprios. Esse fenômeno (efeito flypaper) é muito comum na realidade municipal brasileira e causa distorções graves na experiência federativa nacional. 

As transferências voluntárias da União, componente importante da receita municipal, desempenham papel significativo no propósito de superação de desigualdades regionais, objetivo fundamental da República.

Nesse aspecto, o parágrafo único do art. 11 da LRF instiga o exercício pleno das competências impositivas dos entes locais e não conflita com a CF, traduzindo, na verdade, um raciocínio de subsidiariedade totalmente consentâneo com o princípio federativo, pois não é saudável para a Federação que determinadas entidades federativas não exerçam suas competências constitucionais tributárias, aguardando compensações não obrigatórias da União. Tal prática sobrecarrega o conjunto de Estados e Municípios, e erroneamente privilegia o populismo político local.

O Plenário, de igual modo, assentou a constitucionalidade do art. 14, II, da LRF. 

Inicialmente, considerou que o paradigma constitucional invocado (CF, art. 167, III) (20) não dialoga com o dispositivo legal. Afinal, o art. 14 da LRF regula a concessão de benefícios tributários, ou seja, a geração de um gasto indireto, enquanto o art. 167, III, da CF estipula um limite de endividamento específico (captação de recursos por operações de crédito). A ressalva contida no dispositivo constitucional, que possibilita a obtenção de operações de crédito em valor superior às despesas de capital, em nada se relaciona com a concessão de benefícios tributários.

Não obstante, analisou que o art. 14, II, da LRF se propõe a organizar uma estratégia, dentro do processo legislativo, para que os impactos fiscais de um projeto de concessão de benefícios tributários sejam melhor quantificados, avaliados e assimilados em termos orçamentários. 

Esse mecanismo reflete uma preocupação, crescente no Brasil, em promover um diagnóstico mais preciso do montante de recursos públicos de que o Estado abre mão por atos de renúncia de receita.

A massiva utilização dessa forma de intervenção estatal na economia tem sido vastamente criticada porque, embora opere efeitos equiparáveis às despesas, com consequências duradouras, tais despesas historicamente são aprovadas em contextos legislativos alheios às deliberações gerais sobre o orçamento, o que elide significativamente as possibilidades de controle parlamentar sobre esse tipo de gasto.

O objetivo principal do art. 14 da LRF, de qualificação do debate legislativo sobre gastos tributários, é buscado pela agregação de duas condições ao processo de criação desses benefícios: a) uma condição básica, primariamente exigível, que é a de inclusão da renúncia da receita na estimativa da lei orçamentária; e b) uma condição alternativa, secundariamente acionável, mediante a efetivação de medidas de compensação, por meio de elevação de alíquotas, da expansão da base de cálculo ou da criação de tributo. 

O mecanismo incentiva o deslocamento da decisão sobre benefícios tributários para a arena apropriada, que é a da deliberação sobre o orçamento do ano seguinte, quando o custo-benefício poderá ser melhor ponderado.

A implementação da condição prevista no art. 14, II, da LRF somente terá lugar quando os novos gastos tributários não puderem ter seu impacto quantificado e avaliado dentro do orçamento.

Nesse aspecto, o art. 14, II, da LRF funciona como uma cláusula de incentivo à conciliação entre as deliberações gerais do processo orçamentário e aquelas relativas à criação de novos benefícios fiscais.

O texto da CF ocupou-se explicitamente desse objetivo e exigiu lei específica para o tratamento do tema, bem como de acomodação das consequências orçamentárias geradas.

É inconteste, portanto, que a CF impõe que as renúncias de receita sejam seriamente analisadas pelas instituições brasileiras. O mandamento constitucional aponta que o processo legislativo de benefícios fiscais busque aperfeiçoamento, inclusive em legislação complementar. 

Por todas essas razões, não há como extrair qualquer indisposição entre a autonomia dos entes federativos e as medidas compensatórias de aumento de receita, previstas na parte final do art. 14, II, da LRF.

No tocante aos arts. 17, §§ 1º a 7º; e 24, da LRF, o Plenário os declarou constitucionais.

Afastou qualquer ofensa ao princípio federativo, por se tratar meramente de normas de prudência fiscal, voltadas a garantir a estabilidade econômica. São medidas que conferem credibilidade aos compromissos assumidos pelo Estado, estruturando-os com indispensável segurança orçamentária. Além disso, a aplicação dessas normas ao longo do tempo, desde a promulgação da LRF, vem sendo realizada de maneira harmônica e eficaz, propiciando um controle mais completo das finanças públicas.

Em seguida, reconheceu a constitucionalidade dos arts. 35 e 51 da LRF.

À luz do princípio federativo, trata-se de normas de saneamento das contas públicas e de regularidade fiscal. É que o incremento do déficit público dos entes subnacionais não é um fenômeno de consequências localizadas.

Processos de endividamento crescentes afetam a realidade de uma federação como um todo, não só porque podem obstaculizar o desempenho de agendas macroeconômicas titularizadas, mas porque trazem em si um perigo moral sempre latente, que é o de absorção das dívidas locais por toda a federação.

As regras impugnadas não implicam excesso, visto que instituídas para conter um quadro de endividamento que era crônico e cujos impactos sobre a harmonia federativa eram bastante relevantes.

Ato contínuo, o Colegiado ainda decidiu pela constitucionalidade do art. 60 da LRF (21). 

O dispositivo prestigia o princípio federativo ao estabelecer que compete ao poder central fixar apenas o limite máximo das operações a que faz referência, cabendo à lei estadual ou municipal definir limites inferiores, conforme suas particularidades.

No que se refere ao art. 9º, § 3º, da LRF (22), o ministro Alexandre de Moraes (relator), votou pela inconstitucionalidade do dispositivo e foi acompanhado pelas ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia, bem como pelos ministros Ricardo Lewandowski e Luiz Fux. 

Com base no princípio da separação de Poderes, reputou que as garantias constitucionais previstas aos Poderes de Estado, e que se aplicam integralmente ao Ministério Público – entre elas a autonomia financeira – são instrumentos para perpetuidade da divisão independente e harmônica dos Poderes de Estado, e, igualmente, defendem a efetividade dos direitos fundamentais e a própria perpetuidade do regime democrático.

Os Poderes de Estado, o Ministério Público e a Defensoria Pública têm autogoverno e autonomia financeira, devendo elaborar suas propostas orçamentárias dentro dos limites estipulados na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Se as propostas orçamentárias forem encaminhadas em desacordo com esses limites, o Poder Executivo procederá aos ajustes necessários para fins de consolidação da proposta orçamentária anual.

Durante a execução orçamentária do exercício, não poderá haver a realização de despesas ou a assunção de obrigações que extrapolem os limites estabelecidos na LDO, exceto se previamente autorizadas, mediante a abertura de créditos suplementares ou especiais.

A análise procedimental do exercício da autonomia financeira dos Poderes Legislativo e Judiciário e do Ministério Público, portanto, é regida pela existência de três leis de natureza orçamentária, que organizam o sistema brasileiro de contas públicas: o Plano Plurianual (PPA), a LDO e a Lei Orçamentária Anual (LOA).

O exercício da plena autonomia financeira pressupõe a participação dos Poderes de Estado, do Ministério Público e da Defensoria Pública na elaboração das propostas.

Entrando em vigor a LOA, a execução orçamentária compete ao Poder Executivo. Porém, em reforço à autonomia financeira dos Poderes Legislativo, Judiciário, do Ministério Público e, mais recentemente, da Defensoria Pública, a CF estabeleceu, em seu art. 168 (23), mecanismo automático e obrigatório de repasse orçamentário na modalidade de duodécimos, cujo desrespeito possibilita a intervenção federal e configura crime de responsabilidade.

Trata-se de norma autoaplicável que impede o exercício discricionário do Poder Executivo na transferência de recursos previstos na LOA aos Poderes Legislativo e Judiciário, ao Ministério Público e à Defensoria Pública.

A execução do orçamento aprovado, entretanto, deve observar os necessários ajustes entre o programado e o efetivamente arrecadado, em respeito ao denominado princípio da flexibilidade.

Dessa maneira, a execução orçamentária deve sempre ser baseada em duas premissas básicas: a) o fiel cumprimento do texto aprovado pelo Poder Legislativo; b) a realização das adequações necessárias em virtude da realidade da receita arrecadada e da despesa realizada durante o exercício financeiro (créditos suplementares e contingenciamento), sem, contudo, efetivar-se verdadeira desnaturalização da peça orçamentária, transformando-a em mera ficção.

Assim, obviamente, a correta execução orçamentária, nos moldes definidos pela LOA, sempre estará sujeita à correspondência entre a previsão e a efetivação de receitas e despesas. Em caso contrário, será necessária a devida flexibilização, mesmo que o montante esteja previsto na dotação legal e incluído no valor da programação financeira. Essa adequação tornou-se impositiva pelo art. 9º da LRF.

Trata-se de autonomia financeira com responsabilidade fiscal. Nesse sentido, a CF sujeita os gestores no âmbito dos Poderes e do Ministério Público a inúmeros controles internos e externos, bem como à responsabilização no âmbito penal, civil e administrativo no caso de descumprimento da LRF.

Especificamente, em relação ao Poder Judiciário e ao Ministério Público, nos termos da EC 45/2004, compete, respectivamente, ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) o controle de suas atuações administrativas e financeiras.

Ressaltou, entretanto, que eventual descumprimento das normas de responsabilidade fiscal pelos gestores judiciários e do Ministério Público permitirá, além da responsabilização civil, penal e por improbidade, também a disciplinar, a partir, inclusive, de encaminhamento pelo próprio chefe do Executivo de representação ao CNJ e CNMP, sem prejuízo das ações judiciais cabíveis e da atuação dos Tribunais de Contas.

A norma do § 3º do referido art. 9º da LRF não guardou pertinência com o modelo de freios e contrapesos fixado constitucionalmente para assegurar o exercício responsável da autonomia financeira por parte dos Poderes Legislativo e Judiciário, bem como do Ministério Público e da Defensoria Pública. Ao estabelecer inconstitucional hierarquização subserviente em relação ao Executivo, permitiu que, unilateralmente, restringisse os valores financeiros segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias no caso daqueles Poderes e instituições não promoverem a limitação no prazo previsto no caput.

Em divergência, os ministros Dias Toffoli (Presidente), Edson Fachin, Roberto Barroso, Gilmar Mendes e Marco Aurélio votaram pela interpretação do art. 9º, § 3º, da LRF conforme a CF, para admitir a limitação orçamentária por parte do Executivo, desde que feita de forma linear (para todos os Poderes, Ministério Público e Defensoria Pública), na proporção dos respectivos orçamentos, com disponibilização de acesso aos dados relativos à arrecadação e à justificativa de sua frustração, para que seja possível realizar a adequação orçamentária dentro desses limites.

Entenderam que o art. 168 da CF consubstancia uma obrigação ao ente que concentra a arrecadação e que faz cumprir, na distribuição das receitas, a LOA. 

Assim, a limitação dos valores financeiros pelo Executivo, na forma do § 3º do art. 9º da LRF deve se dar no limite do orçamento realizado no ente federativo respectivo, observada a exigência de desconto linear e uniforme da receita corrente líquida prevista na LOA, com a possibilidade de arrestos nas contas do ente federativo respectivo no caso de desrespeito à regra do art. 168 da CF.

Consideraram que essa solução impede uma preponderância do Executivo, mas, ao mesmo tempo, evita que seja o único Poder ou ente autônomo a arcar com a total frustração de receita.

No ponto, deliberou-se aguardar o voto de desempate do ministro Celso de Mello.

Prosseguindo no julgamento, o Plenário, por maioria, reputou constitucional o art. 20 da LRF (24), o qual estabelece limites de despesas com pessoal, com previsão de subtetos, escalonados por poder e por órgão constitucionalmente autônomo.

Editou-se uma lei nacional que vale para todos os Poderes no âmbito dos três entes federativos. A definição de um teto de gastos particularizado, conforme os respectivos poderes ou órgãos afetados, não representou uma intromissão nos centros de autonomia financeira dos entes subnacionais, nem em relação aos Poderes de Estado e órgãos autônomos. Ao contrário, consagrou o necessário equacionamento das exigências constitucionais definidas nos arts. 167, X e 169, da CF (25), e no art. 38 do ADCT (26).

Não procede, ademais, o argumento de arbitrariedade ou falta de razoabilidade na definição dos percentuais estabelecidos. Os tetos têm, como parâmetro, a média de gastos, nos últimos cinco anos, de cada um dos Poderes, nos três níveis da Federação, com a previsão de um crescimento, não só vegetativo, como de pessoal.

De igual modo, equivocado o entendimento de que a autonomia do Ministério Público da União (MPU) teria sido afetada pela estipulação de limite diferenciado para gastos com pessoal na esfera do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT).

O dispositivo impugnado garante a plena autonomia financeira do MPDFT sem sobrecarregar o percentual destinado ao MPU. Apesar de o MPDFT constituir um dos ramos do MPU, a CF lhe deu tratamento específico e semelhante aos ministérios públicos estaduais. Ocorre que há peculiaridades do MPDFT que lhe justificam a destinação de um percentual diferenciado. Este, no entanto, é pago pelo governo federal, por ser de responsabilidade da União a manutenção do MPDFT. 

Vencidos os ministros Edson Fachin e Rosa Weber, apenas no tocante à alínea “d” do inciso I do art. 20 do diploma legal. Segundo eles, o MPDFT está abrangido pelo limite de gastos com pessoal do MPU previsto nesse dispositivo.

O Colegiado, também por maioria, julgou procedentes os pedidos formulados no que se refere aos arts. 56, caput, e 57, caput, da lei impugnada (27).

Os dispositivos impugnados se desvirtuam do modelo de controle de contas instituído pela CF. O Tribunal de Contas não se limita a oferecer um parecer prévio, mas julga as contas individuais de cada Poder e do ministério público.

Vencido o ministro Marco Aurélio, que deu interpretação conforme ao caput do art. 56 para conferir o entendimento segundo o qual as contas submetidas ao Congresso são as contas do Executivo e não as contas do Ministério Público, do Poder Judiciário e do Poder Legislativo. O ministro Marco Aurélio ainda julgou improcedentes as ações quanto ao caput do art. 57.

Por outro lado, o Tribunal julgou improcedente a alegada inconstitucionalidade do § 2º do art. 56 da LRF (28), o qual determina que o parecer sobre as contas dos Tribunais de Contas será proferido pela comissão mista permanente ou equivalente das Casas Legislativas estaduais e municipais.

Não há nessa disposição qualquer subtração da competência dos Tribunais de Contas para julgar suas próprias contas.

Após, o Plenário declarou a constitucionalidade do art. 59, caput, e § 1º (29), da lei impugnada.

Considerou que as normas apenas concretizam a previsão contida nos arts. 70, 71, 163 e 169, caput, da CF (30). Trata-se de um mecanismo possível de freios e contrapesos.

A Corte também julgou improcedente a apont

Legislação Aplicável

LC 101/2000 (LRF), art. 4º, "caput", § 2º, II e § 4º, art. 5º, § 6º, art. 7º, "caput", § 2º e § 3º, art. 9º, "caput" e § 3º, art. 11, parágrafo único, art. 12, § 2º, art. 14, II, art. 15, art. 17, § 1º, § 2º, § 3º, § 4º, § 5º, § 6º e § 7º, art. 18, "caput" e § 1º, art. 20, I, "d", e III, art. 21, II, art. 23, § 1º e § 2º, art. 24, art. 26, § 1º, art. 28, § 2º, art. 29, I e § 2º, art. 30, I, art. 35, art. 39, art. 51, art. 56, "caput" e § 2º, art. 57, "caput", art. 59, "caput" e § 1º, art. 60, art. 68, "caput", art. 72; 
MP 1.980/2000, art. 3º, II, art. 4º;
EC 19/1998, art. 30; 
EC 25/2000; 
EC 45/2004; 
ADCT, art. 38; 
CF/1988, art. 21, IX, art. 22, VII, art. 37, XV, art. 70, art. 71, art. 160, art. 163, art. 164, art. 165, § 2º, art. 167, III, VII e X, art. 168, art. 169, "caput" e § 3º, I, art. 174, § 1º, art. 250

Informações Gerais

Número do Processo

24

Tribunal

STF

Data de Julgamento

22/08/2019

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