Supremo Tribunal Federal • 2 julgados • 27 de nov. de 2014
"O art. 384 da CLT, em relação ao período anterior à edição da Lei n. 13.467/2017, foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, aplicando-se a todas as mulheres trabalhadoras." O art. 384 da CLT foi recepcionado pela CF/1988 e se aplica a todas as mulheres trabalhadoras. O art. 384 da CLT [“Em caso de prorrogação do horário normal, será obrigatório um descanso de quinze (15) minutos no mínimo, antes do início do período extraordinário do trabalho”] foi recepcionado pela CF/1988 e se aplica a todas as mulheres trabalhadoras. Essa a conclusão do Plenário que, por maioria, desproveu recurso extraordinário em que discutida a compatibilidade do referido dispositivo com a Constituição vigente, à luz do princípio da isonomia, para fins de pagamento, pela empresa empregadora, de indenização referente ao intervalo de 15 minutos, com adicional de 50% previsto em lei. Preliminarmente, o Colegiado, por decisão majoritária, rejeitou questão de ordem, suscitada pelo Ministro Marco Aurélio, no sentido de não haver quórum para julgamento, tendo em conta se tratar de conflito de norma com a Constituição, e a sessão contar com menos de oito integrantes. No ponto, o Ministro Celso de Mello frisou que não se cuidaria de juízo de constitucionalidade, mas de discussão em torno de direito pré-constitucional. Assim, o juízo da Corte seria positivo ou negativo de recepção. Vencido o suscitante. No mérito, o Colegiado ressaltou que a cláusula geral da igualdade teria sido expressa em todas as Constituições brasileiras, desde 1824. Entretanto, somente com a CF/1934 teria sido destacado, pela primeira vez, o tratamento igualitário entre homens e mulheres. Ocorre que a essa realidade jurídica não teria garantido a plena igualdade entre os sexos no mundo dos fatos. Por isso, a CF/1988 teria explicitado, em três mandamentos, a garantia da igualdade. Assim: a) fixara a cláusula geral de igualdade, ao prescrever que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza; b) estabelecera cláusula específica de igualdade de gênero, ao declarar que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações; e c) excepcionara a possibilidade de tratamento diferenciado, que seria dado nos termos constitucionais. Por sua vez, as situações expressas de tratamento desigual teriam sido dispostas formalmente na própria Constituição, a exemplo dos artigos 7º, XX; e 40, § 1º, III, a e b. Desse modo, a Constituição se utilizara de alguns critérios para o tratamento diferenciado. Em primeiro lugar, considerara a histórica exclusão da mulher do mercado regular de trabalho e impusera ao Estado a obrigação de implantar políticas públicas, administrativas e legislativas de natureza protetora no âmbito do direito do trabalho. Além disso, o texto constitucional reputara existir componente biológico a justificar o tratamento diferenciado, tendo em vista a menor resistência física da mulher. Ademais, levara em conta a existência de componente social, pelo fato de ser comum o acúmulo de atividades pela mulher no lar e no ambiente de trabalho. No caso, o dispositivo legal em comento não retrataria mecanismo de compensação histórica por discriminações socioculturais, mas levara em conta os outros dois critérios (componentes biológico e social). O Plenário assinalou que esses parâmetros constitucionais legitimariam tratamento diferenciado, desde que a norma instituidora ampliasse direitos fundamentais das mulheres e atendesse ao princípio da proporcionalidade na compensação das diferenças. O Colegiado reputou que, ao se analisar o teor da norma discutida, seria possível inferir que ela trataria de forma proporcional de aspectos de evidente desigualdade, ao garantir período mínimo de descanso de 15 minutos antes da jornada extraordinária de trabalho à mulher. Embora, com o tempo, tivesse ocorrido a supressão de alguns dispositivos a cuidar da jornada de trabalho feminina na CLT, o legislador teria mantido a regra do art. 384, a fim de garantir à mulher diferenciada proteção, dada sua identidade biossocial peculiar. Por sua vez, não existiria fundamento sociológico ou comprovação por dados estatísticos a amparar a tese de que essa norma dificultaria ainda mais a inserção da mulher no mercado de trabalho. O discrímen não violaria a universalidade dos direitos do homem, na medida em que o legislador vislumbrara a necessidade de maior proteção a um grupo de trabalhadores, de forma justificada e proporcional. Inexistiria, outrossim, violação da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, recepcionada pela Constituição, que proclamara, inclusive, outros direitos específicos das mulheres: a) nas relações familiares, ao coibir a violência doméstica; e b) no mercado de trabalho, ao proibir a discriminação e garantir proteção especial mediante incentivos específicos. Dessa forma, tanto as disposições constitucionais como as infraconstitucionais não impediriam tratamentos diferenciados, desde que existentes elementos legítimos para o discrímen e que as garantias fossem proporcionais às diferenças existentes entre os gêneros ou, ainda, definidas por conjunturas sociais. Na espécie, não houvera tratamento arbitrário em detrimento do homem. A respeito, o Colegiado anotou outras espécies normativas em que concebida a igualdade não a partir de sua formal acepção, mas como um fim necessário em situações de desigualdade: direitos trabalhistas extensivos aos trabalhadores não incluídos no setor formal; licença maternidade com prazo superior à licença paternidade; prazo menor para a mulher adquirir direito à aposentadoria por tempo de serviço e contribuição; obrigação de partidos políticos reservarem o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo; proteção especial para mulheres vítimas de violência doméstica; entre outras. Além disso, a jurisprudência da Corte entenderia possível, em etapa de concurso público, exigir-se teste físico diferenciado para homens e mulheres quando preenchidos os requisitos da necessidade e da adequação para o discrímen. Não obstante, o Colegiado concluiu que, no futuro, poderia haver efetivas e reais razões fáticas e políticas para a revogação da norma, ou mesmo para ampliação do direito a todos os trabalhadores. O Ministro Gilmar Mendes sublinhou que a Corte só poderia invalidar a discriminação feita pelo legislador se ela fosse arbitrária, o que não seria o caso. O Ministro Celso de Mello frisou que o juízo negativo de recepção do art. 384 da CLT implicaria transgressão ao princípio que veda o retrocesso social, que cuidaria de impedir que os níveis de concretização de prerrogativas inerentes aos direitos sociais, uma vez atingidos, viessem a ser reduzidos ou suprimidos, exceto nas hipóteses em que políticas compensatórias viessem a ser implementadas. A Ministra Cármen Lúcia acrescentou que a Constituição atual teria inovado no sentido de estabelecer um sistema jurídico capaz de possibilitar novos espaços de concretização de direitos que sempre existiram — notadamente o princípio da igualdade. Vencidos os Ministros Luiz Fux e Marco Aurélio, que proviam o recurso, para assentar a não-recepção do art. 384 da CLT pela CF/1988. O Ministro Luiz Fux ponderava que, em atendimento à isonomia, o dispositivo deveria ser aplicável somente em relação às atividades que demandassem esforço físico. O Ministro Marco Aurélio considerava que o preceito trabalhista não seria norma protetiva, mas criaria discriminação injustificada no mercado de trabalho, em detrimento da mulher.
O STF é competente para o julgamento de apelação criminal, na forma do art. 102, I, b, da CF, em virtude da diplomação como membro do Congresso Nacional, de réu condenado em primeira instância. A 1ª Turma, por maioria, proveu apelação para absolver parlamentar, então prefeito municipal, condenado pela prática do crime previsto no art. 1º, XIII, do Decreto-Lei 201/1967 (“Nomear, admitir ou designar servidor, contra expressa disposição de lei”). No caso, o apelante nomeara, em 10.2.2003 e em 3.3.2004, duas pessoas, sucessivamente, para ocupar cargo público comissionado de diretor administrativo e financeiro de fundação municipal, mediante remuneração, em desconformidade com o art. 2º da Lei 4.142/2000 do Município de Joinville/SC. Esse diploma legal determina que o referido cargo seja ocupado pelo diretor de administração e finanças da Companhia de Desenvolvimento Urbano de Joinville - Conurb, sem qualquer remuneração em acréscimo pelo exercício dessa atribuição. A denúncia fora recebida quando o apelante já não mais exercia o mandato de prefeito. Após a condenação, fora interposta apelação, remetida ao STF, em razão da diplomação do apelante como deputado federal. Inicialmente, por maioria, a Turma rejeitou as preliminares suscitadas. Vencido o Ministro Marco Aurélio, que acolhia a preliminar de nulidade da condenação, por reputar exíguo o prazo de 20 dias para oitiva de testemunha por carta precatória. Em seguida, o Colegiado afirmou que o STF seria competente para o julgamento de apelação criminal, na forma do art. 102, I, b, da CF, em virtude da diplomação, como membro do Congresso Nacional, de réu condenado em primeira instância. Frisou que a admissão, pelo Legislativo, da acusação criminal contra o Chefe do Executivo, seria dispensável quando já encerrado o mandato do acusado ao tempo do recebimento da denúncia. O Ministro Luiz Fux (relator) absolveu o réu com base no art. 386, VI, do CPP. Consignou que o erro de direito consistente no desconhecimento da lei seria inescusável, de acordo com o art. 21 do CP. Essa presunção seria evidenciada pelo fato de que a lei seria do conhecimento de todos e pressuposto da vida em sociedade. Rememorou que o erro sobre a ilicitude do fato, se invencível ou escusável, isentaria de pena, nos termos do mesmo dispositivo legal. No que se refere ao erro determinado por terceiro, se quem o cometesse a ele tivesse sido levado por outrem, responderia este pelo fato que seria doloso ou culposo conforme sua conduta. Na espécie, o erro sobre a ilicitude de comportamento (desconhecimento da ilicitude das nomeações) teria sido determinado por terceiros, agentes administrativos, que pelos atos que teriam praticado previamente à assinatura das nomeações ilegais pelo prefeito, teriam induzido o réu em erro. Salientou que a dúvida razoável quanto à ocorrência de erro de ilicitude, reforçada pelas circunstâncias fáticas e pela situação pessoal do autor demonstrada nos autos, conferiria verossimilhança à tese defensiva e não afastada por outros elementos de prova que indicassem a consciência da atuação ilícita. Enfatizou que as manifestações prévias da secretária de administração, do presidente da Conurb e da procuradoria-geral do município teriam induzido o acusado a uma incorreta representação da realidade. Assim, em razão da ausência de indícios de que ele tivesse agido em união de desígnios com esses agentes públicos, ou de que, ao menos, conhecesse os servidores nomeados para favorecê-los, não seria possível comprovar o dolo da prática do crime de responsabilidade contra a administração pública municipal. Ponderou que ele teria descumprido a lei e poderia até ter cometido, no limite, uma improbidade, mas não agira com dolo porque se submetera a três pareceres prévios, sem que os tivesse pedido. A Ministra Rosa Weber absolveu o acusado com base no art. 386, VII, do CPP. Destacou que na hipótese de norma penal em branco, o erro sobre o preceito complementador constituir-se-ia em erro de tipo, conforme se observaria do art. 20 do CP. Registrou que o inciso XIII do art. 1º do Decreto-Lei 201/1967, ao preceituar como criminosa a conduta consistente em nomear, admitir ou designar servidor contra expressa disposição de lei, constituiria preceito penal a exigir complemento, sem o qual não se inferiria com exatidão o conteúdo da proibição. Na hipótese dos autos, o preceito complementador seria a Lei Municipal 4.142/2000, a qual conferiria ao tipo do inciso XIII a exatidão necessária para tornar compreensível o conteúdo da proibição típica. Assim, os elementos constantes do preceito complementador da norma penal em branco seriam, para todos os efeitos, elementos típicos, e a falsa compreensão sobre esses elementos constituiria erro de tipo que excluiria o dolo, nos termos do já mencionado art. 20 do CP. Por sua vez, o Ministro Roberto Barroso concluiu que o fato não consistiria em infração penal e absolveu o apelante com base no art. 386, III, do CPP. Vencido o Ministro Marco Aurélio, que desprovia a apelação. Pontuava que o decreto-lei versaria responsabilidade penal de prefeitos e vereadores. O fato de haver, no âmbito do Executivo, manifestações técnicas-opinativas sobre a possibilidade de prática de certo ato, não eximiria o prefeito da responsabilidade penal. Portanto, reputava inobservado o disposto no inciso XIII do Decreto-Lei 201/1967.