Supremo Tribunal Federal • 6 julgados • 06 de out. de 2016
O Plenário, em conclusão e por maioria, julgou improcedentes pedidos formulados em ações diretas propostas em face de dispositivos da Lei 12.514/2011 que dizem respeito à fixação de anuidades devidas aos conselhos profissionais — v. Informativo 832. Inicialmente, o Colegiado definiu que essas anuidades têm natureza jurídica de contribuições corporativas com caráter tributário. Quanto à alegação de inconstitucionalidade formal, ressaltou a dispensabilidade de lei complementar para a criação de contribuições de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais. Acerca da falta de pertinência temática entre a emenda parlamentar incorporada à medida provisória, que culminou na lei em comento, e o tema das contribuições devidas aos conselhos profissionais em geral, a Corte lembrou entendimento fixado no julgamento da ADI 5.127/DF (DJE de 11-5-2016). Naquela ocasião, o Plenário afirmou ser incompatível com a Constituição apresentar emendas sem pertinência temática com a medida provisória submetida à apreciação do parlamento (“contrabando legislativo”). Entretanto, o Colegiado definiu que essa orientação teria eficácia prospectiva. Assim, a medida provisória em questão não padece de vício de inconstitucionalidade formal, haja vista ter sido editada antes do mencionado precedente. A respeito da constitucionalidade material da lei, o Tribunal teceu considerações acerca do princípio da capacidade contributiva. No ponto, afirmou que a progressividade deve incidir sobre todas as espécies tributárias. Além disso, a funcionalização da tributação para realizar a igualdade é satisfeita por meio do pagamento de tributos na medida da capacidade contributiva do contribuinte, o qual se vincula a um Estado soberano comprometido com a satisfação das necessidades coletivas do povo. Em síntese, a progressividade e a capacidade contributiva são os fundamentos normativos do Sistema Tributário Nacional. Por conseguinte, esses princípios incidem sobre as contribuições sociais de interesse profissional. Finalísticas, se prestam a suprir os cofres dos órgãos representativos das categorias profissionais, com o escopo de financiar as atividades públicas por eles desempenhadas. Assim, o fato gerador das anuidades é a existência de inscrição no conselho respectivo, ainda que por tempo limitado, ao longo do exercício. O Poder Legislativo observou, portanto, a capacidade contributiva dos contribuintes ao instituir o tributo. Em relação às pessoas físicas, estabeleceu razoável correlação entre a desigualdade educacional (níveis técnico e superior) e a provável disparidade de renda. No que tange às pessoas jurídicas, há diferenciação dos valores das anuidades baseada no capital social do contribuinte. Essa medida legislativa garante observância à equidade vertical eventualmente aferida entre os contribuintes. Ainda no que se refere à constitucionalidade material da lei, o Plenário discorreu sobre o princípio da legalidade tributária, haja vista a atribuição da fixação do valor exato das anuidades aos conselhos profissionais, desde que respeitadas as balizas quantitativas da norma. Quanto à atualização monetária do tributo, tem-se matéria passível de tratamento normativo por intermédio de ato infralegal. A respeito da imputação de responsabilidade aos conselhos profissionais de fixarem o valor exato da anuidade, a questão tem outras implicações. Devido à expressa previsão constitucional (CF, art. 150, I), o princípio da legalidade tributária incide nas contribuições sociais de interesse profissional. Pode-se afirmar que esse postulado se apresenta sob as seguintes feições: a) legalidade da Administração Pública; b) reserva de lei; c) estrita legalidade; e d) conformidade da tributação com o fato gerador. Há, ainda, a distinção entre reserva de lei – que condiciona as intervenções onerosas na esfera jurídica individual à existência de lei formal, isto é, emanada do Poder Legislativo – e legalidade estrita tributária, que, por sua vez, é a vedação constitucional dirigida à administração federal, estadual e municipal de instituir ou aumentar tributo sem que haja lei que o autorize. Considerada essa diferença, por um lado, não há ofensa ao princípio da reserva legal, pois o diploma impugnado é lei em sentido formal que disciplina a matéria referente à instituição das contribuições sociais de interesse profissional para os conselhos previstos no art. 3º da Lei 12.514/2011. Por outro lado, o princípio da estrita legalidade tributária exige lei em sentido material e formal para as hipóteses de instituição e majoração de tributos, nos termos do art. 150, I, da CF. No tocante à majoração, considera-se satisfeita a finalidade da referida limitação constitucional ao poder de tributar, uma vez que o “quantum debeatur” da obrigação tributária é limitado ao montante previamente estabelecido por lei. Assim, o requisito da autotributação da sociedade foi observado, ou seja, infere-se que a lei procurou acolher a pretensão de resistência do contribuinte à intervenção estatal desproporcional, em consonância com a Constituição. O diploma legal inova legitimamente o ordenamento jurídico ao instituir tributo com a respectiva regra matriz de incidência tributária, haja vista que a anuidade (tributo) é vinculada à existência de inscrição no conselho (fato gerador), tem valor definido (base de cálculo e critério de atualização monetária) e está vinculada a profissionais e pessoas jurídicas com inscrição no conselho (contribuintes). Desse modo, está suficientemente determinado o mandamento tributário, para fins de observância da legalidade tributária, na hipótese das contribuições profissionais previstas no diploma impugnado. Além disso, é adequada e suficiente a determinação do mandamento tributário na lei impugnada, por meio da fixação de tetos aos critérios materiais das hipóteses de incidência das contribuições profissionais. Vencidos a ministra Rosa Weber, que julgava procedentes os pedidos por inconstitucionalidade formal, e o ministro Marco Aurélio, o qual entendia procedentes as ações por inconstitucionalidade formal e material.
O Plenário, em conclusão e por maioria, julgou procedente ação direta para declarar a inconstitucionalidade da Lei 15.299/2013 do Estado do Ceará, que regulamenta a atividade de “vaquejada”, em que uma dupla de vaqueiros montados em cavalos distintos busca derrubar um touro dentro de uma área demarcada — v. Informativos 794 e 828. Na espécie, o requerente sustentava a ocorrência de exposição dos animais a maus-tratos e crueldade, ao passo que o governador do Estado-membro defendia a constitucionalidade da norma, por versar patrimônio cultural do povo nordestino. Haveria, portanto, conflito de normas constitucionais sobre direitos fundamentais — de um lado, o art. 225, § 1º, VII; de outro, o art. 215. O requerente alegava que o art. 225 da CF consagraria a proteção da fauna e da flora como modo de assegurar o direito ao meio ambiente sadio e equilibrado. Seria, portanto, direito fundamental de terceira geração, fundado na solidariedade, de caráter coletivo ou difuso, dotado de altíssimo teor de humanismo e universalidade. Tal manutenção do ecossistema beneficiaria as gerações do presente e do futuro, visto que o indivíduo é considerado titular do direito e, ao mesmo tempo, destinatário dos deveres de proteção (“direito dever” fundamental). Sustentava que o STF, ao constatar conflito entre normas de direitos fundamentais, ainda que presente a manifestação cultural, conferiria interpretação mais favorável à proteção ao meio ambiente, sobretudo quando verificada situação de inequívoca crueldade contra animais. Tudo isso demonstra preocupação maior com a manutenção, em prol dos cidadãos de hoje e de amanhã, das condições ecologicamente equilibradas para uma vida mais saudável e segura. O Tribunal asseverou ter o autor juntado laudos técnicos comprobatórios das consequências nocivas à saúde dos bovinos, tais como fraturas nas patas, ruptura dos ligamentos e dos vasos sanguíneos, traumatismos e deslocamento da articulação do rabo e até seu arrancamento, das quais resultariam comprometimento da medula espinhal e dos nervos espinhais, dores físicas e sofrimento mental. Ante os dados empíricos evidenciados pelas pesquisas, é indiscutível o tratamento cruel dispensado às espécies animais envolvidas, em descompasso com o preconizado no art. 225, § 1º, VII, da CF. À parte das questões morais relacionadas ao entretenimento à custa do sofrimento dos animais, a crueldade intrínseca à “vaquejada” não permite a prevalência do valor cultural como resultado desejado pelo sistema de direitos fundamentais da Constituição. Portanto, o sentido da expressão “crueldade” constante da parte final do inciso VII do § 1º do art. 225 da CF alcança a tortura e os maus-tratos infligidos aos bovinos durante a prática impugnada, de modo a tornar intolerável a conduta humana autorizada pela norma estadual atacada. Vencidos os ministros Edson Fachin, Gilmar Mendes, Teori Zavascki, Luiz Fux e Dias Toffoli, que julgavam o pedido improcedente.
A Primeira Turma denegou a ordem em “habeas corpus” em que se pretendia trancar ação penal contra paciente acusado da prática de atividade clandestina de telecomunicação por disponibilizar provedor de internet sem fio. A defesa, ao sustentar a insignificância da conduta, ponderava que a atividade desenvolvida teria sido operada abaixo dos parâmetros objetivos estabelecidos pela Lei 9.612/1998. Acrescentava, ainda, que não teria sido realizado, nos autos da ação penal, qualquer tipo de exame técnico pericial que comprovasse a existência de lesão ao serviço de telecomunicações. Porém, para o Colegiado, houve o desenvolvimento de atividade clandestina de telecomunicações, de modo que a tipicidade da conduta está presente no caso. Ademais, o trancamento da ação penal, por meio de “habeas corpus”, seria algo excepcional.
A Segunda Turma denegou ordem em mandado de segurança impetrado contra ato do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) que decretava o não vitaliciamento de membro do Ministério Público do Estado de São Paulo. Na espécie, o impetrante arguia que, nos termos do art. 128, I, “a”, da CF, o promotor de Justiça vitalício somente perderia o cargo por sentença judicial transitada em julgado, a ser proposta, nos termos do art. 38, § 2º, da Lei 8.625/1993, pelo procurador-geral de Justiça, após autorização do Colégio de Procuradores. Defendia, ainda, que já seria detentor da garantia constitucional da vitaliciedade desde 1º-9-2007, data da decisão do Órgão Especial do Colégio de Procuradores de Justiça do Estado de São Paulo, o que conduziria à incompetência do CNMP para deliberar sobre sua exoneração. Para a Segunda Turma, o ato de vitaliciamento — decisão pela permanência de membro em estágio probatório nos quadros da instituição — tem natureza de ato administrativo. Dessa forma, sujeita-se ao controle de legalidade pelo CNMP, por força do art. 130-A, § 2º, II, da CF, que se harmoniza perfeitamente com o disposto no art. 128, § 5º, I, “a”, do texto constitucional. Ademais, a previsão normativa que permite desfazer ato de vitaliciamento apenas por decisão judicial (CF, art. 128, I, “a”) não afasta a possibilidade de o CMNP, a partir da EC 45/2004, analisar, com específica função de controle, a legalidade desse tipo de questão. Salientou, por fim, que a existência de processo penal em andamento, no qual o ora impetrante alega ter agido em legítima defesa, não é prejudicial à análise do “writ”. Quanto a isso, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é pacífica no sentido da independência entre as instâncias cível, penal e administrativa. Não há falar, por conseguinte, em violação ao princípio da presunção de inocência pela aplicação de sanção administrativa por descumprimento de dever funcional fixada em processo disciplinar legitimamente instaurado antes de finalizado o processo penal em que apurados os mesmos fatos.
Compete à Justiça Castrense processar e julgar ação penal destinada à apuração de delito de apropriação de coisa havida acidentalmente [Código Penal Militar (CPM), art. 249], praticado por militar que não esteja mais na ativa. Esse foi o entendimento da Segunda Turma, que indeferiu a ordem em “habeas corpus”. Compete à Justiça Castrense processar e julgar ação penal destinada à apuração de delito de apropriação de coisa havida acidentalmente [Código Penal Militar (CPM), art. 249], praticado por militar que não esteja mais na ativa. Esse foi o entendimento da Segunda Turma, que indeferiu a ordem em “habeas corpus”. Na espécie, o paciente foi denunciado perante a Justiça Militar porque, após seu licenciamento, continuou a receber remuneração da Administração Militar por não ter sido excluído do sistema de folha de pagamento de pessoal do Exército. A Turma reafirmou a jurisprudência consolidada sobre a matéria. Dessa forma, compete à Justiça Castrense o julgamento de crimes militares, assim definidos em lei (CPM, art. 9º, III, “a”), praticados contra as instituições militares, o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar, ainda que cometidos por militar da reserva, ou reformado, ou por agente civil (HC 109544/BA, DJE de 31-8-2011).
A Segunda Turma, por maioria, negou provimento a recurso ordinário em “habeas corpus” no qual se pedia a concessão de indulto, desconsiderando-se o cometimento de falta disciplinar de natureza grave. O pedido teve como base a não homologação judicial de falta grave dentro do período de doze meses anteriores à entrada em vigor do Decreto 8.380/2014, visto que a norma condiciona a concessão do benefício ao não cometimento de falta disciplinar de natureza grave nos doze meses anteriores a sua publicação (Art. 5º “A declaração do indulto e da comutação de penas previstos neste Decreto fica condicionada à inexistência de aplicação de sanção, reconhecida pelo juízo competente, em audiência de justificação, garantido o direito ao contraditório e à ampla defesa, por falta disciplinar de natureza grave, prevista na Lei de Execução Penal, cometida nos doze meses de cumprimento da pena, contados retroativamente à data de publicação deste Decreto”). Na espécie, foi negada a concessão do indulto ao paciente em decorrência do cometimento de falta grave nos doze meses antecedentes à publicação do Decreto 8.380/2014, embora a homologação judicial da falta disciplinar tenha ocorrido em momento posterior. Na impetração, sustentava-se que o art. 5º do referido decreto condicionaria a concessão de indulto à inexistência de falta grave devidamente homologada, nos doze meses anteriores à sua publicação. Para a defesa, a interpretação conferida pelas instâncias inferiores estaria, na verdade, a exigir requisito não previsto no Decreto 8.380/2014 e, a um só tempo, contrariaria a regra da legalidade penal (CF/1988, art. 5º, XXXIX), bem como usurparia a competência discricionária e exclusiva do presidente da República para a concessão de indulto (CF/1988, art. 84, XII). No caso em comento, coube à Turma decidir se, para obstar a concessão do indulto, a sanção por falta grave precisaria de fato ser homologada pela via judicial no prazo de doze meses — contados retroativamente à data de publicação do decreto —, ou se bastaria que a falta grave tivesse sido praticada nesse interstício, ainda que a homologação judicial da sanção ocorresse em momento posterior. O Colegiado deliberou que, não só em face do próprio texto legal, como também de sua “ratio”, é exigível apenas que a falta grave tenha sido cometida no prazo em questão, sendo irrelevante a data de sua homologação judicial. Entendeu, ademais, que o art. 5º do Decreto 8.380/2014 se limita a impor a homologação judicial da sanção por falta grave, não se exigindo que ela tenha sido realizada nos doze meses anteriores à sua publicação. Não bastasse isso, uma vez que se exige a realização de audiência de justificação, assegurados o contraditório e a ampla defesa, não faria sentido que a homologação judicial devesse ocorrer dentro daquele prazo, sob pena de nem sequer haver tempo hábil para a apuração de eventual falta grave praticada em data próxima à publicação do decreto. Vencido o ministro Ricardo Lewandowski, que dava provimento ao recurso por entender que o juízo da execução deveria realizar a audiência de justificação — prevista no art. 5º do Decreto 8.380/2014 — dentro do interstício de doze meses, não se admitindo imputar uma falha do Estado ao paciente, de modo a obstar-lhe a concessão do indulto.