Supremo Tribunal Federal • 7 julgados • 16 de ago. de 2021
É inadmissível a previsão de “controle de qualidade” — a cargo do Poder Executivo — de serviços públicos prestados por órgãos do Poder Judiciário. A possibilidade de um órgão externo exercer atividade de fiscalização das atividades do Poder Judiciário, sob pena de sanções pecuniárias e controle orçamentário, ofende a independência e a autonomia financeira, orçamentária e administrativa do Poder Judiciário, consagradas nos arts. 2º e 99 da Constituição Federal (CF) (1). Ademais, conforme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, são vedadas as ingerências, que não derivem explícita ou implicitamente de regra ou princípio da CF (2), de um Poder na órbita de outro. Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, julgou procedente o pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade dos arts. 2º, IX, 33 e 34 da Lei 11.075/1998 do Estado do Rio Grande do Sul. (1) CF/1988: “Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. (...) Art. 99. Ao Poder Judiciário é assegurada autonomia administrativa e financeira.” (2) Precedentes: ADI 1.905 MC; ADI 3.046; ADI 2.911, ADI 98; ADI 135; e Súmula 649/STF.
É constitucional resolução do Senado Federal que fixa alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) aplicável às operações interestaduais com bens e mercadorias importados do exterior. No inciso II do art. 155 da Constituição Federal (CF) (1), que guia toda a disciplina que se segue em matéria de ICMS, há respaldo à cobrança do referido imposto nas operações interestaduais com bens e mercadorias importados. No texto constitucional, afirma-se expressamente que o ICMS pode ser cobrado “ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior”. Além disso, de acordo com art. 155, § 2º, IV, da CF (2), compete ao Senado Federal, por meio de resolução, o estabelecimento das alíquotas de ICMS aplicáveis às operações e prestações interestaduais. Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, julgou improcedente a ação direta, para reconhecer a constitucionalidade da Resolução 13/2012 do Senado Federal. Vencidos o ministro Edson Fachin (relator) e o ministro Marco Aurélio. (1) CF/1988: “Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (...) II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; (Redação dada pela EC 3/1993)” (2) CF/1988: “Art. 155 (...) § 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (...) IV - resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações e prestações, interestaduais e de exportação;”
“Compete aos municípios legislar sobre a obrigatoriedade de instalação de hidrômetros individuais nos edifícios e condomínios, em razão do preponderante interesse local envolvido.” É constitucional lei municipal que disponha sobre a obrigatoriedade de instalação de hidrômetros individuais em edifícios e condomínios. Isso porque o fornecimento de água é serviço público de interesse predominantemente local (1). Assim, a competência para legislar sobre a matéria é dos municípios [Constituição Federal (CF), art. 30, I e V] (2). Com base nesse entendimento, ao julgar o Tema 849 da repercussão geral, o Plenário deu provimento a recurso extraordinário em que se alegava que o controle de consumo individual de água seria de interesse do município. (1) Precedentes: ADI 2.340 e ADI 4.454. (2) CF/1988: “Art. 30. Compete aos Municípios: I - legislar sobre assuntos de interesse local; (...) V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;”
Não invade a competência da União para o estabelecimento de normas gerais sobre consumo e desporto a autorização e regulamentação, por estado-membro, da venda e do consumo de bebidas alcoólicas em eventos esportivos . Ante a ausência de nitidez do art. 13-A, II, da Lei 10.671/2003 (Estatuto do Torcedor) (2), há espaço de conformação normativa aos demais entes da Federação para, em nome da garantia da integridade física, regulamentar da maneira mais eficiente possível as medidas para evitar atos de violência (3). Essa interpretação decorre da teleologia da norma, que objetiva a redução da violência nas arenas esportivas. Ademais, além de as disposições normativas não atentarem contra a proporcionalidade, no caso analisado, a norma impugnada atende ao disposto no Decreto 6.117/2007, alinhando-se às campanhas para o consumo consciente e responsável e a outras medidas que devem ser tomadas pelos demais entes federados e pelas entidades responsáveis pela organização dos eventos. Com base nesse entendimento, o Plenário, por unanimidade, julgou improcedente o pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada contra a Lei 12.959/2014 do Estado da Bahia. (1) CF/1988: “Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (...) V - produção e consumo; (...) IX - educação, cultura, ensino, desporto, ciência, tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e inovação;” (2) Lei 10.671/2003: “Art. 13-A. São condições de acesso e permanência do torcedor no recinto esportivo, sem prejuízo de outras condições previstas em lei: (...) II - não portar objetos, bebidas ou substâncias proibidas ou suscetíveis de gerar ou possibilitar a prática de atos de violência;” (3) Precedentes: ADI 5.250, ADI 6.195, e ADI 6.193.
Os estados-membros, no exercício de suas autonomias, podem adotar o modelo federal previsto no art. 81, § 1º, da Constituição, cuja reprodução, contudo, não é obrigatória. Os estados-membros não estão sujeitos ao modelo consubstanciado no art. 81 da Constituição Federal (CF) (1), abrindo-se, desse modo, a possibilidade de disporem normativamente, com fundamento em seu poder de autônoma deliberação, de maneira diversa (2). No caso de dupla vacância, faculta-se aos estados-membros, ao Distrito Federal e aos municípios a definição legislativa do procedimento de escolha do mandatário político. Isso porque essa prerrogativa não se confunde com a competência privativa da União para legislar sobre direito eleitoral [art. 22, I, da CF (3)], apesar da indiscutível natureza eleitoral do procedimento de escolha do mandatário político, cujos procedimentos devem observar, tanto quanto possível, os requisitos de elegibilidade e as causas de inelegibilidade em relação aos candidatos, dentre outras regras previstas na legislação eleitoral. No caso de realização de eleição indireta, a previsão normativa estadual de votação nominal e aberta é compatível com a CF. Por tratarem-se de votações ocorridas no âmbito de órgãos legislativos, o dever de transparência se sobrepõe ao sigilo do ato deliberativo. A publicidade é a regra, sendo colocada como direito e ferramenta de controle social do Poder Público. Com base nesses entendimentos, o Plenário julgou improcedente o pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade. (1) CF: “Art. 81. Vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga. § 1º Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei.” (2) Precedente citado: ADI 4.298 (3) CF: “Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;”
Não se admite controle concentrado de constitucionalidade de leis ou atos normativos municipais em face da lei orgânica respectiva. Com efeito, não é possível extrair, da literalidade do art. 125, § 2°, da Constituição Federal, o cabimento de controle concentrado de constitucionalidade de leis ou atos normativos municipais contra a lei orgânica respectiva (1). Não compete ao Poder Legislativo, de qualquer das esferas federativas, suspender a eficácia de lei ou ato normativo declarado inconstitucional em controle concentrado de constitucionalidade. As decisões tomadas em controle concentrado já são dotadas de eficácia erga omnes. Desse modo, a atuação do Poder Legislativo só se justifica no âmbito do controle difuso — de modo a expandir a todos os efeitos de decisão dotada originalmente com eficácia “entre as partes” (2). Com base nesses entendimentos, o Plenário julgou procedente o pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade da expressão “ou de lei ou ato normativo municipal em face da Lei Orgânica respectiva” do art. 61, I, l, assim como do § 3° do art. 63 da Constituição do Estado de Pernambuco.
Os conselhos seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) possuem legitimidade para ingressar com reclamação perante o Supremo Tribunal Federal (STF) em defesa dos interesses concretos e das prerrogativas de seus associados, nos termos da expressa previsão legal. A Lei 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia) confere ampla legitimidade à OAB para atuar em defesa da ordem jurídica, do Estado Democrático de Direito e de todos os advogados integrantes dos seus quadros, conforme se observa do art. 44, I e II, do art. 49, parágrafo único, e do art. 54, II e III, c/c o art. 57 (1). Essas normas estão em consonância com a qualificação de função essencial à justiça atribuída à advocacia pelo art. 133 da Constituição Federal (CF) (2), bem assim com o papel da OAB, com ampla capacidade postulatória, conforme reconhecido pela jurisprudência do STF (3). Diante de flagrante ilegalidade, é possível a concessão de “habeas corpus” de ofício em sede de reclamação constitucional, nos termos do art. 193, II, do Regimento Interno do STF (RISTF) (4) e do art. 654, § 2º, do Código de Processo Penal (CPP) (5). Impende registrar a relevância do tema em discussão — notadamente por se relacionar às funções e prerrogativas da advocacia no âmbito do sistema de justiça criminal e do Estado Democrático de Direito — e a necessidade de se promover o devido controle de todas as ilegalidades praticadas, no caso concreto, pelo magistrado da Vara Federal, ora reclamado. Apesar de não ter sido demonstrada, pelos conselhos reclamantes, a usurpação de competência do STF, foram constatadas ilegalidades flagrantes concernentes à competência do juízo reclamado e à decretação de medidas de busca e apreensão em desfavor de advogados. Compete à Justiça estadual processar e julgar fatos envolvendo entidades integrantes do denominado “Sistema S”. As entidades do “Sistema S” (Sesc, Senac, Sebrae) são pessoas jurídicas de direito privado dotadas de recursos próprios, definitivamente incorporados aos seus patrimônios, ainda que com base em contribuições parafiscais pagas pelos contribuintes e a elas repassadas imediatamente pela Receita Federal. Portanto, mesmo que esses recursos sejam fiscalizados pelo Tribunal de Contas da União, não se trata de recursos que integram os bens ou o patrimônio da União. Ressalta-se que, para fins de subsunção à regra prevista no art. 109, IV, da CF (6), o interesse da União precisa ser direto e específico, não sendo suficiente o interesse genérico da coletividade. Além de violar prerrogativas da advocacia, a deflagração de amplas, inespecíficas e desarrazoadas medidas de busca e apreensão em desfavor de advogados pode evidenciar a prática de “fishing expedition”. A jurisprudência do STF confere interpretação estrita e rígida às normas que possibilitam a realização de busca e apreensão, em especial quando direcionadas a advogados no exercício de sua profissão. Na situação em apreço, não foram observados os requisitos legais nem as prerrogativas da advocacia, com ampla deflagração de medidas que objetivaram “pescar” provas contra os advogados denunciados e possíveis novos investigados. Ressalta-se que, ao deferir a busca e apreensão, a autoridade reclamada não demonstrou a imprescindibilidade em concreto da medida para o processamento dos fatos. Extrai-se do art. 394 e seguintes do CPP que a produção probatória após o oferecimento da denúncia deve ocorrer em juízo, com as garantias do contraditório e da ampla defesa. Na espécie, a medida de investigação prévia foi executada depois de ser formalizada a denúncia contra os advogados, em evidente inversão processual. Com efeito, a ampla realização de medidas de busca e apreensão depois da formalização da denúncia, que pressupõe a colheita de um lastro probatório mínimo e o encerramento da fase investigatória, indica o objetivo de expandir a acusação, em indevida prática de fishing probatório. Com base nesses e em outros entendimentos, a Segunda Turma, por maioria, conheceu da reclamação e, no mérito, por unanimidade, julgou-a improcedente. Na sequência, em votação majoritária, o colegiado concedeu ordem de habeas corpus, de ofício, para decretar a incompetência absoluta da Justiça Federal, determinar a nulidade de todos os atos decisórios proferidos pelo juízo da 7ª Vara da Seção Judiciária do Rio de Janeiro e remeter os autos à Justiça comum do estado do Rio de Janeiro, a quem competirá processar, julgar o feito e aferir eventuais especificidades quanto à remessa de parte da investigação à Justiça Federal do Distrito Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça, nos termos do voto do ministro Gilmar Mendes (relator). Ficou vencido o ministro Edson Fachin. (1) Lei 8.906/1994: “Art. 44. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade: I – defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas; II – promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil.(...) Art. 49. Os Presidentes dos Conselhos e das Subseções da OAB têm legitimidade para agir, judicial e extrajudicialmente, contra qualquer pessoa que infringir as disposições ou os fins desta lei. Parágrafo único. As autoridades mencionadas no caput deste artigo têm, ainda, legitimidade para intervir, inclusive como assistentes, nos inquéritos e processos em que sejam indiciados, acusados ou ofendidos os inscritos na OAB. (...) Art. 54. Compete ao Conselho Federal: (...) II – representar, em juízo ou fora dele, os interesses coletivos ou individuais dos advogados; III – velar pela dignidade, independência, prerrogativas e valorização da advocacia; (...) Art. 57. O Conselho Seccional exerce e observa, no respectivo território, as competências, vedações e funções atribuídas ao Conselho Federal, no que couber e no âmbito de sua competência material e territorial, e as normas gerais estabelecidas nesta lei, no regulamento geral, no Código de Ética e Disciplina, e nos Provimentos.” (2) CF: “Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.” (3) Precedente: ADI 3. (4) RISTF: “Art. 193. O Tribunal poderá, de ofício: (...) II – expedir ordem de habeas corpus quando, no curso de qualquer processo, verificar que alguém sofre ou se acha ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.” (5) CPP: “Art. 654. O habeas corpus poderá ser impetrado por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem, bem como pelo Ministério Público. (...) § 2º Os juízes e os tribunais têm competência para expedir de ofício ordem de habeas corpus, quando no curso de processo verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal.” (6) CF: “Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: (...) IV – os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;”