Supremo Tribunal Federal • 6 julgados • 26 de nov. de 2024
“A presença de símbolos religiosos em prédios públicos, pertencentes a qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, desde que tenha o objetivo de manifestar a tradição cultural da sociedade brasileira, não viola os princípios da não discriminação, da laicidade estatal e da impessoalidade.” É compatível com a Constituição Federal de 1988 — e não ofende a proibição de discriminação (CF/1988, arts. 3º, IV, e 5º, caput), o postulado da laicidade estatal (CF/1988, art. 19, I) e o princípio da impessoalidade na Administração Pública (CF/1988, art. 37, caput) — a presença de símbolos religiosos em espaços públicos, pertencentes ao Estado, nas hipóteses em que se busca representar tradição cultural da sociedade brasileira. A lealdade aos valores e princípios democráticos defendidos pelo texto constitucional ensejam a identificação e o compromisso com os ideais de igualdade, liberdade e justiça nele contidos, independentemente de diferenças culturais ou religiosas. Muitas expressões que, originariamente, continham natureza intrinsecamente religiosa, transcendem o espaço divino para se fundirem ou se transformarem em exteriorização da história cultural de um povo. Assim, uma vez considerado que a cultura e a tradição também se manifestam por símbolos religiosos, deve-se reconhecer o marcante aspecto histórico-cultural presente na construção da sociedade brasileira. Ademais, a controvérsia em debate se distingue daquela versada em precedentes nos quais a presença de símbolos religiosos em espaços públicos se deu por determinação legal, ou seja, em que a vontade do Estado se manifestou de forma impositiva e generalizada a partir de lei em sentido formal (1). Nesse contexto, a presença de símbolos religiosos (i) não retira a legitimidade da ação do administrador público ou da convicção do julgador; (ii) não impõe concepções filosóficas ao cidadão nem o constrange a renunciar à fé ou lhe retira a faculdade de autodeterminação e de percepção mítico-simbólica; bem como (iii) não fere a liberdade de ter, não ter ou deixar de ter uma religião. Na espécie, o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública com o objetivo de retirar todos os símbolos religiosos — especialmente crucifixos e imagens cristãs — dos locais proeminentes, de ampla visibilidade e de atendimento ao público nos prédios públicos da União situados no Estado de São Paulo, sob a alegação de serem ofensivos ao caráter laico do Estado brasileiro. Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por unanimidade, ao apreciar o Tema 1.086 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário e fixou a tese anteriormente citada. (1) Precedentes citados: ADI 5.256, ADI 5.257 e ADI 5.258.
“A compensação dos débitos da Fazenda Pública inscritos em precatórios, prevista nos §§ 9º e 10 do art. 100 da Constituição Federal, incluídos pela EC nº 62/09, viola frontalmente o texto constitucional, pois obsta a efetividade da jurisdição (CRFB/88, art. 5º, XXXV), desrespeita a coisa julgada material (CRFB/88, art. 5º, XXXVI), vulnera a Separação dos Poderes (CRFB/88, art. 2º) e ofende a isonomia entre o Poder Público e o particular (CRFB/88, art. 5º, caput).” É inconstitucional — na medida em que configura desobediência à efetividade da jurisdição, à coisa julgada material, à separação dos Poderes e à isonomia entre o poder público e o particular, regra fundamental do Estado Democrático de Direito (CF/1988, arts. 1º, caput, 2º, 5º, caput, XXXV e XXXVI) — a compensação de débitos da Fazenda Pública inscritos em precatórios estabelecida pelos parágrafos 9º e 10 do art. 100 da CF/1988. Esta Corte já assentou a inconstitucionalidade dessa sistemática de compensação unilateral de débitos líquidos e certos, inscritos ou não em dívida ativa, e constituídos contra o credor original dos precatórios em proveito exclusivo da Fazenda Pública (1). Ademais, essa compensação se mostra irrazoável, pois o fator discriminatório (natureza pública ou privada do credor/devedor) não mantém qualquer relação com o tratamento jurídico dispensado às partes (possibilidade ou não da compensação do crédito/débito) (2). Se o custo do ajuizamento de execuções fiscais pela Fazenda Pública é elevado e pode ser evitado pela sistemática da compensação, o desembolso para demandar contra o Estado também é elevado, seja para o indivíduo litigante, seja para a sociedade em geral, que arca com todos os custos (financeiros ou não) da multiplicidade de processos judiciais. Nesse contexto, a medida, que deveria valer para devedores públicos e privados, acaba por representar autêntico privilégio odioso. Como base nesses entendimentos, o Plenário, por unanimidade, ao apreciar o Tema 558 da repercussão geral, (i) negou provimento ao recurso extraordinário para manter integralmente o acórdão recorrido, que vedou a substituição de penhora pretendida pela União; e (ii) fixou a tese anteriormente citada. (1) Precedentes citados: ADI 4.357, ADI 4.425, ADI 7.064 e RE 657.686 (Tema 511 RG). (2) CF/1988: “Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim. § 9º No momento da expedição dos precatórios, independentemente de regulamentação, deles deverá ser abatido, a título de compensação, valor correspondente aos débitos líquidos e certos, inscritos ou não em dívida ativa e constituídos contra o credor original pela Fazenda Pública devedora, incluídas parcelas vincendas de parcelamentos, ressalvados aqueles cuja execução esteja suspensa em virtude de contestação administrativa ou judicial. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009). § 9º Sem que haja interrupção no pagamento do precatório e mediante comunicação da Fazenda Pública ao Tribunal, o valor correspondente aos eventuais débitos inscritos em dívida ativa contra o credor do requisitório e seus substituídos deverá ser depositado à conta do juízo responsável pela ação de cobrança, que decidirá pelo seu destino definitivo. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 113, de 2021) § 10. Antes da expedição dos precatórios, o Tribunal solicitará à Fazenda Pública devedora, para resposta em até 30 (trinta) dias, sob pena de perda do direito de abatimento, informação sobre os débitos que preencham as condições estabelecidas no § 9º, para os fins nele previstos.”
1. É vedada a expedição de precatórios complementares ou suplementares de valor pago, salvo nas hipóteses de erro material, inexatidão aritmética ou substituição de índices aplicáveis por força de alteração normativa; 2. A verificação de enquadramento nas hipóteses admitidas de complementação ou suplementação de precatório pressupõe o reexame de matéria fático-probatória. É constitucional a expedição de precatórios complementares ou suplementares de valor pago somente nos casos de erro material, inexatidão aritmética ou substituição de índices aplicáveis por força de alteração normativa. A expressa vedação constitucional quanto à expedição de precatórios complementares ou suplementares (CF/1988, art. 100, § 8º) não alcança as hipóteses acima citadas (1). Contudo, em uma situação concreta, a análise do enquadramento da complementação ou da suplementação de precatório nas hipóteses admitidas pela jurisprudência exige o reexame de matéria fático-probatória, o que é vedado na via extraordinária, nos termos da Súmula nº 279/STF (2). Na espécie, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo rejeitou a impugnação estatal para assentar a desnecessidade de expedição de novo precatório para pagamento do saldo remanescente apurado, que decorreu de equívoco no critério de atualização monetária aplicado (TR ao invés do IPCA-e, devidamente atualizado por todo o período antes da EC nº 113/2021). Com base nesses entendimentos, o Plenário, por unanimidade, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada (Tema 1.360 da repercussão geral), bem como (i) reafirmou a jurisprudência dominante sobre a matéria (3) para negar provimento ao recurso extraordinário, mantendo-se integralmente o acórdão recorrido; e (ii) fixou a tese anteriormente citada. (1) CF/1988: “Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim. (...) § 8º É vedada a expedição de precatórios complementares ou suplementares de valor pago, bem como o fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução para fins de enquadramento de parcela do total ao que dispõe o § 3º deste artigo.” (2) Precedentes citados: ARE 1.173.203 AgR, ARE 1.168.696 AgR, ARE 1.418.196 (decisão monocrática), e ARE 1.491.581 (decisão monocrática). (3) Precedentes citados: ADI 1.098, ADI 2.924, RE 985.103 AgR, RE 1.065.437 AgR, RE 1.068.042 (decisão monocrática) e ARE 722.803 AgR.
São inconstitucionais — por configurar restrição desproporcional e incompatível com o art. 37, V, da Constituição Federal de 1988 — as normas que elencam a estabilidade como requisito para que o servidor integre determinada carreira ou ocupe cargos de direção ou funções gratificadas. Na espécie, os dispositivos impugnados limitam o pertencimento à carreira de agente de segurança viária ao servidor efetivo estável, bem como reservam cargos de direção superior e funções gratificadas, no âmbito do Detran, aos servidores de carreira estáveis. Ocorre que a participação em determinada carreira decorre da ocupação de cargo de provimento efetivo, acessível a todos que satisfaçam as exigências previstas em lei e que sejam previamente aprovados em concurso público (CF/1988, art. 37, I e II). Desse modo, a referida limitação é incompatível com o instituto da estabilidade, cuja aquisição não é pressuposto para que o servidor faça parte da carreira, mas para que goze de determinadas garantias em relação aos não estáveis. Ademais, conforme jurisprudência desta Corte, a criação de cargos em comissão é exceção à regra constitucional do concurso público e somente se justifica para o exercício de atividades gerenciais e de assessoramento, desde que observadas a proporcionalidade e a razoabilidade na reserva dos cargos em comissão ao quadro de servidores de carreira (1). Assim, permite-se que todos os servidores de carreira ocupem cargos comissionados, de modo que o preenchimento por servidor de provimento efetivo não se restringe ao estável, pois basta a sua efetividade. Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por unanimidade, julgou parcialmente procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade formal do art. 143, § 6º, e material do vocábulo “estável”, contido no art. 143, §§ 4º e 6º, todos da Constituição do Estado de Rondônia (2), incluídos pela EC estadual nº 141/2020. (1) Precedentes citados: ADI 4.867, ADI 5.542, ADI 3.233, RE 1.041.210 (Tema 1.010 RG) e ADO 44. (2) Constituição do Estado de Rondônia: “Art. 143. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: (...) § 4° Agente de segurança viária é todo aquele(a) servidor(a) de carreira estável vinculado a órgão executivo de trânsito, pertencente ao Estado e aos municípios.(...) § 6° Os Cargos de Direção Superior e Funções Gratificadas serão privativos de servidores do Departamento Estadual de Trânsito – DETRAN de carreira estável.”
O trânsito em julgado de decisão de mérito com previsão de índice específico de juros ou de correção monetária não impede a incidência de legislação ou entendimento jurisprudencial do STF supervenientes, nos termos do Tema 1.170/RG. Parâmetros ulteriores de correção monetária para atualização de débito da Fazenda Pública devem ser observados ainda que o título executivo tenha transitado em julgado com a imposição de índice diverso. Conforme jurisprudência desta Corte, o trânsito em julgado de decisão de mérito, mesmo que fixado índice específico para juros moratórios, não obsta a incidência de legislação ou de entendimento jurisprudencial do STF posteriores (1). Ademais, não há ofensa à coisa julgada (CF/1988, art. 5º, XXXVI) na aplicação de índice de correção monetária para adequar os critérios de atualização de débito da Fazenda Pública (2). Na espécie, o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina determinou a incidência do IPCA-e para atualizar débito do erário, na forma definida pelo Tema 810 da repercussão geral, apesar de o título executivo judicial fixar índice diferente. Com base nesses entendimentos, o Plenário, por unanimidade, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada (Tema 1.361 da repercussão geral), bem como (i) reafirmou a jurisprudência dominante sobre a matéria (3) para negar provimento ao recurso extraordinário; e (ii) fixou a tese anteriormente citada. (1) Precedente citado: RE 1.317.982 (Tema 1.170 RG). (2) Precedente citado: RE 870.947 (Tema 810 RG). (3) Precedentes citados: RE 1.398.757 AgR, RE 1.498.370 AgR, RE 1.458.348 AgR, RE 1.410.334 AgR, RE 1.484.487 AgR, ARE 1.485.003 (decisão monocrática), RE 1.514.929 (decisão monocrática), RE 1.506.240 (decisão monocrática) e RE 1.498.686 (decisão monocrática).
É inconstitucional — a teor do disposto no art. 37, caput e inciso XIII, da Constituição Federal — norma estadual que institui gratificação em benefício de seguimento do serviço de segurança pública com base em atividade sem pertinência com as atribuições do respectivo cargo público ou que vincule a referida gratificação ao vencimento-base de categoria profissional diversa. O texto constitucional atribui às polícias civis as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares (CF/1988, art. 144, IV e ¬§ 4º). Não há menção, para essa categoria profissional, da atribuição própria dos agentes penitenciários, que envolve a guarda e vigilância de presos em cadeias públicas e estabelecimentos prisionais (CF/1988, art. 144, VI e § 5º-A) (1). Na espécie, a norma estadual impugnada incorreu em flagrante desvio de função ao instituir gratificação em benefício dos investigadores e agentes vinculados à polícia civil pelo exercício da atividade própria dos policiais penais, pela guarda de pessoas privadas de liberdade nas cadeias públicas e nos estabelecimentos que compõem o sistema penitenciário (2). Ademais, a jurisprudência desta Corte (3) veda a vinculação remuneratória entre cargos públicos cujas atribuições sejam distintas, de modo que qualquer reajuste no valor de um resulte, automaticamente, aumento no de outro (CF/1988, art. 37, XIII). Na espécie, a gratificação estabelece relação entre os cargos de agente penitenciário (vinculado à Secretaria da Justiça) e o de auxiliar de serviço de laboratório (integrante do quadro da polícia civil), circunstância que implica aumento remuneratório automático. Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por unanimidade, julgou procedente a ação para (i) declarar a inconstitucionalidade do art. 3º da Lei nº 6.747/ 2001 do Estado do Espírito Santo (4); e (ii) modular os efeitos da decisão para (a) ressalvar, até a publicação da ata deste julgamento, todos os atos praticados com base na norma, inclusive as gratificações concedidas; e (b) afastar o dever de restituição aos cofres públicos dos valores recebidos de boa-fé.