Supremo Tribunal Federal • 11 julgados • 07 de ago. de 2003
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Por aparente ofensa ao princípio da reserva de lei complementar federal para disciplinar a participação da União, dos Estados e dos municípios no financiamento do Sistema Único de Saúde, o Tribunal deferiu o pedido de medida cautelar formulado em ação direta ajuizada pelo Governador do Estado de Rondônia, para suspender, até julgamento final da ação, a eficácia da Lei Complementar estadual n. 274/2002, que estabelece o percentual e o critério de rateio dos recursos destinados aos municípios em relação aos recursos mínimos que o Estado deve aplicar nas ações e serviços públicos de saúde (CF, art. 198, § 3º: "Lei complementar, que será reavaliada pelo menos a cada cinco anos, estabelecerá: I - os percentuais de que trata o § 2º; II - os critérios de rateio dos recursos da União vinculados à saúde destinados aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios ...).
Considerando que o direito ao reconhecimento do estado de filiação tem conteúdo indisponível, revelando questão de ordem pública, o Tribunal, assentando a compatibilidade da defesa desse direito com as finalidades institucionais do Ministério Público na proteção do interesse social e individual indisponível (CF, arts. 127 e 129, IX), e, tendo em conta, ainda, o fato de que a natureza personalíssima do direito em causa, no caso concreto, restou resguardada pela iniciativa materna, por maioria, conheceu e deu provimento a recurso extraordinário, para reformar acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que negara legitimidade ao Parquet estadual para promover ação de investigação de paternidade. Entendeu-se que o direito à filiação, que se insere na proteção constitucional conferida à entidade familiar e à criança, apesar de guardar natureza de direito pessoal, caracteriza-se como direito público, justificando, assim, a capacidade postulatória do Ministério Público para a ação de investigação de paternidade, no caso concreto, ante a provocação pela parte interessada. O Min. Maurício Corrêa afastou, no caso, também, a alegação de ofensa ao direito à intimidade, uma vez que tal direito encontra limite no próprio direito da criança e do Estado em ver reconhecida a paternidade, bem como a alegação de inconstitucionalidade do § 4º do art. 2º da Lei 8.560/92. Salientou-se, ademais, na espécie, a ausência de defensoria pública instalada no Estado de São Paulo e o fato de que houve recusa da seccional da OAB para o patrocínio da causa. O Min. Sepúlveda Pertence também conheceu e deu provimento ao recurso extraordinário, mas por fundamento diverso, qual seja, por entender legítima a atuação do Ministério Público até que se viabilize a implementação da defensoria pública em cada Estado, nos termos do parágrafo único do art. 134 da CF. Vencido o Min. Marco Aurélio, que também conhecia do recurso, mas o desprovia.
O Tribunal, julgando pedido de habeas corpus impetrado contra a prisão do paciente para fins de extradição, deferiu-o, ante a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva do crime perante a legislação brasileira, uma vez que a ordem judicial de prisão - causa de interrupção da prescrição no direito uruguaio - não é fato interruptivo da prescrição no direito brasileiro. Salientou-se, que, apesar de o Tratado firmado entre Brasil e Uruguai impedir a extradição somente quando o crime prescrever perante a lei do Estado requerente, aplica-se na espécie o Estatuto dos Estrangeiros, por ser lei posterior mais benéfica. Ressaltou-se, ainda, o fato de que, decorridos mais de noventa dias da prisão preventiva, não houve formalização do pedido de extradição pelo Estado requerente (Lei 6.815/80, art. 77: "Não se concederá a extradição quando: ... VI - estiver extinta a punibilidade pela prescrição, segundo a lei brasileira ou a do Estado requerente"). Precedentes citados: HC 60.802-BA (RTJ 107/150), HC 72.419-SP (DJU de 27.10.95) e HC 80.828-SP (DJU de 31.8.2001).
Tendo em conta a aplicação analógica ao processo penal da regra contida no art. 87 do CPC, o Tribunal, por maioria, negou provimento a recurso em habeas corpus no qual se sustentava a incompetência territorial da Vara Criminal de Magé/RJ para julgamento da ação penal proposta contra o paciente, pela instalação posterior de vara regional no local onde ocorrera o delito, Município de Piabetá/RJ. Ressaltou-se, na espécie, a inocorrência das três hipóteses previstas no art. 87 que afastariam a determinação da competência pelo momento da propositura da ação. O Min. Joaquim Barbosa, por sua vez, salientou, ainda, em seu voto, que a aplicação do referido artigo deve ser vista como uma norma de prudência, que visa a preservar o princípio do juiz natural, sendo acompanhado, no ponto, pelo Min. Nelson Jobim. Vencidos os Ministros Marco Aurélio, relator, Carlos Britto e Sepúlveda Pertence, que davam provimento ao recurso para assentar a competência da Vara Regional de Piabetá, por entenderem prevalecer a regra geral contida no art. 70 do CPP, segundo a qual a competência se define pelo local do cometimento do delito, que seria o juízo natural da causa. (CPC, art. 87: "Determina-se a competência no momento em que a ação é proposta. São irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem o órgão judiciário ou alterarem a competência em razão da matéria ou da hierarquia"). Precedentes citados: HC 83.008-RJ (DJU de 27.6.2003); RHC 58.468-DF (DJU de 12.12.80).
Concluído o julgamento de uma série de recursos extraordinários interpostos contra acórdãos do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, fundados no princípio do direito adquirido, reconheceram a servidores públicos do Município de São Paulo o direito ao reajuste de seus vencimentos no mês de fevereiro de 1995 pelas Leis 10.688/88 e 10.722/90, afastando a aplicação do novo critério determinado pela Lei 11.722/95, publicada em 14/2/95 (v. Informativos 227 e 304). O Tribunal, por maioria, acompanhou o voto do Min. Sepúlveda Pertence, relator, que, conhecendo, mas negando provimento aos recursos, manteve os acórdãos recorridos por entender que a garantia da irredutibilidade de vencimentos, modalidade qualificada de direito adquirido, assegura prospectivamente o valor nominal alcançado segundo a sistemática de reajuste antiga, uma vez que já iniciado o mês de fevereiro quando publicada a nova Lei. O Min. Marco Aurélio, por sua vez, embora reconhecendo a irredutibilidade de vencimentos como modalidade qualificada de direito adquirido, também conheceu e deu provimento aos recursos, mas por fundamento diverso, qual seja, por entender estarem os acórdãos recorridos em consonância com a CF, já que a Lei nova modificara o sistema quando já em curso o mês de fevereiro, tendo os servidores adquirido o direito ao reajuste na forma da legislação revogada. Vencido o Min. Moreira Alves, que afastara a possibilidade de conhecimento do recurso extraordinário interposto pela alínea a, por fundamento diverso (irredutibilidade de vencimentos) daquele deduzido no acórdão recorrido (existência de direito adquirido), deixando, ainda, de reconhecer a irredutibilidade de vencimento como modalidade de direito adquirido. No mesmo julgamento acima mencionado, discutiu-se sobre a possibilidade do conhecimento de recurso extraordinário pela alínea a, ainda que por fundamento diverso daquele pelo qual se embasara o acórdão recorrido - no caso o art. 37, XV, da CF/88 - por não estar o STF vinculado à fundamentação invocada no recurso extraordinário, inclusive ante a sua função precípua de guarda da Constituição. O Min. Carlos Velloso, no ponto, ressalvou em seu voto que o caso concreto admitiu o conhecimento do recurso por fundamento diverso somente porque a garantia da irredutibilidade é modalidade de direito adquirido, ou seja, seria necessária a adequação do fundamento novo ao fundamento invocado no acórdão. O Min. Marco Aurélio, por sua vez, entendeu ser indispensável para o conhecimento do recurso a invocação do permissivo constitucional tido como violado, bem como a adoção de tese explícita a respeito no acórdão recorrido. De outra parte, ressaltou-se, também, que a possibilidade de confirmação de um julgamento por fundamento constitucional diverso não implica a dispensa do requisito do prequestionamento, pela aplicação do brocardo "iura novit curia" em sede de recurso extraordinário, nem a existência de decisão recorrida impugnada. Ainda na mesma assentada, estabeleceu-se a mudança na praxe de julgamento do recurso extraordinário interposto pela alínea a, a fim de adotar-se a metodologia segundo a qual o juízo de admissibilidade preceda e condicione o exame do juízo de mérito da causa. Assim, no caso concreto, o recurso foi conhecido pela alegação de ofensa à CF, mas desprovido, já que a decisão recorrida está em harmonia com a Constituição. O Min. Gilmar Mendes, no ponto, entendeu dispensável avançar sobre a questão relativa à mudança da técnica, por ser irrelevante no caso concreto.
A Turma, por maioria, indeferiu habeas corpus no qual se sustentava a nulidade do processo penal instaurado contra o paciente sob a alegação de ausência de motivação do ato pelo qual a juíza, que presidira a instrução penal até a conclusão para sentença, declarara o seu impedimento para a causa. Entendeu-se que a declaração de impedimento, no caso, consistira em suspeição por motivos íntimos, a qual, por aplicação analógica do parágrafo único do art. 135 do CPC, dispensa motivação. Salientou-se, ainda, o fato de que a afirmação da ocorrência de suspeição, em determinado momento processual, não implica a conclusão de que a sua causa preexistisse à declaração, de modo a invalidar os atos processuais anteriores. Vencido o Min. Marco Aurélio que, estabelecendo como premissa a não-recepção, no ponto, do CPC pela CF/88, haja vista a exigência constitucional de fundamentação para qualquer decisão judicial, deferia o habeas corpus por entender que o CPP compele o magistrado, na forma do disposto no seu art. 97, a lançar por escrito a razão da suspeição, bem como a declarar o motivo legal, cujo rol consta do art. 254 do mesmo Código. Vencido também o Min. Carlos Britto, apenas pelo fundamento do art. 97 do CPP.
Por ofensa ao Verbete 453 da Súmula do STF ("Não se aplicam à segunda instância o art. 384 e parágrafo único do CPP, que possibilitam dar nova definição jurídica ao fato delituoso, em virtude de circunstância elementar não contida explícita ou implicitamente na denúncia ou queixa"), a Turma deferiu em parte habeas corpus impetrado em favor do paciente - denunciado pela suposta prática do crime de quadrilha qualificada - que, absolvido em primeira instância por insuficiência de provas, tivera tal sentença cassada pelo Tribunal de Justiça local que, dando nova definição jurídica ao fato delituoso, imputara-lhe a participação no crime de homicídio pelo qual foram denunciados os demais acusados. HC parcialmente deferido para que fique assentada a validade da pronúncia do paciente apenas pelo delito de quadrilha qualificada, afastando-se a pronúncia pelo delito de homicídio.
Considerando que as disposições constitucionais que regem os atos administrativos não são aplicáveis aos empregados de sociedade de economia mista, a Turma, salientando que, no caso, a relação entre as partes ocorrera no âmbito da Consolidação das Leis Trabalhistas, deu provimento a recurso extraordinário para reformar acórdão do TST que, com base no art. 37 da CF/88, anulara a rescisão do contrato de trabalho de ex-funcionária do Banco do Brasil quando a mesma se encontrava acometida de doença grave, determinando a sua readmissão. Precedentes citados: AI 245.235-AgR-PE (DJU de 12.11.99) e RE 242.069-PE (DJU de 22.11.2002).
A Turma deferiu habeas corpus impetrado contra decisão do Colégio Recursal da Comarca de Ji-Paraná, que não conhecera de apelação interposta pelo paciente por intempestividade das razões recursais, apresentadas posteriormente ao recurso. Considerou-se que, embora se aplique na espécie o disposto no art. 82, § 1º da Lei 9.099/95 - que determina que as razões devem ser apresentadas juntamente com o recurso, no prazo de 10 dias -, dada a informalidade dos juizados especiais e o risco à liberdade de ir e vir, é admissível a interposição de recurso por simples petição, em face do silêncio da mencionada Lei quanto às conseqüências da não-apresentação de razões.
Por atipicidade do fato em que se baseara a denúncia, a Turma deu provimento a recurso ordinário em habeas corpus para rejeitar a queixa-crime recebida contra o recorrente, membro do Ministério Público Federal, pela suposta prática de crime contra a honra, consistente na veiculação, por jornalista, de suspeitas do recorrente afirmadas por meio de entrevista. Considerou-se que a ausência de especificação do tipo penal quando do recebimento da denúncia, por se tratar de crime contra a honra, prejudicara a defesa do recorrente e, ainda, que a ausência de oferecimento de queixa em relação à jornalista, caracterizara-se como renúncia tácita ao aludido direito, extensível ao recorrente nos termos do art. 49 do CPP. Reconheceu-se, ademais, a ausência de dolo para a prática do suposto crime contra a honra, uma vez que o recorrente apenas revelara na entrevista, a existência de uma simples suspeita.
Por ofensa ao Verbete 156 da Súmula do STF ("É absoluta a nulidade do julgamento, pelo Júri, por falta de quesito obrigatório"), a Turma deu provimento a recurso ordinário em habeas corpus para anular o julgamento realizado pelo tribunal do júri, no qual o juiz-presidente delegara ao advogado da defesa a redação de quesitos referentes às circunstâncias de fato ensejadoras de caracterização de erro de tipo e de erro de proibição (CPP, art. 484, III) e os indeferira ao fundamento de se tratar de questões puramente de direito. Ressaltou-se que a formulação de quesitos obrigatórios é atribuição privativa e indelegável do juiz, consubstanciando, portanto, causa de nulidade absoluta a rejeição à proposta de quesitos, cuja iniciativa fora delegada ao defensor.