Licenciamento ambiental: alteração dos procedimentos para sua concessão por normas estaduais

STF
1172
Direito Ambiental
Geral
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Atualizado em 14 de novembro de 2025

Este julgado integra o

Informativo STF 1172

Comentário Damásio

Resumo

São inconstitucionais — por ofensa ao art. 225 da CF/1988 — normas estaduais que flexibilizam a concessão de licenciamento ambiental sem discriminar as atividades que poderão ter o processo simplificado; permitem, de forma genérica, a contratação de pessoas físicas ou jurídicas e a celebração de convênios para auxiliar no licenciamento ambiental; preveem a isenção de licenciamento mediante cadastro florestal para empreendimentos de silvicultura de pequeno porte e transferem a análise das questões relativas ao reassentamento de populações da fase de obtenção da Licença de Instalação (LI) para da fase da Licença de Operação (LO).

Conteúdo Completo

São inconstitucionais — por ofensa ao art. 225 da CF/1988 — normas estaduais que flexibilizam a concessão de licenciamento ambiental sem discriminar as atividades que poderão ter o processo simplificado; permitem, de forma genérica, a contratação de pessoas físicas ou jurídicas e a celebração de convênios para auxiliar no licenciamento ambiental; preveem a isenção de licenciamento mediante cadastro florestal para empreendimentos de silvicultura de pequeno porte e transferem a análise das questões relativas ao reassentamento de populações da fase de obtenção da Licença de Instalação (LI) para da fase da Licença de Operação (LO).

A simplificação do procedimento de concessão do licenciamento ambiental, que pode ocorrer por meio da criação de novos tipos de licença, apenas é legítima nos empreendimentos que comprovadamente tenham pequeno potencial ofensivo ao meio ambiente (1). 
Além disso, conforme a jurisprudência desta Corte, (i) a delegação do poder de polícia pode ser feita somente às pessoas de direito privado prestadoras de serviço público, em regime não concorrencial, sem finalidades lucrativas (2) e (ii) no modelo do federalismo cooperativo, não cabe aos demais entes federativos divergir da sistemática definida em normas gerais pela União, estabelecendo dispensa de licenciamento, ainda que definam outros critérios mais rigorosos, como o tamanho do território em que será realizado o empreendimento (3). 
A resolução das questões de reassentamento, que afetam diversos direitos sociais, deve ser analisada na Licença Prévia (LP), etapa fundamental para a decisão sobre a viabilidade do empreendimento e seus impactos sociais e ambientais. Relegar o devido planejamento e, sobretudo, as decisões da realocação de pessoas apenas para a fase final, da Licença de Operação, significa proteger de forma deficiente os direitos fundamentais (4). 
De outro lado, a limitação da responsabilidade de agentes públicos, prevista em norma estadual, em nada viola o art. 37, § 6º, da CF/1988 (5), mas apenas confere densidade normativa ao dispositivo, ao estabelecer que o agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro.
Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por maioria, julgou parcialmente procedente a ação, para: (i) conferir interpretação conforme à Constituição Federal ao art. 54, IV e VI, da Lei nº 15.434/2020 do Estado do Rio Grande do Sul (6), para que as licenças instituídas Licença Única e Licença Ambiental por Compromisso apenas sejam aplicadas em atividades e empreendimentos de pequeno potencial degradador, nos termos das legislações infraconstitucionais, permanecendo válido, apenas neste caso, o disposto nos §§ 1°, 8° e 9° do mesmo artigo; (ii) declarar a inconstitucionalidade do art. 54, V, da Lei nº 15.434/2020 do Estado do Rio Grande do Sul (7), o qual institui a Licença de Operação e Regularização (LOR); (iii) declarar a constitucionalidade do § 3° do art. 54 da Lei nº 15.434/2020 do Estado do Rio Grande do Sul (8); (iv) declarar a inconstitucionalidade do § 4° do art. 54 da Lei nº 15.434/2020, do Estado do Rio Grande do Sul (9); (v) declarar a inconstitucionalidade dos arts. 57, 64 e 224 da Lei nº 15.434/2020 do Estado do Rio Grande do Sul (10) e do art. 14, § 1°, da Lei nº 14.961/2016 do Estado do Rio Grande do Sul (11); e (vi) declarar a constitucionalidade do art. 220, caput e § 1°, da Lei nº 15.434/2020 do Estado do Rio Grande do Sul (12).

(1) Precedentes citados: ADI 6.650 e ADI 5.475.
(2) Precedente citado: RE 633.782 (Tema 532 RG).
(3) Precedentes citados: ADI 5.312, ADI 4.529 e ADI 6.650.
(4) Precedente citado: ADI 7.273 MC-Ref.
(5) CF/1988: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”
(6) Lei nº 15.434/2020 do Estado do Rio Grande do Sul: “Art. 54. O órgão ambiental competente, no exercício de sua competência de controle, expedirá, com base em manifestação técnica obrigatória, as seguintes licenças: (...) IV - Licença Única ¿ LU ¿, autorizando atividades específicas que por sua natureza ou peculiaridade poderão ter as etapas de procedimento licenciatório unificadas; (...) VI - Licença Ambiental por Compromisso ¿ LAC ¿, procedimento eletrônico autorizando a localização, a instalação e a operação da atividade ou do empreendimento, mediante Declaração de Adesão e Compromisso ¿ DAC ¿ do empreendedor aos critérios, pré-condições, documentos, requisitos e condicionantes ambientais estabelecidos pela autoridade licenciadora e respeitadas as disposições definidas pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente. § 1º O Conselho Estadual do Meio Ambiente estabelecerá os empreendimentos e as atividades que serão licenciados na forma prevista nos incisos IV e VI do caput deste artigo. (...) § 8º Para a concessão da licença de que trata o inciso VI do caput deste artigo será exigido do solicitante que firme a DAC, documento a ser apresentado no procedimento de licenciamento ambiental por adesão e compromisso, com informações técnicas sobre a instalação e operação de atividade ou empreendimento e a identificação e a caracterização dos impactos ambientais e das medidas preventivas, mitigadoras e compensatórias, conforme definido pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente. § 9º A licença indicada no inciso VI do caput não poderá ser expedida nas hipóteses que envolvam a conversão de áreas de remanescentes de ambientes naturais, a intervenção em Áreas de Preservação Permanente e atividades sujeitas a EIA/RIMA.”
(7) Lei nº 15.434/2020 do Estado do Rio Grande do Sul: “Art. 54. (...) V - Licença de Operação e Regularização ¿ LOR ¿, regularizando o empreendimento ou a atividade que se encontra em operação e que não cumpriu o rito ordenado e sucessivo dos pedidos de licenciamento ambiental, ou, que por razão diversa, não obteve regularidade nos prazos adequados, avaliando suas condições de instalação e funcionamento e permitindo a continuidade de sua operação mediante condicionantes de controle ambiental e sem prejuízo das penalidades previstas;”
(8) Lei nº 15.434/2020 do Estado do Rio Grande do Sul: “Art. 54. (...) § 3º Poderá ser admitido um único processo de licenciamento ambiental para pequenos empreendimentos e atividades similares e vizinhos ou para aqueles integrantes de planos de desenvolvimento aprovados, previamente, pelo órgão competente, desde que definida a responsabilidade legal pelo conjunto de empreendimentos ou atividades.”
(9) Lei nº 15.434/2020 do Estado do Rio Grande do Sul: “Art. 54. (...) § 4º O Conselho Estadual do Meio Ambiente poderá estabelecer outras formas de licença, observadas a natureza, características e peculiaridades da atividade ou do empreendimento e, ainda, a compatibilização do processo de licenciamento com as etapas de planejamento, implantação e operação.”
(10) Lei nº 15.434/2020 do Estado do Rio Grande do Sul: “Art. 57. Para cumprimento dos prazos definidos neste Código, o órgão ambiental competente poderá contratar pessoas físicas ou jurídicas capacitadas ou realizar convênios, parcerias ou outros instrumentos de cooperação, sendo sua a responsabilidade de ratificar os resultados obtidos dos objetos contratados. (...) Art. 64. Os empreendimentos que acarretarem no deslocamento de populações humanas apresentarão, para obtenção de LP, um programa de reassentamento, constando etapas a serem cumpridas em cronograma pré-estabelecido. § 1º Para obtenção de LI, deverão ser apresentados os projetos relativos à execução do programa de reassentamento, com suas respectivas ARTs ou outro documento que venha a substituí-lo, se for o caso. § 2º Durante a vigência da LI, todas as questões relativas aos reassentamentos, deslocamentos e/ou desapropriações deverão ser validadas pelos envolvidos (empreendedor, populações afetadas e órgão licenciador), sendo essa condição determinante para emissão da LO. (...) Art. 224. Na Lei nº 14.961, de 13 de dezembro de 2016, que dispõe sobre a Política Agrícola Estadual para Florestas Plantadas e seus Produtos, altera a Lei nº 10.330, de 27 de dezembro de 1994, que dispõe sobre a organização do Sistema Estadual de Proteção Ambiental, a elaboração, implementação e controle da política ambiental do Estado e dá outras providências, e a Lei nº 9.519, de 21 de janeiro de 1992, que institui o Código Florestal do Estado do Rio Grande do Sul e dá outras providências, altera o inciso I do § 1º, o § 2º e inclui o § 4º, ambos do art. 14, com a seguinte redação: Art. 14. (...) § 1º (...)    I - os empreendimentos constantes na alínea “a” dos incisos I e II do caput deste artigo estarão isentos de licenciamento mediante cadastro florestal;”
(11) Lei nº 14.961/2016 do Estado do Rio Grande do Sul: “Art. 14. Para realização do licenciamento ambiental de empreendimentos de silvicultura de florestas plantadas pelo órgão competente integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA –, serão observados os procedimentos definidos no regulamento desta Lei, considerando os seguintes critérios: I - para os empreendimentos que envolvam o plantio de espécies consideradas de potencial poluidor alto, deverão ser observadas as seguintes medidas de porte: a) porte mínimo: área com efetivo plantio de até 30 hectares; (...) II - para os empreendimentos que envolvam o plantio de espécies consideradas de potencial poluidor médio, deverão ser observadas as seguintes medidas de porte: a) porte mínimo: área com efetivo plantio de até 40 hectares; b) porte pequeno: área com efetivo plantio acima de 40 hectares até 300 hectares; (...) § 1º Os procedimentos de licenciamento ambiental deverão atender aos seguintes níveis de exigibilidade: I - os empreendimentos constantes na alínea “a” dos incisos I e II do caput deste artigo estarão isentos de licenciamento mediante cadastro florestal; (Redação dada pela Lei n.º 15.434/20).”
(12) Lei nº 15.434/2020 do Estado do Rio Grande do Sul: “Art. 220. No âmbito do exercício das competências ambientais estaduais, o agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas apenas em caso de dolo ou erro grosseiro. § 1º Não se considera erro grosseiro a decisão ou opinião baseada em jurisprudência ou doutrina, ainda que não pacificadas, em orientação geral ou, ainda, em interpretação razoável, mesmo que não venha a ser posteriormente aceita por órgãos de controle ou judiciais.”

Legislação Aplicável

CF/1988: arts. 37, § 6º e 225.
Lei nº 14.961/2016 do Estado do Rio Grande do Sul.
Lei nº 15.434/2020 do Estado do Rio Grande do Sul.

Informações Gerais

Número do Processo

6618

Tribunal

STF

Data de Julgamento

04/04/2025

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