Teoria da causalidade adequada na responsabilidade civil hospitalar por óbito neonatal
Cinge-se a controvérsia a averiguar a ocorrência de fato exclusivo da vítima apto a afastar a responsabilidade objetiva do hospital por sequelas oriundas de infecção hospitalar e a viabilidade da utilização da condição física da criança como causa atenuante da obrigação da casa de saúde, relativamente ao quantum indenizatório devido pela falha na prestação de serviço de cuidado intensivo neonatal. Para melhor elucidar os pressupostos da responsabilidade civil, anota-se que o Direito Civil adotou, precipuamente, as teorias da causalidade adequada e do dano direto e imediato, cujas similaridades são deveras acentuadas, porquanto somente consideram existente o nexo causal quando o dano é efeito necessário e/ou adequado de uma causa (ação ou omissão), diferentemente do Direito Penal no qual é empregada a teoria da equivalência dos antecedentes - conditio sine qua non -, onde não há distinção entre causa e condição, de forma que tudo aquilo que contribui para a ocorrência do crime gera responsabilidade penal (CP, art. 13). Dessa forma, a configuração do nexo de causalidade deve ser apreciada nos moldes da teoria da causalidade adequada (ou dos danos diretos e imediatos). À luz da regra estabelecida no caput do art. 14 do CDC, o prestador de serviço responde, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos em seu fornecimento. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, no tocante à responsabilidade do hospital, é no sentido de ser objetiva sua responsabilidade nos casos relacionados à falha na prestação de serviço, sobretudo nos quais os danos sofridos resultam de infecção hospitalar, revelando-se desnecessária a comprovação de erro médico (culpa lato sensu ). Ademais, consoante estabelecido no § 3º do art. 14 do CDC, as causas excludentes de responsabilidade são - a inexistência de defeito do serviço e o fato exclusivo da vítima ou de terceiro. E, nesses casos, o ônus da prova decorre de imposição legal, ope legis (a qual dispensa os requisitos do art. 6º VIII, do CDC), cabendo ao hospital comprovar a existência de tais circunstâncias. No mesmo sentido é o entendimento desta Corte Superior: "a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro deve ser cabalmente comprovada pelo fornecedor de serviços, a fim de romper o nexo de causalidade e, consequentemente, ilidir a sua responsabilidade objetiva [...]" (AgInt no AREsp n. 1.604.779/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 20/4/2020, DJe de 24/4/2020). Também nesse viés: AgInt no REsp n. 1.830.752/RJ, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 29/6/2020, DJe de 3/8/2020; REsp 1.734.099/MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceita Turma, julgado em 4/12/2018, DJe 7/12/2018. Nesse caso, em que pese se tenha reconhecido a falha na prestação de serviço hospitalar, concluiu-se, adotando a teoria da equivalência dos antecedentes, que a prematuridade extrema e o baixo peso foram predominantes para as implicações causadas pela infecção hospitalar. A Corte local aplicou à espécie a teoria conditio sine qua non, todavia não é essa a posição majoritária da doutrina e jurisprudência pátria, as quais adotam, nessa hipótese, a teoria da causalidade adequada (ou dano direto e imediato), conforme se extrai dos preceitos supramencionados. As circunstâncias arroladas pelo hospital como supostos fatos exclusivos da vítima ou mesmo fatos preexistentes suficientemente capazes de dar ensejo ao quadro desenvolvido pelo infante, na verdade, consubstanciam-se em riscos intrínsecos à própria atividade desenvolvida pela casa de saúde, não se mostrando aptos a rechaçar o nexo de causalidade entre a falha no fornecimento do serviço e as sequelas sofridas pelo menor. A despeito da inegável falha na prestação do serviço hospitalar, a Corte local, fazendo uso de concausalidades ou concorrência de causas, promoveu o decote do valor indenizatório, considerando, na oportunidade que a prematuridade e o baixo peso do bebê seriam características aptas a contribuir para o desfecho desolador atinente às sequelas sofridas em razão de ter sido acometido por infecção hospitalar. Ademais, a despeito de a prematuridade e do baixo peso serem fatores que potencializam o risco de infecções hospitalares, de acordo com o contorno fático delineado pela Corte local, houve também o contágio de bebês sem essas características, ou seja, recém-nascidos que não eram prematuros, o que afasta a presunção de que tais condições foram determinantes para o contágio da infecção hospitalar. Portanto, a única causa necessária e preponderante para o desenvolvimento do quadro de saúde da criança evidenciada foi a infecção hospitalar adquirida na UTI neonatal, porquanto ausente a demonstração do nexo de causalidade entre as condições do recém-nascido e os danos por ele suportados.
Inclusão das bandeiras tarifárias na base de cálculo do ICMS sobre energia elétrica
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é assente no sentido de que "o adicional oriundo das bandeiras tarifárias constitui uma parte integrante na composição do custo de produção da energia elétrica em um dado momento, razão pela qual, tal rubrica deve integrar a base de cálculo do ICMS, por se correlacionar na definição do 'valor da operação', quando da apuração do consumo da energia elétrica pelos usuários do sistema, conforme apregoa a exegese conjunta dos arts. 9º, § 1º, inciso II, e 13, § 1º, II, alíneas a e b , da Lei Complementar n. 87/1996, a par das disposições contidas na Resolução n. 547/2013 da ANEEL". Nesse sentido, confira-se: "TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO N. 3/STJ. ICMS. ENERGIA ELÉTRICA. SISTEMA DE BANDEIRAS TARIFÁRIAS. ADICIONAL. AUMENTO NO CUSTO DE GERAÇÃO DA ENERGIA ELÉTRICA. ADICIONAL PROPORCIONAL À DEMANDA CONSUMIDA. INCLUSÃO NA BASE DE CÁLCULO DO ICMS. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. [...] o adicional oriundo das bandeiras tarifárias constitui uma parte integrante na composição do custo de produção da energia elétrica em um dado momento, razão pela qual, tal rubrica deve integrar a base de cálculo do ICMS, por se correlacionar na definição do 'valor da operação', quando da apuração do consumo da energia elétrica pelos usuários do sistema, conforme apregoa a exegese conjunta dos artigos 9º, § 1º, inciso II, e 13, § 1º, II, alíneas "a" e "b", da Lei Complementar n. 87/1996, a par das disposições contidas na Resolução n. 547/2013 da ANEEL. [...]" (REsp 1.809.719/DF, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 23/6/2020, DJe 25/6/2020).
Obiter dictum não caracteriza divergência jurisprudencial para fins de embargos de divergência
Os embargos de divergência têm por escopo uniformizar a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em razão da adoção de teses conflitantes por seus órgãos fracionários, cabendo ao embargante a comprovação do dissídio, com a demonstração da identidade fática entre os casos confrontados e a adoção de soluções jurídicas díspares, nos moldes estabelecidos no art. 266 combinado com o art. 255, § 1º, do RISTJ. Conforme aponta o acórdão embargado da Segunda Turma, no caso, discute-se "o critério legal de repartição das receitas tributárias aos Municípios de Igrejinha e Três Coroas, especificamente em relação à distribuição dos valores recolhidos a título de ICMS, IPI, IR e IPI (FPM), e ISS, decorrentes do exercício da atividade empresarial pela Schincariol, tendo em vista que está situada entre os dois municípios". O recurso especial, todavia, não foi conhecido, por incidência da Súmula 211/STJ. Considerou-se, também, que não foi impugnado fundamento do acórdão local, fazendo incidir também a Súmula 283/STF. Verifica-se, ainda, a ausência de similitude fática para fins de conhecimento do recurso pela alínea c do permissivo constitucional. No entanto, na decisão, em análise preliminar, foi considerado que o voto-vista lançado no acórdão proferido pela Segunda Turma adentrou nas considerações de mérito sobre a questão controvertida, nos termos da hipótese encartada no inciso III do art. 1.043 do CPC/2015, segundo o qual: "É embargável o acórdão de órgão fracionário que [...] em recurso extraordinário ou em recurso especial, divergir do julgamento de qualquer outro órgão do mesmo tribunal, sendo um acórdão de mérito e outro que não tenha conhecido do recurso, embora tenha apreciado a controvérsia." Em sede de cognição exauriente, todavia, verifica-se que, de fato, o recurso não pode ser conhecido, haja vista que a manifestação a respeito do mérito da controvérsia se deu em caráter de obiter dictum , restando prejudicada a efetiva análise, pelo colegiado embargado, da controvérsia levantada. Apesar de ter aventado tese distinta daquela adotada no acórdão do Tribunal local, o voto-vista se alinhou integralmente ao voto do relator no sentido de que a apreciação efetiva da controvérsia restou impossibilitada pela incidência dos óbices processuais das Súmulas 211/STJ e 283/STF. Portanto, não se encontra satisfeita a condição para o conhecimento dos embargos de divergência prevista no art. 1.043, III, do CPC.
Competência do Júri Federal em crimes dolosos contra a vida por interesse específico ou conexão
O conflito de competência decorre da divergência instaurada entre Juízo Federal e Juízo de Direito. O primeiro entendeu que somente seriam os homicídios julgados pela Justiça Federal se houvesse interesse federal específico quanto a eles, o qual entendeu inexistir no caso concreto, não sendo suficiente a sua conexão com o delito de contrabando. Para o segundo, a conexão com o crime federal (contrabando), bastava para fixar a competência da Justiça Federal e, por consequência, do Tribunal do Júri Federal. A existência da conexão instrumental entre os crimes de contrabando e os de homicídio qualificado, consumado e tentado que foram imputados na denúncia era incontroversa entre os Juízos suscitante e suscitado, tendo sido os crimes dolosos contra a vida praticados no mesmo contexto fático, para assegurar a vantagem ou a impunidade do crime de contrabando. Se o intento da prática dos homicídios era o de impedir o exercício do jus puniendi em relação ao crime de contrabando, ou seja, visavam embaraçar a persecutio in criminis que seria realizada na Justiça Federal, há o interesse federal na persecução, também, dos crimes dolosos contra a vida, pois cometidos para obstar ou dificultar o exercício de atribuições conferidas a órgãos federais. Além disso, a simples conexão ou continência com crime federal atrai a competência da Justiça Federal para o julgamento de todos os delitos, nos termos da Súmula 122/STJ, na qual não faz nenhuma exceção quando se trata de delito doloso contra a vida. O raciocínio que faz prevalecer a competência do Júri estadual sobre a competência da Justiça Federal parte de uma premissa equivocada, que é a de que a previsão constitucional da competência do Tribunal do Júri se refere apenas ao Júri estadual e, portanto, se sobreporia à competência da Justiça Federal. No entanto, o art. 5º, inciso XXXVIII, alínea d , da Constituição Federal, assegura a competência do Júri para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, sem fazer distinção alguma entre o Tribunal do Júri Estadual e o Tribunal do Júri Federal. Este último é expressamente previsto no art. 4º do Decreto-Lei n. 253/1967, recepcionado pela Constituição Federal. Não é possível se determinar o julgamento do contrabando, crime federal, pelo Tribunal do Júri Estadual. A competência da Justiça Federal é absoluta e tem previsão constitucional, assim como a competência do Tribunal do Júri para os crimes dolosos contra a vida. Ainda que se entendesse que deveria o Tribunal do Júri Estadual julgar os homicídios, deveria haver o desmembramento dos autos, permanecendo, na Justiça Federal, o delito de contrabando, mas não se admite a remessa deste último para ser julgado pela Justiça estadual, ainda que pelo Tribunal do Júri nela instalado.
Deserção recursal condicionada à intimação com indicação do vício do preparo
O Código de Processo Civil de 2015, inspirado no princípio da primazia do julgamento de mérito (art. 4º), voltado à superação de vícios processuais sanáveis, passou a admitir a regularização do preparo não só na hipótese de recolhimento a menor do respectivo valor, mas, também, nos casos de ausência de comprovação do recolhimento no ato da interposição do recurso. É o que dispõem os §§ 2º e 4º do art. 1.007 do CPC/2015. Nesse caso, o recorrente será intimado para realizar o recolhimento em dobro; naquele, a intimação será apenas para complementar o respectivo valor. Ademais, nos termos do § 5º do art. 1.007 do CPC/2015, "É vedada a complementação se houver insuficiência parcial do preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, no recolhimento realizado na forma do § 4º". Dessa forma, caso o recorrente, no momento da interposição do recurso, não comprove o recolhimento do preparo ou efetue o pagamento de valor insuficiente, terá o direito de ser intimado, antes do reconhecimento da deserção. Em tal circunstância, houve interposição de apelação e, passadas duas horas desse ato, o recorrente juntou o comprovante de pagamento do preparo relativo a outro recurso interposto no processo conexo. Antes de qualquer intimação, o recorrente protocolou petição juntando o comprovante de pagamento do preparo do processo correto, o qual foi realizado também na data do protocolo da apelação, ou seja, em momento posterior à interposição do recurso. Assim, como não houve o recolhimento do preparo no ato da interposição do recurso, pois o pagamento do valor foi feito após o protocolo da apelação, seria o caso de intimação da parte para recolher em dobro, nos termos do § 4º do art. 1.007 do CPC/2015. O Tribunal de origem, por sua vez, não oportunizou a intimação para regularizar a situação, sob o fundamento de que "a parte apelante interpôs o recurso desacompanhado de comprovação de qualquer valor a título de preparo e, posteriormente, efetuou o recolhimento em valor insuficiente, visto que não procedeu com o recolhimento com base no proveito econômico pretendido e nem sequer recolheu na forma dobrada", sendo o caso, portanto, de aplicação da regra do § 5° do art. 1.007 do CPC/2015, que estabelece ser "vedada a complementação se houver insuficiência parcial do preparo, inclusive porte de remessa e de retomo, no recolhimento realizado na forma do § 4º". Ocorre que a parte recorrente tem o direito de ser intimada para regularizar eventual vício no recolhimento do preparo, nos termos do que dispõe o art. 1.007, §§ 2º e 4º, do CPC/2015, devendo o Magistrado esclarecer, inclusive, o que deverá ser feito para regularizar a situação, em consonância com o princípio da cooperação processual, estabelecido no art. 6º do CPC/2015 ("Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva"). Logo, a manifestação espontânea da apelante, ao juntar o comprovante pertinente ao recurso correto, ainda que em valor insuficiente, não tem o condão de suprir a necessidade de intimação para regularização do vício, que constitui direito da parte, o qual não deve ficar submetido a juízo de discricionariedade do magistrado.