Indulto do Decreto 11.302/2022: unificação de penas não obsta concessão
A controvérsia consiste em definir se seria necessário combinar o limite temporal de 5 anos previsto no art. 5º do Decreto n. 11.302/2022 com a unificação de penas estabelecida no art. 11, de forma que "verificando-se o caso concreto, a pena máxima em abstrato, operando-se a citada unificação, ultrapassou o limite de 5 anos previsto no artigo 5º do Decreto, faltando, assim, requisito objetivo para a concessão do indulto", conforme sustentou o Ministério Público, no caso. Todavia, consoante a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, a interpretação extensiva das restrições contidas no decreto concessivo de comutação/indulto de penas consiste, nos termos do art. 84, XII, da Constituição Federal, em invasão à competência exclusiva do Presidente da República, motivo pelo qual, preenchidos os requisitos estabelecidos na norma legal, o benefício deve ser concedido por meio de sentença - a qual possui natureza meramente declaratória -, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade" (AgRg no REsp 1.902.850/GO, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 17/4/2023, DJe 20/4/2023). Nesse sentido, a correta interpretação sistêmica a se dar aos arts. 5º e 11 do Decreto n. 11.302/2022 exsurge a partir da leitura do texto do parágrafo único do art. 11. Nele expressamente se veda a concessão de indulto a crime não impeditivo, enquanto não tiver sido cumprida a pena integral do crime impeditivo. A contrario sensu, tem-se que o apenado que tiver cometido um crime impeditivo e outro não impeditivo poderá, sim, receber o indulto. O mesmo raciocínio deve ser transposto para a hipótese de unificação de penas - na qual se tem delitos impeditivos e não impeditivos objeto de condenação em ações penais diversas - sob pena de se concluir que um apenado que tem contra si uma única condenação deverá aguardar o cumprimento da totalidade da pena do delito impeditivo para fazer jus ao indulto do delito não impeditivo, enquanto que o apenado condenado a delito impeditivo em ação penal diversa, poderia fazer jus à concessão do indulto imediatamente. Ademais, ressalta-se que se fosse possível considerar um requisito temporal para a unificação de penas, remanesceria o fato de que, a par de o art. 11 do Decreto não ter feito alusão a um limite máximo de penas para a concessão do indulto, também não dispôs sobre se deveriam ser consideradas as penas em concreto remanescentes ou totais. Isso posto, a melhor interpretação sistêmica oriunda da leitura conjunta do art. 5º e do art. 11 do Decreto n. 11.302/2022 é a que entende que o resultado da soma ou da unificação de penas efetuada até 25/12/2022 não constitui óbice à concessão do indulto àqueles condenados por delitos com pena em abstrato não superior a 5 anos, desde que cumprida integralmente a pena por crime impeditivo do benefício, que o crime indultado corresponda a condenação primária (art. 12 do Decreto) e que o beneficiado não seja integrante de facção criminosa (parágrafo 1º do art. 7º do Decreto).
Impossibilidade de incluir Adicional de Gestão Educacional na base de cálculo da VPNI
O STJ possui entendimento no sentido de não ser possível a inclusão do Adicional de Gestão Educacional (AGE), instituído pela Lei 9.640/1998 e adicionado à remuneração dos servidores públicos detentores de cargo em comissão ou função gratificada, na base de cálculo para incorporação dos denominados "quintos" (AgRg no REsp n. 1.515.313/RS, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 12/8/2015). No caso, o Tribunal de origem não fez referência alguma ao teor do título executivo. Notadamente ateve-se apenas às disposições legais para concluir que "a Medida Provisória n. 2.245-45/2001, ao referir-se aos arts. 3º e 10 da Lei n. 8.911/1994, autorizou a incorporação dos quintos ou décimos decorrentes do exercício de funções de confiança no período de 8/4/1998 a 4/9/2001. E a Lei não faz expressa distinção às parcelas, componentes da remuneração do cargo em comissão, que seriam passíveis de incorporação. Desse modo, sendo o Adicional de Gestão Educacional - AGE parcela integrante da remuneração dos ocupantes de cargos de direção e de funções gratificadas das Instituições Federais de Ensino, deve ser considerado para fins de atualização do valor da parcela". Ocorre, porém, que dita conclusão encontra-se em descompasso com a jurisprudência desta Corte Superior no sentido de que o Adicional de Gestão Educacional, instituído pela Lei n. 9.640/1998, para o servidor investido em cargo de direção ou função gratificada das Instituições Federais de Ensino, não pode ser incluído na base de cálculo da VPNI, sob pena de bis in idem .
Gratuidade de justiça do menor representado e a não automática vinculação à renda dos pais
O propósito recursal consiste em definir se é admissível condicionar a concessão da gratuidade de justiça a menor à demonstração de insuficiência de recursos de seu representante legal. O CPC/2015, ao tratar do tema, estabelece que "a pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei" (art. 98). Isto é, o direito à gratuidade de justiça é previsto em termos amplos e abrangentes. Embora a regra do art. 99, § 6º, do CPC/2015 limite-se a enunciar que o benefício não é automaticamente extensível ao litisconsorte, tampouco é automaticamente transmissível ao sucessor, é da natureza personalíssima do direito à gratuidade que os pressupostos legais para a sua concessão deverão ser preenchidos, em regra, pela própria parte, não por seu representante legal. Em se tratando de direito à gratuidade de justiça pleiteado por menor, é apropriado que, inicialmente, incida a regra do art. 99, § 3º, do CPC/2015, deferindo-se o benefício ao menor em razão da presunção de insuficiência de recursos decorrente de sua alegação. Fica ressalvada, entretanto, a possibilidade de o réu demonstrar, com base no art. 99, § 2º, do CPC/2015, a ausência dos pressupostos legais que justificam a concessão da gratuidade, pleiteando, em razão disso, a revogação do benefício. Essa forma de encadeamento dos atos processuais privilegia, a um só tempo, o princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal), pois não impede o imediato ajuizamento da ação e a prática de atos processuais eventualmente indispensáveis à tutela do direito vindicado, e o princípio do contraditório (art. 5º, LV, da CF), pois permite ao réu que produza prova, ainda que indiciária, de que não se trata de hipótese de concessão do benefício. Mais recentemente, com amparo, também, no caráter personalíssimo do benefício da gratuidade de justiça, este órgão julgador decidiu que a condição financeira do cônjuge não obsta, por si só e necessariamente, o deferimento do benefício da gratuidade da justiça, sendo necessário verificar se a própria parte que o requer preenche os pressupostos específicos para a sua concessão (REsp 1.998.486/SP, Terceira Turma, julgado em 16/8/2022, DJe 18/8/2022). Assim, é imperioso concluir que o fato de o representante legal da parte auferir renda não pode, por si só, servir de empecilho à concessão da gratuidade de justiça ao menor, que figura como parte no processo.
Cômputo de pena no regime aberto durante afastamento por atestado médico
Em período que antecedia a pandemia de coronavírus, entendia-se que o mero decurso de prazo das penas não poderia ser considerado para o seu cumprimento, de forma ficta, nem mesmo sob a apreciação de peculiaridades no caso concreto (AgRg no REsp 1.934.076/GO, Quinta Turma, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, DJe 16/8/2021). Recentemente, a Terceira Seção desta Corte Superior, ao analisar o Tema 1120, modificou o entendimento para dar primazia aos princípios da dignidade da pessoa humana, da isonomia e da fraternidade, não permitindo negar aos indivíduos que tiveram seus trabalhos ou estudos interrompidos pela superveniência da pandemia de Covid-19 o direito de remitir parte da sua pena, tão somente por estarem privados de liberdade, pois não se observava nenhum discrímen legítimo que autorizasse negar àqueles presos que já trabalhavam ou estudavam o direito de remitir a pena durante as medidas sanitárias restritivas. Nesses casos, foi fixada a seguinte tese: "Nada obstante a interpretação restritiva que deve ser conferida ao art. 126, § 4º, da Lei de Execução Penal, os princípios da individualização da pena, da dignidade da pessoa humana, da isonomia e da fraternidade, ao lado da teoria da derrotabilidade da norma e da situação excepcionalíssima da pandemia de covid-19, impõem o cômputo do período de restrições sanitárias como de efetivo estudo ou trabalho em favor dos presos que já estavam trabalhando ou estudando e se viram impossibilitados de continuar seus afazeres unicamente em razão do estado pandêmico" (REsp 1.953.607/SC, Terceira Seção, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, DJe de 20/9/2022). Desse modo, no caso, por analogia ao referido entendimento, o tempo em que o apenado esteve afastado das suas obrigações no regime aberto, sob atestado médico, deve ser computado como pena efetivamente cumprida.
Revisão criminal com decote de circunstâncias judiciais ou agravantes impõe redução da pena
Acerca do tema, prevalecia nesta Corte Superior o entendimento no sentido de que o efeito devolutivo pleno do recurso de apelação tornava possível à Corte de origem, mesmo na análise de recurso exclusivo da defesa, revisar as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP, bem como alterar ou mesmo inovar os fundamentos para justificar a manutenção ou redução da reprimenda e do regime inicial, sem que se configurasse caso de reformatio in pejus, isso porque a situação do réu não seria agravada. Todavia, a Terceira Seção, ao julgar os Embargos de Divergência em REsp 1.826.799/RS, alterou a jurisprudência sobre a matéria, passando a entender que, quando o Tribunal de origem, em recurso exclusivo da defesa, afasta a valoração negativa de algum elemento da dosimetria da pena, deve reduzir a sanção proporcionalmente, e não realocá-lo. Nesse novo panorama, não mais se admite que o Tribunal estadual, em julgamento exclusivo da defesa, altere ou inove os fundamentos utilizados na dosimetria, com vistas a manter a mesma pena fixada na sentença ou a reduzi-la em patamar inferior ao que resultaria da simples exclusão da circunstância negativa, agravante ou majorante. De igual modo, acrescente-se que, mesmo nas hipóteses de revisão criminal, por se tratar de ação exclusivamente defensiva, uma vez afastado o desvalor atribuído às circunstâncias judiciais, ou mesmo no tocante às circunstâncias agravantes, a pena deverá necessariamente ser reduzida.