Descumprimento de prazo legal em serviços bancários não presume dano moral; exige prova do prejuízo
A perda de tempo quando injusta e ilegítima pode ensejar ilícito, desde que este seja comprovado, a partir da postura leniente do fornecedor de serviços e do nexo causal entre esta e o efetivo prejuízo causado ao consumidor. O fator decisivo para definição da existência de prejuízo indenizável é a regra da experiência e as nuances fáticas, aplicáveis também às relações de consumo, cuja responsabilidade é em regra objetiva, assim como o preenchimento dos pressupostos basilares da conduta, do dano e do nexo de causalidade entre eles. O atraso em virtude de uma fila, por si só, não tem o condão de ofender direito de personalidade do consumidor dos serviços bancários. O mero transcurso do tempo, por si só, não impõe um dever obrigacional de ressarcimento, por não configurar, de plano, uma prática abusiva a acarretar uma compensação pecuniária, como pressupõe a teoria do desvio produtivo, que considera a perda de tempo útil uma espécie de direito de personalidade irrenunciável do indivíduo. Sob tal perspectiva, qualquer atraso na prestação de serviços poderia atrair a tese. Contudo, o controle do tempo, por mais salutar que seja, depende de fatores por vezes incontroláveis e não previsíveis, como parece óbvio. Há atendimentos mais demorados que não são passíveis de fiscalização prévia e, por vezes, até mesmo eventos de força maior, que podem ensejar atrasos. Por outro lado, incumbe ao consumidor que aguarda em fila de banco demonstrar qual é de fato o prejuízo que está sofrendo e se não haveria como buscar alternativas para a solução do problema, tal como caixas eletrônicos e serviços de internet banking (autosserviço). A mera alegação genérica de que se está deixando de cumprir compromissos diários, profissionais, de lazer e de descanso, sem a comprovação efetiva do dano, possibilita verdadeiro abuso na interposição de ações por indenização em decorrência de supostos danos morais. Indenizar meros aborrecimentos do cotidiano, por perda de tempo, que podem se dar em decorrência de trânsito intenso, reanálise de contratos de telefonia, cobrança ou cancelamento indevido de cartão de crédito, espera em consultórios médicos, odontológicos e serviços de toda ordem, sejam públicos ou privados, tem o potencial de banalizar o que se entende por dano moral, cuja valoração não pode ser genérica nem dissociada da situação concreta, sob pena de ensejar uma lesão abstrata, e, por outro lado, tarifação, que é vedada nos termos da Súmula n. 281/STJ.
Aplicação retroativa da Lei 14.230/2021 sobre dolo específico na improbidade administrativa em curso
A questão jurídica referente à aplicação da Lei n. 14.230/2021 - em especial, no tocante à necessidade da presença do elemento subjetivo dolo para a configuração do ato de improbidade administrativa e da aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente - teve a repercussão geral julgada pelo Supremo Tribunal Federal (Tema n. 1.199 do STF). A despeito de ser reconhecida a irretroatividade da norma mais benéfica advinda da Lei n. 14.230/2021, que revogou a modalidade culposa do ato de improbidade administrativa, o STF autorizou a aplicação da lei nova, quanto a tal aspecto, aos processos ainda não cobertos pelo manto da coisa julgada. A Primeira Turma desta Corte Superior, no julgamento do AREsp n. 2.031.414/MG, em 9/5/2023, firmou a orientação de conferir interpretação restritiva às hipóteses de aplicação retroativa da LIA (com a redação da Lei n. 14.230/2021), adstrita aos atos ímprobos culposos não transitados em julgado, de acordo com a tese 3 do Tema n. 1.199 do STF. Acontece que o STF, posteriormente, ampliou a abrangência do Tema 1.199/STF, a exemplo do que ocorreu no ARE n. 803568 AgRsegundo-EDv-ED, admitindo que a norma mais benéfica prevista na Lei n. 14.230/2021, decorrente da revogação (naquele caso, tratava se de discussão sobre o art. 11 da LIA), poderia ser aplicada aos processos em curso. Tal como aconteceu com a modalidade culposa e com os incisos I e II do art. 11 da LIA (questões diretamente examinadas pelo STF), a conduta ímproba escorada em dolo genérico (tema ainda não examinado pelo Supremo) também foi revogada pela Lei n. 14.230/2021, pelo que deve receber rigorosamente o mesmo tratamento. Aliás, no item 3 da Tese do Tema n. 1.199 do STF consta que "a nova Lei n. 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente". Ora, se o referido item está a tratar da impossibilidade de manutenção da condenação por culpa (porque revogada tal modalidade), sendo o caso de examinar o eventual "dolo", compreendo que o "dolo" a que está se referindo o precedente é o especial, pois, como disse, o "dolo genérico", da mesma forma que a culpa (examinada no item), também foi revogado pela nova lei. Sendo assim, do contrário, poder-se-ia ensejar situação de possível incongruência, qual seja: afastar a condenação por culpa (porque revogada pela nova lei) e, na mesma decisão, determinar o retorno dos autos à origem para que se permitisse a substituição do ato condenatório com fundamento em elemento subjetivo igualmente revogado (o dolo geral).
Prescrição decenal do resgate do capital segurado em seguro de vida com sobrevivência
A controvérsia refere-se à prescrição de ação indenizatória movida por segurada contra seguradora em razão de suposto descumprimento de cláusula de contratos individuais de seguro de vida dotal com cláusula de sobrevida. O seguro de vida é um tipo de seguro de pessoas com cobertura de riscos cujo objetivo é garantir indenização a segurado ou a seus beneficiários nos termos das condições e garantias contratualmente estabelecidas. A cobertura por sobrevivência oferecida em seguros de vida é estruturada sob regime financeiro de capitalização e tem por finalidade o pagamento do capital segurado, de uma única vez ou em forma de renda, após atingido o período de diferimento previsto no contrato. O plano dotal, que pode ser puro, misto ou misto com performance, constitui um dos tipos de contrato de seguro de vida por sobrevivência. O contrato de seguro individual de vida com cláusula de sobrevivência tem natureza complexa, visto que o capital de segurado pode ser pago aos beneficiários quando do falecimento do segurado, ao qual é permitido optar por resgatar, em vida, o valor econômico capitalizado após transcorrido o período de diferimento. É certo que, nos termos da tese firmada no Incidente de Assunção de Competência n. 2, no julgamento do REsp n. 1.303.374/ES, "é ânuo o prazo prescricional para exercício de qualquer pretensão do segurado em face do segurador- e vice-versa- baseada em suposto inadimplemento de deveres (principais, secundários ou anexos) derivados do contrato de seguro, ex vi do disposto no artigo 206, § 1º, II, 'b', do Código Civil de 2002 (artigo 178, § 6º, II, do Código Civil de 1916)". No caso, todavia, o pagamento do capital segurado não se dá apenas pelo falecimento do segurado, porquanto, em razão da cláusula de sobrevida, há importância de valor econômico capitalizado passível de ser resgatado em vida, o que evidencia, nessa parte, a natureza pessoal do contrato, a atrair a incidência do art. 177, IV, do Código Civil de 1916, ou seja, o prazo decenal, como previsto no art. 205 do Código Civil de 2002, respeitado o art. 2.028 do mesmo diploma. Aplica-se o prazo decenal, e não a prescrição ânua do art. 206, II, do Código Civil, à ação que visa ao reconhecimento do direito ao resgate, após o prazo assinado em contrato, de capital segurado de seguro de vida com cláusula de sobrevivência.
Penhora do faturamento empresarial: critérios legais, excepcionalidade e observância da menor onerosidade
A jurisprudência do STJ, com base no art. 677 do CPC/1973 e no art. 11, § 1º, da Lei n. 6.830/1980 - que mencionam a possibilidade de a penhora atingir o próprio estabelecimento empresarial -, interpretou ser possível a penhora do faturamento empresarial, como medida excepcional, dependente da comprovação do exaurimento infrutífero das diligências para localização de bens do devedor. Posteriormente, em evolução jurisprudencial, passou-se a entender que o caráter excepcional, embora mantido, deveria ser flexibilizado, dispensando-se a comprovação do exaurimento das diligências para localização de bens do devedor quando o juiz verificar que os bens existentes, já penhorados ou sujeitos à medida constritiva, por qualquer motivo, sejam de difícil alienação. De todo modo, a penhora de faturamento também depende da verificação de outras circunstâncias, tais como a nomeação de administrador (encarregado da apresentação do plano de concretização da medida, bem como da prestação de contas) e a identificação de que a medida restritiva não acarretará a quebra da empresa devedora. Com as alterações promovidas pela Lei n. 11.382/2006 - que modificou o CPC/1973, dando nova redação a alguns dispositivos, além de criar outros -, a penhora de faturamento passou a ser expressamente prevista não mais como medida excepcional, pois passou a figurar com relativa prioridade na ordem dos bens sujeitos à constrição judicial (art. 655, VII, do CPC/1973). Note-se que, na vigência do referido dispositivo legal, a penhora de faturamento passou a constar como preferencial sobre a penhora de (a) pedras e metais preciosos; (b) títulos da dívida pública da União, Estados e Distrito Federal com cotação em mercado; (c) títulos e valores mobiliários com cotação em mercado; e (d) outros direitos. Finalmente, no regime do novo CPC, de 2015, o legislador estabeleceu uma ordem preferencial ao identificar treze espécies de bens sobre os quais recairá a penhora, listando a penhora sobre o faturamento na décima hipótese (art. 835, X, do CPC). Ademais, ao prescrever o regime jurídico da penhora do faturamento, outras importantes novidades foram introduzidas no ordenamento jurídico, conforme se constata nos arts. 835, § 1º, e 866 do CPC. De acordo com tais dispositivos, é possível concluir que a penhora sobre o faturamento, atualmente, perdeu o atributo da excepcionalidade, pois concedeu-se à autoridade judicial o poder de - respeitada, em regra, a preferência do dinheiro - desconsiderar a ordem estabelecida no art. 835 do CPC e permitir a constrição do faturamento empresarial, consoante as circunstâncias do caso concreto (que deverão ser objeto de adequada fundamentação do juiz). Outra modificação prevista na lei é que, mesmo que o juiz verifique que os bens sujeitos à penhora não se caracterizem como de difícil alienação, isso não impedirá a efetivação de penhora do faturamento se o juiz constatar que são eles (tais bens) insuficientes para saldar o crédito executado. A penhora de faturamento não pode ser equiparada à constrição sobre dinheiro, até porque em tal hipótese a própria Lei de Execução Fiscal seria incoerente, uma vez que, ao mesmo tempo em que classifica a expressão monetária como o bem preferencial sobre o qual deve recair a penhora (art. 11, I), expressamente registra que a penhora sobre direitos encontra-se em último lugar (art. 11, VIII) e que a constrição sobre o estabelecimento é medida excepcional (art. 11, § 1º) - em relação aos dispositivos dos CPCs de 1973 e atual, vale a mesma observação, como acima descrito. É importante que a autoridade judicial, ao decidir pela necessidade e/ou conveniência da efetivação de medida constritiva sobre o faturamento empresarial, estabeleça percentual que, à luz do princípio da menor onerosidade, não comprometa a atividade empresarial. Por outro lado, há hipóteses em que a parte executada defende a aplicação desse princípio processual (art. 620 do CPC/1973, atual art. 805 do CPC/2015) para obstar, por completo, que seja deferida a penhora do faturamento. Nessa situação, o STJ já teve oportunidade de definir que o princípio da menor onerosidade não constitui "cheque em branco"; a decisão a respeito do tema deve ser fundamentada e se pautar em elementos probatórios concretos trazidos pela parte a quem aproveita (in casu, pelo devedor), não sendo lícito à autoridade judicial aplicar em abstrato o referido dispositivo legal, com base em simples alegações da parte devedora.
Valor probatório do SIAPE na transação administrativa da vantagem de 28,86% a servidores federais
O presente feito foi afetado pela Primeira Seção para ser julgado sob a sistemática dos recursos especiais repetitivos, a fim de "definir se é possível a comprovação de transação administrativa, relativa ao pagamento da vantagem de 28,86%, por meio de fichas financeiras ou documento expedido pelo Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos - SIAPE, conforme art. 7º, § 2º, da MP n. 2.169-43/2001, inclusive em relação a acordos firmados em momento anterior à vigência dessa norma". Nos termos do art. 37 da Constituição Federal, a Administração deve reger seus atos em estrita obediência ao princípio da legalidade, devendo toda sua atividade funcional se sujeitar aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, sob pena do ato ser considerado inválido e ineficaz diante de uma eventual arbitrariedade. A Medida Provisória n. 1.704/1998 estendeu aos Servidores Públicos Civis da Administração Direta, Autárquica e Fundacional do Poder Executivo Federal a vantagem de 28,86%, objeto da decisão do Supremo Tribunal Federal assentada no julgamento do Recurso Ordinário no Mandado de Segurança n. 22.307-7-DF. Após sucessivas reedições e adiamentos da data limite para celebrar a transação, a MP 1.962-33/ 2000, inseriu o §2º no art. 7º, que foi reproduzido na vigente MP 2.169-43/2001, e se encontra eficaz até os dias atuais, nos seguintes termos: "art. 7º. Ao servidor que se encontre em litígio judicial visando ao pagamento da vantagem de que tratam os arts. 1º ao 6º, é facultado receber os valores devidos até 30 de junho de 1998, pela via administrativa, firmando transação, até 19 de maio de 1999, a ser homologada no juízo competente. § 1º Para efeito do cumprimento do disposto nesta Medida Provisória, a Advocacia-Geral da União e as Procuradorias Jurídicas das autarquia se fundações públicas federais ficam autorizadas a celebrar transação os processos movidos contra a União ou suas entidades que tenham o mesmo objeto do Mandado de Segurança referenciado no art. 1º. § 2º Para feito da homologação prevista no caput, a falta do instrumento da transação, por eventual extravio, será suprida pela apresentação de documento expedido pelo SIAPE, que comprove a celebração da avença. A transação é negócio jurídico previsto no art. 840 e seguintes do Código Civil, segundo o qual os interessados, mediante concessões recíprocas, encerram ou previnem litígio, extinguindo as obrigações. No âmbito do Direito Público, é possível a transação de dívida mediante prévia autorização legislativa e demonstração da preservação do interesse público. No entanto, a autorização legislativa para que a Administração Pública possa transacionar é dirigida à Administração, e não ao particular. O art. 842 do Código Civil é expresso em dizer que se a transação se referir a direitos discutidos em juízo, será feita por escritura pública, ou por termo nos autos, assinado pelos transigentes e homologado pelo juiz; ou seja, a norma é expressa em dizer de que forma deve ser feita a transação envolvendo direitos discutidos em juízo. Somente a escritura pública e o ajuste assinado por ambos os transigentes, e homologado judicialmente, é que seriam aceitos. Com efeito, o art. 104, III, do Código Civil, é no sentido de que a validade do negócio jurídico requer a observância da forma prescrita ou não defesa em lei. Este é o caso, considerando que a escritura pública e o ajuste assinado são requisitos formais para a validade da transação de divergências postas em juízo. Trata-se de norma de direito material, e não processual, razão pela qual não pode ser aplicado aos processos em curso. Por sua vez, e de acordo com a União, o extrato do SIAPE é documento público, o qual goza de presunção juris tantum de veracidade acerca de todas as informações nele reportadas. O SIAPE é um sistema que busca centralizar e unificar todas as plataformas de gestão da folha de pessoal dos servidores públicos federais. "Hoje o SIAPE processa o pagamento de servidores, regidos tanto pelo Regime Jurídico Único Federal (Lei n. 8.112/90) quanto pela CLT e por outros regimes (Contratos Temporários, Estágios, Residência Médica, etc)". Também é oportuno salientar que os extratos fornecidos pelo SIAPE poderiam, a princípio, demonstrar a existência de pagamentos, e não do ajuste celebrado. No instrumento de transação, são dispostas inúmeras cláusulas, regulamentando os termos das concessões recíprocas. Um extrato interno da Administração Pública, como ressaltado, demonstra apenas um pagamento. A disposição contida no art. 7º, § 2º, da MP n. 1.962-33/2000, que foi reproduzida na vigente MP n. 2.169-43/2001, criou uma forma de demonstração da existência do negócio jurídico, que anteriormente era feito por meio da apresentação da escritura pública ou instrumento de transação assinado por ambos os acordante. A referida forma é válida, já que criada por lei. No entanto, somente pode ser aplicada aos negócios jurídicos celebrados após a sua edição, sob pena de surpreender os envolvidos e retroagir de forma prejudicial ao administrado, de modo que a comprovação, por meio dos extratos do SIAPE, deve ser aplicada a apenas aos acordos firmados após a sua vigência. Dessa forma, entende-se que é possível a comprovação de transação administrativa, relativa ao pagamento da vantagem de 28,86%, por meio de fichas financeiras ou documento expedido pelo SIAPE, conforme o art. 7º, § 2º, da MP n. 2.169-43/2001, apenas em relação a acordos firmados em momento posterior à vigência dessa norma. Ademais, ressalte-se que a vedação ao enriquecimento ilícito impede o pagamento de direitos não reconhecidos ou de pagamento de parcela já quitada. A restituição é devida não só quando não tenha havido causa que justifique o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir. Por isso, quando não for localizado o instrumento de transação devidamente homologado, e buscando impedir o enriquecimento ilícito, os valores recebidos administrativamente, a título de 28,86%, demonstrados por meio dos documentos expedidos pelo SIAPE, devem ser deduzidos do valor apurado, com as atualizações pertinentes.