Vedação de transferência ao arrematante de débitos tributários pretéritos em leilão de imóvel
A questão submetida a julgamento diz respeito à "Responsabilidade do arrematante pelos débitos tributários anteriores à arrematação, incidentes sobre o imóvel, em consequência de previsão em edital de leilão". Conforme o art. 146, III, da CF/1988, as normas gerais que versem sobre matéria tributária, dentre as quais se incluem a responsabilidade tributária, estão sujeitas à reserva de lei complementar. O Código Tributário Nacional, recepcionado com status de lei complementar, dedicou capítulo específico para tratar do tema, discorrendo sobre suas modalidades e esclarecendo que a lei poderá atribuir a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, a responsabilidade pelo pagamento do crédito tributário (art. 128, caput , do CTN). Especificamente em relação à responsabilidade dos sucessores, o caput do art. 130 do Código Tributário Nacional previu que, ressalvada a prova de quitação, o terceiro que adquire imóvel passa a ter responsabilidade pelos impostos, taxas ou contribuições de melhorias devidas anteriormente à transmissão da propriedade. Caso a aquisição ocorra em hasta pública, contudo, o parágrafo único excepciona a regra para estabelecer que o crédito tributário sub-rogar-se-á no preço ofertado. A partir de uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico, extrai-se que a distinção de tratamento entre a hipótese prevista pelo caput e a tratada no parágrafo único do art. 130 do CTN levou em conta o modo de aquisição da propriedade, da doutrina civilista. Na alienação comum, a aquisição do domínio ocorre de forma derivada, transmitindo-se, além do bem, os vícios, ônus ou gravames incidentes sobre ele (obrigação propter rem ), tendo-se em vista a relação de causalidade existente entre a propriedade do transmitente e a sua aquisição pelo adquirente. Já na alienação judicial, por sua vez, inexiste tal relação jurídica, visto que a aquisição do domínio é feita sem intermediação entre o proprietário anterior e o terceiro arrematante, concretizando-se de forma direta, originária, isentando-se, por consequência, o arrematante de quaisquer ônus que eventualmente incidam sobre o bem. Nesse sentido, a atribuição de responsabilidade tributária a terceiro, além das hipóteses já previstas pelo Código Tributário Nacional, depende de previsão em lei complementar e da existência de vínculo entre o terceiro e o fato gerador da obrigação (art. 146, III, da CF/88 c/c art. 128, caput , do CTN). A falta de liame entre o arrematante do bem e o fato gerador da obrigação tributária não permite a inclusão desse terceiro no polo passivo da relação jurídico-tributária, quanto o mais por simples previsão no edital do leilão judicial. Frente a previsão do Código de Processo Civil de que o edital da hasta pública deve mencionar os ônus incidente sobre o bem a ser leiloado (art. 686, V, do CPC/73 e art. 886, VI, do CPC/15), o Superior Tribunal de Justiça havia firmado entendimento de que o conteúdo do art. 130, parágrafo único, do CTN deveria ser afastado quando houvesse expressa previsão no edital imputando responsabilidade tributária ao arrematante, caso em que haveria sub-rogação pessoal, e não real, do crédito tributário. Necessário considerar, todavia, que, ao especificar o conteúdo mínimo do edital da hasta pública, o Código de Processo Civil (art. 686 do CPC/73 e art. 886 do CPC/2015) não atribuiu, sequer implicitamente, responsabilidade tributária ao arrematante, como também não poderia fazê-lo. A teor do art. 146, III, b , da CF/88, lei ordinária, notadamente a de natureza processual, não se presta para disciplinar norma geral de direito tributário, que se sujeita à reserva de lei complementar. Por se tratar de um ramo do Direito Público, o arcabouço normativo que disciplina o Direito Tributário possui natureza cogente, impondo claros e expressos limites à autonomia da vontade (art. 123, do CTN). Portanto, a prévia ciência e a eventual concordância, expressa ou tácita, do arrematante em assumir o ônus das exações que incidam sobre o imóvel não têm aptidão para configurar renúncia à aplicação do parágrafo único do art. 130 do CTN. Em observância ao regime jurídico de direito público, as normas gerais de direito tributário, entre as quais se inclui a responsabilidade tributária, devem ser tratadas como tal, não podendo sofrer flexibilização por meros atos administrativos, estes sim, sujeitos ao controle de legalidade. Do mesmo modo, como a responsabilidade tributária decorre de lei, não pode o edital da praça alterar o sujeito passivo da obrigação tributária, quer para criar nova hipótese de responsabilidade, quer para afastar previsão de irresponsabilidade, sob pena de afronta aos arts. 146, III, b, da CF/88 e arts. 97, III, 121, 128 e 130, parágrafo único, do CTN. Portanto, à luz dos conceitos basilares sobre hierarquia das normas jurídicas, não é possível admitir que norma geral sobre responsabilidade tributária, prevista pelo próprio CTN, cujo status normativo é de lei complementar, seja afastada por simples previsão editalícia em sentido diverso. A partir da interpretação sistemática da legislação tributária, conclui-se que: i) a aquisição da propriedade em hasta pública ocorre de forma originária, inexistindo responsabilidade do terceiro adquirente pelos débitos tributários incidentes sobre o imóvel anteriormente à arrematação, por força do disposto no parágrafo único do art. 130 do CTN; ii) a aplicação dessa norma geral, de natureza cogente, não pode ser excepcionada por previsão no edital do leilão, notadamente porque o referido ato não tem aptidão para modificar a definição legal do sujeito passivo da obrigação tributária; iii) é irrelevante a ciência e a eventual concordância, expressa ou tácita, do participante do leilão, em assumir o ônus pelo pagamento das exações que incidam sobre o imóvel arrematado, não configurando renúncia tácita ao disposto no art. 130, parágrafo único, do CTN; e iv) em atenção à norma geral sobre responsabilidade tributária trazida pelo art. 128 do CTN e à falta de lei complementar que restrinja ou excepcione o disposto no art. 130, parágrafo único, do CTN, é vedado exigir do arrematante, com base em previsão editalícia, o recolhimento dos créditos tributários incidentes sobre o bem arrematado cujos fatos geradores sejam anteriores à arrematação. Tese jurídica firmada: Diante do disposto no art. 130, parágrafo único, do Código Tributário Nacional, é inválida a previsão em edital de leilão atribuindo responsabilidade ao arrematante pelos débitos tributários que já incidiam sobre o imóvel na data de sua alienação. Com amparo nos princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia, impõe-se a modulação dos efeitos desta decisão. Por aplicação analógica do art. 1.035, § 11º do CPC/2015, a tese repetitiva fixada deverá ser aplicada aos leilões cujos editais sejam publicizados após a publicação da ata de julgamento do tema repetitivo, ressalvadas as ações judiciais ou pedidos administrativos pendentes de julgamento, em relação aos quais a aplicabilidade é imediata.
Eficácia subjetiva e territorial do título judicial em ação coletiva sindical estadual
Cinge-se a controvérsia, nos termos da afetação do recurso ao rito dos repetitivos, em "definir se a eficácia do título judicial de ação coletiva promovida por sindicato de âmbito estadual está restrita aos integrantes da respectiva categoria profissional (filiados ou não) lotados ou em exercício na base territorial da entidade sindical autora". Em ações individuais, em regra, a coisa julgada, com o fim de propiciar segurança jurídica às partes e ao sistema, vincula apenas as partes do processo, conforme dicção do art. 506 do Código de Processo Civil (efeitos inter partes ). No que se refere às ações coletivas, contudo, o art. 103, II, do Código de Defesa do Consumidor (CDC) prevê que a sentença fará coisa julgada: " Ultra partes , mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81". Necessário pontuar, ainda, que a eficácia do título judicial formado é limitada à competência territorial para a jurisdição (em processo de execução, por exemplo), devendo observar critérios objetivos para que produza efeitos; enquanto a eficácia da coisa julgada, como qualidade intrínseca e inseparável à sentença transitada em julgado, é ampla. O objeto ora em análise antecede qualquer discussão acerca de efeitos territoriais ou mesmo de competência para o processamento de execuções, porque atinente, mais especificamente, à legitimidade ativa (efeito subjetivo da coisa julgada), devendo ser considerados, primordialmente, os sujeitos beneficiados pelo título, conforme a abrangência do sindicato-parte. Assim, a limitação territorial dos efeitos da sentença, para se concluir quanto à tese aqui debatida, não ocorre pelo critério geográfico propriamente, mas é corolário da substituição processual no caso dos sindicatos que, esses sim, têm sua atuação limitada conforme sua base territorial e seu registro sindical. A limitação dos efeitos do título judicial à base territorial do sindicato autor decorre, portanto, do princípio constitucional da unicidade sindical, conforme o art. 8º, II, da Constituição Federal (CF), que veda a criação de mais de uma organização sindical na mesma base territorial. O texto constitucional impôs limites à atuação substitutiva dos sindicatos, sendo imperioso o respeito ao princípio da territorialidade, de modo que somente uma entidade sindical representativa de categoria pode existir em cada base territorial - podendo ser um município, um estado, ou todo o território nacional. Consoante o raciocínio apresentado, profissionais que não estejam dentro da mesma base territorial do sindicato, ainda que servidores federais que exerçam a mesma função em localidade diversa e vinculados a ente de outro território, não são por ele alcançados na substituição processual. Portanto, em virtude dos princípios da unicidade, da territorialidade e da especificidade, a substituição processual deve abranger os membros da categoria situados em cada base territorial, conforme registro sindical. Ressalte-se, que não é necessário que o membro da categoria seja sindicalizado ou resida no território de abrangência do sindicato. Isso porque o servidor poderá, por vontade sua ou do órgão a que pertence, ser deslocado para o exercício de suas funções em determinada localidade. Da mesma forma, um servidor federal lotado em determinado estado da federação pode trabalhar de forma remota e residir em localidade diversa. Esse servidor não poderá ser substituído pelo sindicato que defende a sua categoria exclusivamente no âmbito do estado onde reside, uma vez que está vinculado ao serviço federal exercido (ainda que em home office ) junto a órgão de outro estado. Assim, os efeitos de uma decisão judicial abrangida pela autoridade da coisa julgada e proferida no bojo de uma ação coletiva teria como beneficiários os integrantes da respectiva categoria profissional (filiados ou não). Logo, para se aferir quem são os servidores beneficiários dessa decisão, necessário distinguir os conceitos de domicílio, exercício e lotação no serviço público. Não obstante a possibilidade, de modo geral, de se ter mais de um domicílio, nos termos do art. 76, parágrafo único, do Código Civil (CC), é domicílio necessário do servidor público o "lugar em que exercer permanentemente suas funções". Por local de exercício entende-se, de modo mais literal, a localidade física a que o servidor teria que se apresentar acaso trabalhasse de forma presencial. Já a lotação representa a unidade, repartição, departamento, órgão ou entidade, em que o servidor presta ou exerce as atribuições e responsabilidades de seu cargo, ou seja, a menor unidade em um órgão a que o servidor esteja vinculado. Nesse sentido, é mais adequada a utilização da terminologia "domicílio", cuja acepção decorre da lei, para o fim de se aferir os legitimados a propor o cumprimento de título executivo judicial decorrente de ação coletiva ajuizada por sindicato. Sob essa perspectiva, servidor federal com domicílio necessário em determinado estado - portanto substituído pelo sindicato de sua categoria cuja base territorial é aquele estado -, ainda que lotado e em exercício provisório em outro estado, não se beneficia do título formado a partir de ação coletiva proposta por sindicato de servidores federais do estado onde se encontra lotado provisoriamente, sendo parte ilegítima a propor o cumprimento daquela sentença. Dessa forma, o sindicato limita a sua substituição processual e atuação conforme a sua base territorial, prevista em seu registro sindical, o que legitima os servidores nela domiciliados (nos termos do art. 76, parágrafo único, do CC) a se beneficiarem da coisa julgada formada em ação coletiva em que figure como autor. A questão da localidade, portanto, resolve-se na abrangência da atuação do sindicato-autor da demanda coletiva: basta ser a ele vinculado, independentemente de filiação, para ser por ele substituído, devendo ser observada a categoria profissional e a pertinência do direito reconhecido na ação coletiva.
Incabível fixação de honorários na exceção de pré-executividade por prescrição intercorrente em execução fiscal
A questão jurídica controvertida a ser equacionada, em julgamento submetido à sistemática dos repetitivos, diz respeito à possibilidade de fixação de honorários advocatícios quando a exceção de pré-executividade é acolhida para extinguir a execução fiscal, em razão do reconhecimento da prescrição intercorrente, nos termos do art. 40 da Lei n. 6.830/1980 (Lei de Execuções Fiscais - LEF). A fixação da verba de advogado com base no princípio da sucumbência consiste na verificação objetiva da parte perdedora, à qual caberá arcar com o ônus referente ao valor a ser pago ao advogado da parte vencedora, e está assim previsto no art. 85, caput, do CPC/2015: "a sentença condenará o vencido a pagar os honorários ao advogado do vencedor". Já o princípio da causalidade tem como finalidade responsabilizar aquele que fez surgir para a parte ex adversa a necessidade de se pronunciar judicialmente, dando causa à lide que poderia ter sido evitada, como bem leciona a doutrina. É exatamente sob essa perspectiva - aplicação do princípio da sucumbência e/ou da causalidade - que deve ser examinado o cabimento, ou não, da fixação da verba honorária nos casos em que, após a apresentação de exceção de pré-executividade pelo executado, a execução fiscal é extinta em razão da ocorrência da prescrição intercorrente. Vale destacar que a prescrição intercorrente, diferentemente da prescrição ordinária ou direta, prevista no art. 174 do CTN, cujo marco inicial consiste na constituição definitiva do crédito tributário e antecede a propositura do feito executivo, é deflagrada já no curso da execução fiscal, com a prolação da decisão de arquivamento dos autos, conforme dispõe o art. 40 da Lei n. 6.830/1980. Verifica-se que, no caput do art. 40 da Lei n. 6.830/1980, há um aspecto fundamental ao deslinde da controvérsia: a prescrição intercorrente, no âmbito da execução fiscal, pressupõe a não localização do devedor ou de bens de sua propriedade sobre os quais possa recair a penhora, situações de fato relacionadas essencialmente ao devedor e cuja constatação apenas se dará após a propositura feito executivo. É relevante pontuar, ainda, que o reconhecimento da prescrição intercorrente, nas hipóteses acima apontadas, não infirma a existência das premissas que autorizavam o ajuizamento da execução fiscal, relacionadas com a presunção de certeza e liquidez do título executivo e com a inadimplência do executado. Assim, a constatação da prescrição no curso da execução fiscal, pelo juiz da causa, mesmo após a provocação por meio da apresentação de exceção de pré-executividade pelo executado, inviabiliza a atribuição ao credor dos ônus sucumbenciais, de acordo com os princípios da sucumbência e causalidade, sob pena de indevidamente beneficiar a parte que não cumpriu oportunamente com a sua obrigação. Cabe pontuar que essa conclusão deve ser admitida mesmo que a exequente se insurja contra a alegação do devedor de que a execução fiscal deve ser extinta com base no art. 40 da LEF. Ou seja, se esse fato superveniente - prescrição intercorrente - for a justificativa para o acolhimento da exceção de pré-executividade, não há falar em fixação de verba honorária. Tese jurídica fixada: À luz do princípio da causalidade, não cabe fixação de honorários advocatícios na exceção de pré-executividade acolhida para extinguir a execução fiscal em razão do reconhecimento da prescrição intercorrente, prevista no art. 40 da Lei n. 6.830/1980.
Agravante do art. 226, II, para motorista escolar em crimes sexuais contra crianças e adolescentes
A causa de aumento da pena do inciso II do art. 226 do CP se ancora na especial relação de poder, confiança ou subordinação entre o agente e a vítima, o que confere ao delito uma gravidade diferenciada. Tal relação transcende a mera circunstância do fato, consistindo em um abuso de uma posição que deveria promover proteção e respeito, mas que, ao contrário, se corrompe em instrumento de violação à dignidade sexual da vítima. A intensificação do abuso é exacerbada pela vulnerabilidade intrínseca da vítima, que, confiando no agente, se vê subjugada pela proximidade ou pela autoridade exercida. A intenção da majorante é clara: sancionar mais severamente aqueles que, valendo-se de uma posição de confiança, subvertem tal relação para fins ilícitos, potencializando a gravidade do crime pelo uso do poder ou da autoridade. A confiança, aqui, torna-se uma causa de aumento da pena, na medida em que a vítima, por confiar no agente, vê sua capacidade de resistência fragilizada, sendo conduzida a uma situação de completa vulnerabilidade. É preciso considerar essa vulnerabilidade no momento da dosimetria da pena, como um fator a justificar uma resposta penal mais rigorosa, que leve em conta o abalo psicológico e social causado. Nessa linha, no julgamento do AgRg no HC 567.406/RS, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento segundo o qual, nos casos de estupro de vulnerável, a posição de garante contratual, como a exercida por um motorista de transporte escolar, configura autoridade de fato sobre a vítima, legitimando a aplicação da referida causa de aumento. O preposto, nesse contexto, não apenas assume o dever de proteger a integridade física e moral dos menores transportados, mas também exerce uma influência direta sobre eles, caracterizando a relação de confiança e autoridade requerida para o aumento da pena. No que concerne à condenação de um motorista de transporte escolar pelo crime de estupro de vulnerável, previsto no art. 217-A do Código Penal, é crucial ressaltar que a função de motorista de van escolar o coloca na posição de garantidor da integridade física e moral dos menores sob sua vigilância. Nessa qualidade, exerce, de fato, uma forma de autoridade que transcende a simples prestação de serviço de transporte, pois lhe é conferida a responsabilidade de zelar pela segurança e bem-estar dos passageiros. A violação desse dever, ao invés de apenas constituir uma quebra contratual, assume relevância penal, uma vez que transforma o próprio vínculo fiduciário em instrumento para a perpetração do crime. O ordenamento jurídico, ao prever o aumento de pena no art. 226, II, reconhece o maior grau de censurabilidade daquele que, estando em posição de garantidor, se vale dessa posição para a prática do ilícito, comprometendo assim tanto a confiança depositada nele quanto o dever de resguardar a formação moral e a integridade física do indivíduo sob sua tutela. Aqui, o desvalor da ação é ainda mais evidente, pois o agente infringe o dever ético-jurídico de proteger, o que debilita sobremaneira a capacidade de defesa da vítima, especialmente em razão de sua vulnerabilidade etária. Essa gravidade, portanto, não se limita ao desvalor da ação em si, mas expande-se ao plano subjetivo do agente, cujo dever de proteção é intencionalmente transgredido para violar a dignidade da vítima, ensejando, assim, a necessária aplicação do aumento penal, como medida de reprovação e prevenção, conforme preconiza o sistema penal pátrio.
Impossibilidade de usucapião de imóvel de sociedade de economia mista afetado a serviço público essencial
O propósito da controvérsia é definir se há possibilidade de usucapião de imóvel de sociedade de economia mista. Conforme entendimento do STJ, os bens integrantes do acervo patrimonial de sociedade de economia mista ou empresa pública não podem ser objeto de usucapião quando sujeitos à destinação pública. A concepção de "destinação pública", apta a afastar a possibilidade de usucapião de bens das empresas estatais, tem recebido interpretação abrangente por parte do STJ, de forma a abarcar, inclusive, imóveis momentaneamente inutilizados, mas com demonstrado potencial de afetação a uma finalidade pública. Exemplo disso é que o STJ, conforme julgamento no REsp n. 1.874.632/AL, firmou o posicionamento de que, "mesmo o eventual abandono de imóvel público não possui o condão de alterar a natureza jurídica que o permeia, pois não é possível confundir a usucapião de bem público com a responsabilidade da Administração pelo abandono de bem público. Com efeito, regra geral, o bem público é indisponível [...]. Eventual inércia dos gestores públicos, ao longo do tempo, não pode servir de justificativa para perpetuar a ocupação ilícita de área pública, sob pena de se chancelar ilegais situações de invasão de terras". Diante disso, na eventual colisão de direitos fundamentais, como o de moradia e o da supremacia do interesse público, deve prevalecer, em regra, este último, norteador do sistema jurídico brasileiro, porquanto a prevalência dos direitos da coletividade sobre os interesses particulares é pressuposto lógico de qualquer ordem social estável. Assim, na verificação da destinação pública de um bem pertencente a uma empresa pública ou sociedade de economia mista, deve-se observar a premissa da supremacia do interesse público sobre o privado e o potencial de utilização do bem para atender a alguma finalidade pública.