Este julgado integra o
Informativo STJ nº 849
Tese Jurídica
O artigo 62 do Código Florestal só pode ser usado para regularizar ocupações humanas antigas, feitas até 22 de julho de 2008, em Áreas de Preservação Permanente (APPs) no entorno de reservatórios artificiais antigos. Para ocupações feitas depois dessa data, a proteção ambiental deve seguir a faixa estabelecida na licença ambiental do empreendimento, mesmo que seja mais ampla. Assim, o dispositivo não autoriza novas ocupações nem serve para reduzir a área protegida prevista em licenciamento.
Comentário Damásio
Resumo
A controvérsia tem origem em uma ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal buscando a destruição das intervenções na Área de Preservação Permanente - APP no entorno de reservatório de água de Usina Hidroelétrica (UHE), além de reparação e imposição de deveres de fiscalização, O acórdão recorrido assentou que a ocupação antrópica da área debatida nos autos é antiga. Diga-se, ainda, que não se demonstrou a existência de intervenções humanas posteriores ao marco temporal de 22/7/2008. Logo, a questão controvertida resume-se à pretensão de reconhecimento, em caráter declaratório, da extensão da APP, conforme as disposições do atual Código Florestal. Assim, o objeto recursal é a declaração de que as ocupações antrópicas a partir de 22/7/2008 devem respeitar a APP, tal qual definida na licença ambiental de operação. A Lei n. 12.651/2012, atual Código Florestal, entrou em vigor no curso do processo judicial e suas disposições são dúbias. Não há, porém, maior dúvida quanto à aplicabilidade da lei nova - atual Código Florestal. O ponto nodal está em saber se a disposição transitória do art. 62 do Código Florestal desconstitui a APP delimitada na licença ambiental, na forma do art. 4º, III; ou se a APP definida na licença deve ser respeitada, ainda que apenas para ocupações antrópicas posteriores. A definição é importante, porque a ocupação antrópica em APP deve obedecer a um regime jurídico estrito e rigoroso. A proteção aplica-se ainda que a área não esteja coberta por vegetação nativa (art. 3º, II) e exige a manutenção (art. 7º do Código Florestal) ou a recuperação da flora suprimida (art. 7º, §1º). Intervenção ou supressão da vegetação são toleradas apenas em hipóteses excepcionais (art. 8º do Código Florestal). O Código Florestal define Área de Preservação Permanente como a "área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas" (art. 3º, II). Trata-se, portanto, de fração da superfície sujeita a um regime de proteção, criada em razão de um fato jurídico - existência de um acidente geográfico (rios, lagos, nascentes, encostas, restingas, manguezais, bordas de chapadas, todos de morros, veredas, etc., art. 4º do Código Florestal) -, para atender a uma finalidade especial (art. 6º do Código Florestal), De acordo com a legislação anterior, a APP seria delimitada no licenciamento ambiental, devendo ser de no mínimo 30 (trinta) metros para reservatórios em áreas urbanas e 100 (cem) metros para áreas rurais, contados em projeção horizontal a partir do nível máximo normal, na forma do art. 3º, I, e § 1º, da Resolução n. 302/2002 do Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA, a qual foi expedida no exercício da competência atribuída pelo art. 4º, § 6º, da Lei n. 4.771/1965 (antigo Código Florestal), com redação dada pela MP n. 2.166-67/2001. As normas definitivas do atual Código Florestal seguem linha bastante semelhante. O "entorno dos reservatórios d'água artificiais, decorrentes de barramento ou represamento de cursos d'águas naturais" é Área de Preservação Permanente (art. 4º, III). A extensão da APP não é dada diretamente pela lei, mas pela licença ambiental. A lei estabelece que a área corresponde à "faixa definida na licença ambiental do empreendimento" (art. 4º, III). A redação original previa um mínimo de 15 (quinze) metros para reservatórios "situados em áreas rurais com até 20 (vinte) hectares de superfície", mas essa disposição foi revogada (Lei n. 12.727/2012). Resta em vigor apenas dispositivo que define uma faixa mínima e máxima para a APP, conforme o art. 5º do Código Florestal. Por sua vez, o art. 62 está inserido na Seção II, denominada "Das Áreas Consolidadas em Áreas de Preservação Permanente", no Capítulo XIII, "DAS DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS". Esse artigo incide apenas para os reservatórios antigos - "reservatórios artificiais de água destinados a geração de energia ou abastecimento público que foram registrados ou tiveram seus contratos de concessão ou autorização assinados anteriormente à Medida Provisória nº 2.166-67, de 24 de agosto de 2001". Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça vem interpretando restritivamente as disposições do Código Florestal que consolidam ilícitos ambientais, perenizando ocupações antrópicas em áreas protegidas. É numa perspectiva de hermenêutica restritiva que o art. 62 do Código Florestal deve ser encarado. Esse artigo, como indica sua própria localização topográfica, apenas consolida ocupações antrópicas preexistentes. A consolidação de ocupações antrópicas anteriores a 22/7/2008 permeia o atual Código Florestal. Em vários de seus artigos, intervenções humanas e supressões da vegetação são tidas por regularizadas, ou abrandadas sanções aplicáveis, no intuito de regularizar situações que, embora contrárias ao direito, são tidas por consumadas. O dia 22/7/2008 é adotado pela lei como o marco temporal dessa tolerância. Todavia, o art. 62 não menciona o marco temporal de 22/7/2008. No entanto, também ele se insere num contexto de consolidação de ocupações antigas, sem revogar o regime perene. Assim, o dispositivo deve ser compreendido como uma tolerância, uma consolidação de ocupações anteriores ao marco temporal. Para ocupações posteriores a essa data, vale a Área de Preservação Permanente definida na forma das normas definitivas do Código Florestal, ou seja, aquela definida na licença ambiental. Destarte, o art. 62 do Código Florestal não desconstitui a APP delimitada na licença de operação. Ele apenas tolera as ocupações anteriores a 22/7/2008. Em suma, mesmo para os reservatórios artificiais de água destinados à geração de energia ou ao abastecimento público que foram registrados ou tiveram seus contratos de concessão ou autorização assinados anteriormente à Medida Provisória nº 2.166-67, de 24 de agosto de 2001, a faixa da Área de Preservação Permanente é definida na licença ambiental do empreendimento, na forma do art. 4º, III, do Código Florestal, aplicando-se o art. 62 do Código Florestal apenas para consolidar e dar por regularizadas as ocupações antrópicas preexistentes a 22/7/2008.
Conteúdo Completo
O artigo 62 do Código Florestal só pode ser usado para regularizar ocupações humanas antigas, feitas até 22 de julho de 2008, em Áreas de Preservação Permanente (APPs) no entorno de reservatórios artificiais antigos. Para ocupações feitas depois dessa data, a proteção ambiental deve seguir a faixa estabelecida na licença ambiental do empreendimento, mesmo que seja mais ampla. Assim, o dispositivo não autoriza novas ocupações nem serve para reduzir a área protegida prevista em licenciamento.
Informações Gerais
Número do Processo
REsp 2.141.730-SP
Tribunal
STJ
Data de Julgamento
22/04/2025