Falsa identidade configura crime formal consumado com a atribuição de dados falsos independentemente de resultado
Cinge-se a controvérsia em definir a natureza jurídica do crime de falsa identidade, de forma a estabelecer se a consumação ocorre com a simples atribuição de falsa identidade a si ou a outrem, independentemente de resultado naturalístico. O tipo penal do art. 307 do Código Penal (CP) pune a conduta daquele que atribui a si mesmo ou a terceiro falsa identidade, com o fim específico de obter vantagem, em proveito próprio ou alheio, ou de causar dano a outrem. O bem jurídico tutelado pela norma em questão é a fé pública. Diversamente de outros delitos do mesmo capítulo, como a moeda falsa ou a falsidade documental, que recaem sobre objetos, protege-se, nesta hipótese, "a fé na individuação pessoal". Isto é, a confiança que se tem, nas relações sociais, quanto à essência, à identidade, ao estado civil ou outra qualidade juridicamente relevante da pessoa, conforme a doutrina. Exige-se, para a tipificação do tipo, a prática de uma conduta comissiva, ou seja, um fazer, já que o preceito primário se utiliza especificamente do verbo positivo atribuir, afastando, assim, a possibilidade de realização típica por conduta omissiva. Além disso, faz-se necessário que haja, por parte do agente, vontade consciente de atribuir-se ou atribuir a outrem a falsa identidade, bem como esteja presente o elemento subjetivo do injusto ou a finalidade específica de obter, para si ou para outrem, vantagem de qualquer natureza ou, ainda, de causar dano a alguém. Contudo, bem alerta a doutrina sobre o tema, a obtenção da finalidade perseguida pelo agente é irrelevante para a configuração típica, em razão da natureza formal do crime. Portanto, a consumação delitiva ocorre assim que o agente inculca a si ou a outrem a falsa identidade, sendo irrelevantes a causação de prejuízo ou a obtenção de efetiva vantagem pelo agente. É indiferente, para a consumação típica, o fato de o destinatário da declaração falsa verificar, em sequência, a real identidade do indivíduo, ou mesmo ter o próprio agente se identificado corretamente em momento posterior. Em outras palavras, a inexistência de prejuízo a terceiros ou às investigações não afasta a tipificação do crime e, dessa forma, não conduz à absolvição do acusado. Em resumo, conforme orientação consolidada no Superior Tribunal de Justiça (STJ), o crime de falsa identidade é formal, ou seja, consuma-se com a simples conduta de atribuir-se falsa identidade, apta a ocasionar o resultado jurídico do crime, sendo dispensável a ocorrência de resultado naturalístico, consistente na obtenção de vantagem para si ou para outrem ou de prejuízo a terceiros.
Interrupção da prescrição contra a União por citação de corréus e mora judicial
A controvérsia jurídica afetada no Tema Repetitivo 1131/STJ foi assim sintetizada: "Definir, nas ações que tenham como objeto o Tema Repetitivo 928/STJ, se a retroação da interrupção da prescrição à data da propositura da ação, nos termos do disposto no art. 240, § 1º, do CPC/2015 (art. 219, § 1º, do CPC/1973), deve ocorrer também quando a citação da parte legítima se der fora do prazo prescricional, caso a demora no ato citatório decorra do reconhecimento da existência de litisconsórcio passivo necessário durante a tramitação do feito.". Nesse contexto, a adequada delimitação da controvérsia exige uma breve contextualização histórica do Tema 928/STJ, cuja matéria de fundo discutida se refere à regularidade do Curso de Capacitação para Docentes, instituído pelo Estado do Paraná em 2002, em parceria com a Fundação Faculdade Vizinhança Vale do Iguaçu - Vizivali, na modalidade semipresencial, destinado aos professores que atuavam na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental. O curso foi autorizado pelo Conselho Estadual de Educação do Paraná, com fundamento no art. 87, § 3º, III, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB. Contudo, após alguns anos do implemento do programa, pairou incerteza quanto à validade do Curso de Capacitação ofertado pela Faculdade Vizivali - e, por conseguinte, dos diplomas por ela expedidos -, porquanto o seu credenciamento teria sido efetuado pelo Estado do Paraná, ente que não detinha competência para tanto. O Conselho Nacional de Educação, em um primeiro momento, reconheceu a validade do programa. Posteriormente reviu seu posicionamento, sob o argumento de que o credenciamento da faculdade deveria ter sido realizado pela União, nos termos do art. 80, § 1°, da LDB. Em razão disso, posicionou-se pela irregularidade do curso e, consequentemente, pela impossibilidade de registro dos diplomas. Em consequência, milhares de ações foram ajuizadas na Justiça Estadual contra o Estado do Paraná e a instituição de ensino, objetivando a expedição do diploma e/ou o pagamento de indenização por danos morais e materiais. À época, a jurisprudência oscilava quanto à legitimidade passiva da União e à competência para o julgamento das ações, de modo que muitas ações foram regularmente processadas e julgadas no âmbito da Justiça Estadual. Somente em 24/4/2013, o entendimento foi uniformizado quando a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o Tema Repetitivo 584/STJ, reconheceu que a União deveria integrar o polo passivo das ações relativas ao curso semipresencial ministrado pela instituição Vizivali, no âmbito do programa instituído pelo Estado do Paraná, tendo em vista que a controvérsia envolvia a definição do ente federativo competente para o credenciamento do referido curso superior. Em resumo, a Primeira Seção reconheceu a necessidade de formação de litisconsórcio passivo necessário entre União, o Estado do Paraná e a Faculdade Vizivali, sem, no entanto, analisar a extensão da responsabilidade de cada litisconsorte pelos prejuízos causados aos alunos. Posteriormente, em 8/11/2017, o STJ julgou o Tema Repetitivo 928/STJ com o objetivo de definir: (i) a possibilidade de expedição de diploma do curso ministrado pela referida faculdade na modalidade semipresencial; e (ii) a eventual responsabilização da União, do Estado do Paraná e da instituição de ensino pelos danos decorrentes da negativa na entrega dos diplomas. Na ocasião, reconheceu-se a regularidade do Curso de Capacitação instituído pelo Estado do Paraná, com fundamento na Lei n. 10.172/2001, que instituiu o Plano Nacional de Educação, e na regra de transição prevista no art. 87, § 3º, III, da LDB, que permitia que Estados e Municípios realizassem programas de capacitação para todos os professores em exercício, inclusive por meio de educação a distância. Por sua vez, a responsabilidade dos envolvidos foi definida com base na situação individual dos alunos matriculados no curso: (i) em se tratando de professor com vínculo formal com instituição pública ou privada, a União é exclusivamente responsável pelo registro do diploma e pela indenização pelos danos causados; (ii) nos casos de professores voluntários ou com vínculo precário, a União responde pelo registro, mas a indenização deve ser suportada solidariamente pela União e pelo Estado do Paraná; (iii) quanto aos estagiários, não há direito ao registro do diploma, cabendo à Faculdade Vizivali a responsabilidade exclusiva por eventuais danos. Nesse contexto, antes do julgamento dos Temas Repetitivos 584/STJ e 928/STJ, havia fundada divergência jurisprudencial quanto à legitimidade passiva e responsabilidade da União, o que justificou o ajuizamento de inúmeras ações na Justiça Estadual, apenas contra o Estado do Paraná e a instituição de ensino. Portanto, a controvérsia a ser enfrentada neste Tema 1131/STJ é definir se, nas ações relativas ao Tema Repetitivo 928/STJ, a interrupção da prescrição deve retroagir à data da propositura da ação, nos termos do art. 240, § 1º, do CPC/2015 (art. 219, § 1º, do CPC/1973), mesmo quando a citação da parte legítima - que não integrava o polo passivo originalmente - ocorrer após o implemento do prazo prescricional, em razão do reconhecimento, no curso do processo, da necessidade de formação de litisconsórcio passivo necessário. Os artigos 202 do Código Civil (CC); e 240, § 1º, do CPC/2015 (correspondente ao art. 219, § 1º,do CPC/1973) tratam da eficácia interruptiva da prescrição. A interpretação conjunta desses dispositivos evidencia que a interrupção da prescrição, operada pelo despacho que ordena a citação, retroage à data da propositura da ação, desde que o interessado a promova no prazo e na forma da lei processual. A validade do ato citatório é, portanto, condição indispensável para a eficácia interruptiva da prescrição. Em outras palavras, somente a citação válida e tempestiva da parte legítima tem o condão de interromper a prescrição. No caso, a União defende que a retroação da interrupção da prescrição à data da propositura da ação somente é possível quando a citação da parte legítima ocorrer dentro do prazo prescricional. Nesse contexto, é necessário definir se os efeitos da citação válida do Estado do Paraná e do estabelecimento de ensino superior - contra os quais a ação foi inicialmente proposta - se estendem também à União, que somente foi citada após o decurso do prazo prescricional, devido ao reconhecimento, no curso do processo, da necessidade de formação de litisconsórcio passivo necessário. A jurisprudência do STJ tem reconhecido a possibilidade de interrupção da prescrição quando o autor propõe a ação contra aquele que, com base em elementos razoáveis, acreditava ser o legítimo responsável - situação que autoriza a aplicação da Teoria da Aparência. Nos casos em discussão, a aplicação da Teoria da Aparência - e a consequente interrupção do prazo prescricional - revela-se plenamente possível, já que, à época do ajuizamento das ações, havia divergência jurisprudencial acerca da legitimidade passiva da União, o que justifica a opção dos autores por direcionar a demanda apenas contra o Estado do Paraná e a faculdade, sobretudo considerando que diversas demandas semelhantes estavam sendo regularmente processadas perante a Justiça Estadual. Nesse ponto, é importante destacar que, ainda que, no julgamento do mérito, reconheça-se a responsabilidade exclusiva da União, isso não implica necessariamente a ilegitimidade passiva dos demais réus, o que reforça a aplicação do disposto no art. 240, § 1º, do CPC/2015, possibilitando a extensão dos efeitos da interrupção e retroação do prazo prescricional à parte que não integrava a relação processual originalmente. Além da Teoria da Aparência, há ainda outro fundamento jurídico relevante que permite estender a interrupção do prazo prescricional ao litisconsorte cuja citação se deu após o prazo prescricional: a solidariedade. Em regra, a interrupção da prescrição não aproveita nem prejudica os demais credores ou devedores, conforme preceitua o art. 204, caput, do CC/2002. Contudo, de acordo com o seu § 1º, a regra é excepcionada no regime de solidariedade: a interrupção da prescrição contra um devedor solidário atinge os demais. Antes do julgamento do Tema Repetitivo 928, a jurisprudência firmada no âmbito do Tribunal Regional Federal da 4ª Região oscilava sobre a solidariedade existente entre os envolvidos. No julgamento do aludido Tema 928, a Primeira Seção do STJ apenas reconheceu a solidariedade entre a União e o Estado do Paraná nos casos de professores sem vínculo formal com instituição pública ou privada de ensino. Neste ponto, vale dizer que a aplicação do § 1º do art. 204 do CC justifica-se também nos demais casos, em que a responsabilidade foi atribuída exclusivamente à União ou à instituição de ensino, tendo em vista a histórica divergência jurisprudencial sobre a solidariedade entre os réus. Portanto, a solidariedade reconhecida pelas instâncias ordinárias e pelo STJ nos casos em análise reforça o entendimento de que os efeitos da interrupção da prescrição decorrente da citação válida do Estado do Paraná e da Vizivali alcançam a União, ainda que esta só tenha sido citada após o decurso de mais de cinco anos do ajuizamento da ação. O raciocínio desenvolvido contém em si um elemento que, não obstante implícito, não pode ser ignorado: a demora na citação da União se deu por motivos alheios à vontade da parte autora. Nesse contexto, emerge mais um fundamento jurídico que se soma aos já expostos reforçando a solução aqui apresentada: a parte não pode ser prejudicada pela demora na citação da União, imputável exclusivamente ao serviço judiciário. O pressuposto autorizador da perda do direito de ação pela prescrição é a inércia, ou seja, a negligência do sujeito que deixa perecer o direito do qual é titular, ao não ajuizar a ação no prazo legal ou não adotar todas as providências necessárias para a citação do devedor e para o desenvolvimento válido do processo - o que, definitivamente, não se verifica no presente casso. Nesse sentido, são inúmeros os precedentes deste STJ que reconhecem que a parte que deduz sua pretensão dentro do prazo legal não pode ser lesada pela demora a que não deu causa. Em outras palavras, para a caracterização da prescrição, não basta o simples transcurso do tempo: é indispensável a presença simultânea da possibilidade de exercício do direito de ação e da inércia do seu titular. Por fim, para cumprimento do requisito legal e regimental, propõe-se a seguinte tese jurídica: Nas ações relacionadas ao Tema Repetitivo 928, a citação válida do Estado do Paraná e da Faculdade Vizivali tem o condão de interromper a prescrição também em relação à União, com efeitos retroativos à data da propositura da ação. Esse entendimento aplica-se inclusive aos casos em que a citação da União tenha ocorrido após o decurso de cinco anos desde o ajuizamento da demanda, quando essa demora for imputável exclusivamente ao Poder Judiciário, em razão do reconhecimento, no curso do processo, da necessidade de formação de litisconsórcio passivo necessário.
Requisição direta de relatórios do COAF pelo Ministério Público exige ordem judicial
A questão em discussão consiste em saber se é possível a solicitação direta de relatórios de inteligência financeira pelo Ministério Público ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) sem autorização judicial. Como se sabe, em 2019, o Supremo Tribunal Federal, por maioria, fixou tese no tema 990 da repercussão geral e consolidou o seguinte entendimento: "1. É constitucional o compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira da UIF e da íntegra do procedimento fiscalizatório da Receita Federal do Brasil, que define o lançamento do tributo, com os órgãos de persecução penal para fins criminais, sem a obrigatoriedade de prévia autorização judicial, devendo ser resguardado o sigilo das informações em procedimentos formalmente instaurados e sujeitos a posterior controle jurisdicional. 2. O compartilhamento pela UIF e pela RFB, referente ao item anterior, deve ser feito unicamente por meio de comunicações formais, com garantia de sigilo, certificação do destinatário e estabelecimento de instrumentos efetivos de apuração e correção de eventuais desvios" (RE 1.055.941, Tribunal Pleno, Rel. Ministro Dias Toffoli, DJe 18/3/2021). Muito embora a tese tenha trazido clareza acerca da possiblidade de compartilhamento de dados da Receita Federal do Brasil - RFB e do Conselho de Controle de Atividades Financeiras - Coaf com os órgãos de persecução penal sem autorização judicial, a partir da fixação desse entendimento, derivaram duas grandes discussões nos Tribunais do país: a primeira, se a via contrária seria possível, isto é, se os órgãos de persecução penal estariam autorizados a solicitarem relatórios de inteligência financeira diretamente, sem, portanto, autorização judicial; e a segunda, se o procedimento formal a que faz referência o tema implicaria a necessidade de instauração de inquérito policial ou de procedimento investigatório criminal, ou seja, se seria possível a solicitação em procedimento formal diverso. O contexto jurisprudencial, portanto, de posições dissonantes evidencia a dificuldade do equilíbrio entre a eficiência na investigação criminal e a proteção de direitos fundamentais das pessoas submetidas à jurisdição penal. Conforme mencionado anteriormente, o objeto do tema da repercussão geral 990, do Supremo Tribunal Federal, consiste no exame da constitucionalidade do compartilhamento de informações financeiras e fiscais entre órgãos de controle e autoridades de persecução penal sem a necessidade de autorização judicial prévia. A matéria se insere em um debate jurisprudencial mais amplo sobre a proteção de dados pessoais e, por conseguinte, do direito à privacidade, e a eficiência de investigações criminais. A Constituição Federal assegura o direito fundamental à privacidade e à proteção de dados pessoais (art. 5º, incisos X e LXXIX da CF), de modo que medidas que restrinjam tais direitos devem, sempre, ser analisadas de forma cuidadosa, especialmente, quando se está a tratar do tema de forma geral e abstrata, como é o caso de um tema em repercussão geral. A Unidade de Inteligência Financeira (UIF) é um órgão dotado de autonomia técnica e operacional, vinculado administrativamente ao Banco Central do Brasil, responsável por produzir e gerir informações de inteligência financeira que sirvam para prevenir e combater crimes como lavagem de lavagem de dinheiro, financiamento de terrorismo, financiamento da proliferação de armas de destruição em massa, dentre outros. A Unidade, portanto, administra e analisa inúmeros dados financeiros, fornecidos por bancos, seguradoras, cartórios etc., que podem ser encaminhados à Receita Federal do Brasil e aos órgãos de persecução criminal em caso de indícios de ilicitude tributária ou penal. O Coaf é a Unidade de Inteligência Financeira (UIF) do Brasil e, assim, a autoridade administrativa central do sistema de prevenção e combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo e da proliferação de armas de destruição em massa, especialmente no recebimento, análise e disseminação de informações de inteligência financeira. Como Unidade de Inteligência Financeira, o Coaf recebe informações pelos sujeitos obrigados, nas hipóteses previstas pela Lei n. 9.613/1998, cruza os dados e produz os respectivos relatórios de inteligência, sem emitir qualquer juízo de veracidade das informações ou investigar potenciais ilicitudes. A Lei n. 9.613/1998, determina, em seu art. 11, que as instituições financeiras e demais pessoas físicas e jurídicas que trabalhem com recursos financeiros, moeda estrangeira, títulos mobiliários etc. (art. 9º) comuniquem ao Coaf qualquer movimentação financeira atípica, ou seja, que ultrapasse determinado valor que é fixado pela autoridade administrativa. Com as informações que recebe, o Coaf analisa o dado com o objetivo de identificar se existe nela algum indício de lavagem de dinheiro, de financiamento do terrorismo ou de outros crimes. Caso seja identificado algum indício de ilícito é, então, elaborado o Relatório de Inteligência Financeira (RIF) que é encaminhado às autoridades competentes para a respectiva investigação. Do ponto de vista legal, o fundamento para o compartilhamento se concentra na previsão do art. 15, Lei n. 9.613/1998, que estabelece que "(o) Coaf comunicará às autoridades competentes para a instauração dos procedimentos cabíveis, quando concluir pela existência de crimes previstos nesta Lei, de fundados indícios de sua prática, ou de qualquer outro ilícito". Da leitura do dispositivo, podem ser extraídas duas conclusões relevantes. O artigo 15 da Lei de Lavagem de dinheiro trata, ao menos de forma expressa, apenas, do compartilhamento pelo Coaf às autoridades competentes, e não da via oposta. E, ainda, fica claro que o Coaf não tem autoridade para realizar quebra de sigilo bancário e fiscal. Trabalha com a informação fornecida para produzir seus relatórios e, caso identifique irregularidades, como dito anteriormente, encaminha para os órgãos competentes para a apuração. Conquanto os relatórios de inteligência possuam menor nível de detalhamento sobre as movimentações financeiras em comparação, por exemplo, a uma quebra de sigilo bancário, não há dúvida de que as informações veiculadas no instrumento são sensíveis, tanto que levou o Supremo Tribunal Federal a examinar a constitucionalidade de compartilhamento sem autorização judicial. Não é porque o Supremo fixou tese pela constitucionalidade do compartilhamento ou mesmo a natureza jurídica de peças de informação dos relatórios de inteligência que as informações veiculadas nos relatórios de inteligência não são sensíveis. Pelo contrário, o compartilhamento é constitucional apesar da sensibilidade da informação. E a natureza de elemento de informação se justifica pela inexistência, como visto, de verificação de veracidade da informação pela autoridade administrativa. A partir desse contexto normativo e jurisprudencial, portanto, verifica-se que o tema 990 da repercussão geral cuidou, apenas, da hipótese de compartilhamento da informação do Coaf e da Receita Federal para os órgãos de persecução penal. Na via única, e não na via dupla. Não tratou, portanto, da hipótese, completamente diferente, de uma solicitação feita pela autoridade policial ou pelo Ministério Público. Nesse sentido, fixam-se as seguintes teses: 1. A solicitação direta de relatórios de inteligência financeira pelo Ministério Público ao COAF sem autorização judicial é inviável. 2. O tema 990 da repercussão geral não autoriza a requisição direta de dados financeiros por órgãos de persecução penal sem autorização judicial.
Honorários por equidade em exceção de pré-executividade por ilegitimidade passiva na execução fiscal
A questão em discussão consiste em saber se, acolhida a Exceção de Pré-Executividade, com o reconhecimento da ilegitimidade de um dos coexecutados para compor o polo passivo da Execução Fiscal, os honorários advocatícios devem ser fixados com base no valor da Execução (art. 85, §§ 2º e 3º, CPC) ou por equidade (art. 85, § 8º, CPC). Cumpre salientar que essa questão, por se tratar de consectário de decisão judicial proferida em sede de execução fiscal, pertence exclusivamente, ao ramo do Direito Público. Feitas essas considerações, tem-se que a controvérsia em debate é distinta da que foi examinada no julgamento dos recursos especiais representativos da controvérsia relacionados com o Tema 1076 do STJ. Com efeito, nesse julgamento a circunstância considerada como legítima para justificar a realização do juízo de equidade de que trata o § 8º do art. 85 do CPC/2015 refere-se, apenas, à elevada dimensão econômica da causa. A circunstância aqui considerada para legitimar a fixação da verba honorária por equidade é outra, relacionada com a identificação de que o provimento judicial alcançado é inestimável economicamente, não passível de mensuração. Passando-se à análise da solução da matéria propriamente dita, faz-se necessário saber se é possível aferir ou não, objetivamente, a existência de proveito econômico obtido pela exclusão de coexecutado do polo passivo da Execução Fiscal, decorrente de acolhimento de Exceção de Pré-Executividade. Inicialmente, poder-se-ia apontar duas possibilidades para tentar estabelecer o valor do proveito econômico de forma objetiva - o que atrairia a aplicação do art. 85, §§ 2º e 3º, CPC/2015 - quais sejam: a) fixação dos honorários advocatícios com base em percentual sobre o valor total da Execução, e b) divisão do valor total da Execução Fiscal pelo número de coexecutados. A primeira tese, contudo, não prospera. Ainda que o coexecutado seja excluído da Execução Fiscal, constata-se que o crédito tributário continua exigível, em sua totalidade, dos demais devedores. Observa-se, entretanto, caso prevaleça o entendimento de que a fixação dos honorários advocatícios seja feita com base em percentual sobre o valor total da Execução, que haverá o risco de se dificultar ou mesmo inviabilizar a perseguição do crédito tributário pelas Procuradorias. Isso porque a Fazenda Pública poderia ser compelida a arcar, várias vezes, com honorários fixados sobre o valor total da Execução em relação a cada excluído, acarretando considerável aumento dos custos da Execução Fiscal, bem como indevido bis in idem. Também não parece ser a melhor solução aquela que propõe calcular o valor do proveito econômico com base na divisão do valor total da Execução Fiscal pelo número de coexecutados, uma vez que acarretaria indesejáveis distorções, como na hipótese em que há redirecionamento posterior da Execução em relação a outras pessoas jurídicas. Dessa forma, o número de executados no início da Execução não corresponderia ao número de executados ao final da demanda, inviabilizando o cálculo. Atenta a tais ponderações, a Primeira Seção do STJ pacificou a questão, nos EREsp 1.880.560, Rel. Ministro Francisco Falcão, DJe 6.6.2024, no sentido de que não há como se estimar o proveito econômico obtido com o provimento jurisdicional, de modo que a fixação dos honorários advocatícios deve ocorrer com base no juízo de equidade, nos termos do art. 85, § 8º, do CPC/2015. Com efeito, nos casos em que não há extinção do crédito executado, sendo ainda possível sua cobrança dos devedores remanescentes, não há, em verdade, um proveito econômico imediato alcançado pela parte excluída da execução, mas, sim, uma postergação no pagamento do título executivo. E esse tempo ganho com o não pagamento do tributo, de fato, "é inestimável, pois o sucesso da pretensão do devedor não terá, em tese, nenhum impacto sobre o cálculo do débito inscrito em dívida ativa, já que atualizável na forma da lei." (AREsp 1.423.290/PE, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 10.10.2019). Assim, nos casos em que a Exceção de Pré-Executividade visar, tão somente, à exclusão do excipiente do polo passivo da Execução Fiscal, sem impugnar o crédito executado, os honorários advocatícios deverão ser fixados por apreciação equitativa, nos moldes do art. 85, § 8º, do CPC/2015, porquanto não há como se estimar o proveito econômico obtido com o provimento jurisdicional. Por fim, verifica-se que as conclusões aqui alcançadas não conflitam com o Tema 1.076/STJ. Isso, em razão de que uma das teses lá fixadas foi: "i) Apenas se admite arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; (...)". No caso em debate, estamos diante de valor inestimável, inexistindo violação ao Tema 1.076/STJ. Assim, propõem-se a aprovação da seguinte tese jurídica: "Nos casos em que da Exceção de Pré-Executividade resultar, tão somente, a exclusão do excipiente do polo passivo da Execução Fiscal, os honorários advocatícios deverão ser fixados por apreciação equitativa, nos moldes do art. 85, § 8º, do CPC/2015, porquanto não há como se estimar o proveito econômico obtido com o provimento jurisdicional".
Prazo prescricional quinquenal no ressarcimento ao SUS contado da notificação administrativa
A questão controvertida afetada ao julgamento sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1147/STJ) tem por escopo definir 1) qual o prazo prescricional aplicável em caso de demanda que envolva pedido de ressarcimento ao Sistema Único de Saúde na hipótese do art. 32 da Lei n. 9.656/1998: se é aplicável o prazo quinquenal previsto no art. 1º do Decreto n. 20.910/1932, ou o prazo trienal prescrito no art. 206, § 3º, do Código Civil; 2) qual o termo inicial da contagem do prazo prescricional: se começa a correr com a internação do paciente, com a alta do hospital, ou a partir da notificação da decisão do processo administrativo que apura os valores a serem ressarcidos. A obrigação imposta às operadoras de planos de saúde de ressarcirem os serviços de atendimento à saúde prestados aos seus clientes pelas instituições integrantes do Sistema Único de Saúde - SUS é regulamentada pela Lei 9.656/1998, que atribuiu à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) a definição do procedimento para apuração dos valores devidos. Destaque-se, ainda, o disposto no art. 39 da Lei n. 4.320/1964 que trata da escrituração dos créditos da Fazenda Pública. Esse cenário - em que existe obrigação decorrente de expressa previsão em lei, apuração de quantia devida em prévio procedimento administrativo e inscrição dos valores não pagos em dívida ativa - revela que a relação existente entre a Agência Nacional de Saúde Suplementar e as operadoras de planos de saúde é regida pelo Direito Administrativo, motivo pelo qual deve ser afastada a incidência do prazo prescricional previsto no Código Civil. Por seu turno, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) possui firme jurisprudência no sentido de que, "nas demandas envolvendo pedido de ressarcimento ao Sistema Único de Saúde pelas operadoras de planos ou segurados de saúde, incide o prazo prescricional quinquenal, previsto no Decreto 20.910/1932, e não o disposto no Código Civil, em observância ao princípio da isonomia". Além disso, o STJ também vem decidindo que, por se tratar de cobrança de valores que, por expressa previsão legal, devem ser apurados em prévio procedimento administrativo, o termo inicial do prazo prescricional somente tem início após a notificação da cobrança feita pela ANS (art. 32, § 3º, da Lei 9.656/1998). Portanto, para cumprimento do requisito legal e regimental, propõe-se a seguinte tese jurídica: Nas ações com pedido de ressarcimento ao Sistema Único de Saúde de que trata o art. 32 da Lei 9.656/1998, é aplicável o prazo prescricional de cinco anos previsto no Decreto 20.910/1932, contado a partir da notificação da decisão administrativa que apurou os valores.