Penhora de participação societária em Sociedade Limitada Unipessoal por dívidas do sócio único
A controvérsia consiste em determinar a viabilidade jurídica da penhora de quotas sociais de sociedades limitadas unipessoais, antiga EIRELI (Empresa Individual de Responsabilidade Limitada). Com o advento das Leis n. 13.874/2019 (Lei da Liberdade Econômica), 14.195/2021 (Lei do Ambiente de Negócios) e 14.382/2022, as Empresas Individuais de Responsabilidade Limitada foram automaticamente transformadas em sociedades limitadas unipessoais, independentemente de alteração em seus atos constitutivos (ex lege), e os dispositivos que as regulamentavam (art. 44, VI, e art. 980-A do Código Civil) foram expressamente revogados. Para a adequada compreensão da questão, é relevante distinguir os conceitos de capital social, quotas sociais e patrimônio. O capital social representa o somatório de bens e valores aportados pelo sócio (no caso da sociedade unipessoal) para o início da atividade empresarial, constituindo uma cifra fixa e invariável, que retrata a situação financeira inicial da entidade. Já as quotas sociais representam a fração da participação societária que pertence ao sócio, delimitando seus direitos e deveres em relação à sociedade. Na sociedade limitada unipessoal, ainda que possa parecer desnecessária a divisão do capital social em quotas, tal procedimento não encontra vedação legal, desde que todas as quotas estejam sob a titularidade do mesmo sócio. Por fim, o patrimônio corresponde ao valor econômico atual que a entidade societária dispõe para a consecução de seu objeto social, podendo variar conforme o sucesso do empreendimento. O regramento constante do Código de Processo Civil (arts. 835, IX, e 861) está em consonância com o direito material previsto no art. 1.026 do Código Civil, revelando a possibilidade de penhora das quotas de titularidade de sócio de sociedade limitada, nos termos do art. 1.053 do CC. Na sociedade limitada unipessoal, a constituição da entidade empresarial decorre da vontade, das contribuições e do esforço de um único sócio, gerando crédito em seu exclusivo benefício, correspondente à totalidade dos bens e direitos que compõem a entidade. Dessa forma, reconhecida a viabilidade jurídica da penhora de quotas sociais na sociedade limitada unipessoal, abrem-se as seguintes possibilidades, sucessivamente: (i) liquidação parcial da sociedade, com a correspondente redução do capital social, nos termos dos arts. 861, III, do CPC e 1.031, § 1º, do Código Civil, preservando-se o prosseguimento da atividade empresarial sob a gestão do sócio original; ou, (ii) caso essa medida se mostre insuficiente ou prejudicial à viabilidade do empreendimento, admite-se, excepcionalmente, a constrição sobre a totalidade da participação societária, com a consequente alienação da sociedade em sua integralidade, solução que, embora mais gravosa, harmoniza-se com o princípio da preservação da empresa ao manter a unidade produtiva e evitar o fracionamento que poderia comprometer sua existência econômica. É importante enfatizar que a penhora deve ser realizada de modo que não imponha ao sócio um vínculo involuntário com terceiros, respeitando o princípio da affectio societatis. Afinal, ao optar pela unipessoalidade, o sócio manifestou sua vontade de não se associar para a consecução da atividade empresarial, e tal escolha deve ser respeitada, em consonância com o princípio constitucional da legalidade (art. 5º, II, da CF).
Termo inicial da contestação na intimação da homologação da desistência do corréu não citado
Cinge-se a controvérsia em decidir qual o termo inicial para apresentação de contestação no caso de litisconsórcio passivo, quando a audiência de conciliação é reagendada, devido à ausência de corréu não citado, e depois cancelada, em razão da desistência da ação em relação ao corréu ausente. Somente depois da realização da audiência ou do protocolo da petição de desinteresse é que se inicia o prazo de 15 dias para apresentar a contestação, reforçando a intenção do CPC de promover a autocomposição como primeira etapa do processo. Nas hipóteses de litisconsórcio passivo, a regra para contagem do prazo para oferecer contestação também será a data de realização da audiência. Contudo, diante do desinteresse de todas as partes em realizar a conciliação ou mediação, cada um dos réus terá o prazo de defesa aberto da apresentação de seu pedido de cancelamento da audiência (art. 335, § 1º do CPC). Quando não se admitir a autocomposição e o autor desistir da ação em relação a réu não citado, o prazo de defesa iniciará da homologação da desistência (art. 335, § 2º do CPC). A doutrina entende que, embora o artigo se refira às situações em que a autocomposição não é admitida, também se aplica às situações em que a autocomposição é admitida, mas o autor e os réus citados manifestaram seu desinteresse. Na hipótese de o réu citado manifestar seu desinteresse na audiência e, em seguida, o autor desistir da ação em relação ao corréu não citado, o prazo para apresentação de defesa deve iniciar com a homologação da desistência. No caso concreto, apenas o recorrente esteve presente na audiência de conciliação, pois o corréu não havia sido citado. Por isso, foi designada nova data para audiência. Contudo, antes da realização da segunda audiência, o autor desistiu da ação em relação ao corréu. Assim, o prazo para o recorrente apresentar contestação iniciou a partir da homologação da desistência (art. 335, § 2º do CPC). O entendimento no sentido de que o prazo para apresentação deveria contar da audiência em que apenas um dos réus esteve presente, fere a segurança jurídica, pois o réu contava com a realização de uma nova solenidade, já agendada, para a qual foi expressamente intimado. A desistência da ação em relação a um dos corréus não pode prejudicar o outro, surpreendendo-o com o decurso do seu prazo de defesa.
Estelionato sentimental como ato ilícito e responsabilidade civil por danos morais e materiais
A controvérsia consiste em saber se a prática do chamado "estelionato sentimental" configuraria ato ilícito que daria ensejo à responsabilidade civil nos termos do art. 186 e 927 do CC. O denominado estelionato sentimental ocorre com a simulação de relação afetiva, em que uma das partes, valendo-se da vulnerabilidade emocional da outra, busca obter ganhos financeiros. Segundo o artigo 171 do Código Penal, verifica-se que, para a configuração de crimes de estelionato em geral, é necessário o preenchimento dos seguintes requisitos: (i) obtenção de vantagem ilícita, em prejuízo alheio; (ii) emprego de artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento; (iii) induzimento ou manutenção da vítima em erro. Na origem, ficou comprovado que (i) houve obtenção de vantagem ilícita, pois os gastos financeiros suportados pela vítima não advieram de despesas ordinárias de um relacionamento amoroso, mas de desejos patrimoniais exclusivos do recorrente, em curto espaço de tempo; (ii) o recorrente sabia da situação de vulnerabilidade emocional da recorrida e a induziu a erro, simulando a existência de uma relação amorosa; e (iii) o recorrente agiu com ardil, contando histórias de dificuldades financeiras e fazendo pressão para obter dinheiro fácil e rápido da vítima. Diante desse cenário, ainda que o pagamento de despesas tenha ocorrido espontaneamente, sem nenhuma coação, isto não afasta, no caso, a prática de ato ilícito, porque, o que caracteriza o estelionato é, exatamente, o fato de que a vítima não age coagida, mas de forma iludida, acreditando em algo que não existe. Dessa forma, como consequência da simulação do relacionamento e das condutas com o objetivo de obter ganho financeiro, em princípio, é devida à vítima indenização a título de danos materiais, pelas despesas extraordinárias decorrentes do relacionamento, e de danos morais, pela situação vivenciada.
Prazo razoável para imissão de posse indígena com desocupação progressiva de não indígenas
A controvérsia tem origem na ação de reintegração de posse ajuizada contra a União, a FUNAI e povo indígena. Os autores, não indígenas, alegaram esbulho praticado por indígenas em sua propriedade rural, então requereram a reintegração de posse. A sentença, contudo, julgou improcedente o pedido possessório, reconhecendo a área como terra indígena tradicionalmente ocupada e determinou o reassentamento dos autores e sua indenização pelas benfeitorias realizadas. O Tribunal confirmou a sentença, destacando a legalidade da demarcação das terras indígenas pela FUNAI e a responsabilidade do INCRA pelo reassentamento dos autores, em prazo assinalado. A sentença confirmada pelo acórdão não comporta crítica, senão elogiosas, por considerar, conscientemente ou não, a necessidade de condução estrutural da causa. São características desse tipo de processo: a multipolaridade (no caso, Incra, Funai, União, indígenas e ocupantes); a complexidade (bem delineada na sentença acima transcrita); e a prospectividade da disposição judicial (menos evidente no caso concreto, mais pontual, mas nem por isso descaracterizante de sua natureza estrutural). Diante de uma causa estrutural, é devida e adequada a flexibilização do princípio da congruência, já consagrado jurisprudencialmente no caso do trânsito das possessórias a indenizatórias, bem como a adoção de técnica de implementação escalonada das disposições jurisdicionais. A formulação de uma sentença estrutural, como no caso, demanda maior energia da pessoa julgadora e conhecimentos sólidos não só da causa fático-jurídica específica, mas do contexto mais amplo da questão litigiosa, sendo nada menos que adequada a estipulação de passos progressivos, específicos e temporalmente razoáveis para alcance da solução jurídica já antevista, e desde logo fixada, pelo magistrado sentenciante. As medidas progressivas visam exatamente promover a desocupação segura, física e juridicamente, a todos os envolvidos, para alcançar a previsão normativa de ocupação exclusiva e permanente dos indígenas sobre a terra. O dispositivo da sentença não contraria ou nega vigência à lei, senão impõe seu cumprimento, embora de forma diferida e progressiva, com prazo razoável para implementação definitiva da condição de ocupação exclusiva prevista em lei. Convém destacar que a sentença ao declarar o dever de ocupação exclusiva dos indígenas não corresponde à imediata retirada dos ocupantes não indígenas da área, que, ademais, já convivem há algum tempo, por força de determinação judicial provisória. A previsão cautelosa e ponderada do juízo configura verdadeira aplicação concreta dos princípios regedores do direito processual estruturante, que visa a efetivação das políticas públicas à luz da razoabilidade, promovendo a pacificação social sem qualquer supressão de direitos. Destarte, a fixação de prazo para imissão de posse de indígenas, bem como para a desocupação pelos não indígenas de área reconhecida como terra indígena tradicionalmente ocupada não caracteriza desrespeito ao caráter declaratório do procedimento de demarcação (art. 6º do Decreto n. 1.775/1996; e art. 25 da Lei n. 6.001/1973).
Exibição acessória de grafite em espaço público em publicidade não viola direitos autorais
Cinge-se a controvérsia em definir se a representação indireta e meramente acessória em peça publicitária, de grafite realizado em logradouro público, quando feita sem a autorização prévia de seu criador, configura violação de direitos autorais, justificando indenização por danos morais e materiais. Na origem, trata-se de ação indenizatória, por ofensa a direitos autorais, objetivando reparação por prejuízos morais e materiais supostamente resultantes da divulgação de peça publicitária audiovisual da plataforma de vídeos "Tik Tok", filmada em frente à obra plástica (grafite) realizada em logradouro público (Beco do Batman), sem a prévia autorização ou remuneração de seu autor. A Lei n. 14.996/2024, por expressa disposição de seu art. 1º, passou a reconhecer a charge, a caricatura, o cartum e o grafite como manifestações da cultura brasileira, estabelecendo caber ao poder público a garantia de sua livre expressão artística bem como a promoção de sua valorização e preservação. Consoante o disposto pelo art. 7º da Lei n. 9.610/1998, as criações do espírito expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, são consideradas obras protegidas, desde que sejam originais. Nesse contexto, impossível negar que o grafite se enquadra como obra visual protegida, na medida em que apresenta originalidade, criatividade e autoria identificável. Do mesmo modo que merece toda a proteção conferida pela Lei n. 9.610/1998, o grafite tem seus direitos autorais sujeitos à limitação prevista no art. 48 da referida norma, segundo a qual "as obras situadas permanentemente em logradouros públicos podem ser representadas livremente, por meio de pinturas, desenhos, fotografias e procedimentos audiovisuais". A representação dessa espécie de obra é livre, dispensando a prévia e expressa autorização de seu autor, desde que: (i) não afete a exploração normal da obra, (ii) tal representação não provoque prejuízo injustificado aos legítimos interesses de seu autor; e (iii) não esteja imbuída do propósito de exploração eminentemente comercial. Na hipótese, a representação realizada pela parte demandada não afetou a exploração normal da obra. Ademais, não restou demonstrado que tal representação tenha ensejado qualquer prejuízo injustificado aos legítimos interesses do autor do grafite, restando consignado, que não configurada exploração comercial da obra em questão que, além disso, foi exibida de forma meramente acidental e acessória, como mero pano de fundo para a apresentação do dançarino contratado, que consistiu, em verdade, no foco real da peça audiovisual.