Supremo Tribunal Federal • 9 julgados • 18 de nov. de 2004
Explore conteúdo relacionado para aprofundar seus estudos
O Tribunal concedeu mandados de segurança impetrados contra atos do Presidente do Instituto Nacional de Terras do Estado de Roraima – INTERAIMA e dos Oficiais do Cartório de Registro de Imóveis das Comarcas de São Luís do Anauá e de Caracaraí – RR que resultaram na transferência de terras de domínio da União ao Estado de Roraima. Entendeu-se que a transmissão efetivada se dera em confronto com a Lei 10.304/2001, que transfere ao domínio do Estado de Roraima as terras pertencentes à União, e com o art. 20 da CF, haja vista a inexistência da necessária e prévia delimitação das áreas destinadas ao domínio exclusivo da União, nos termos referidos no art. 2º da lei, bem como por não ter sido observado o decurso do prazo de 180 dias estabelecido no art. 4º para que o Poder Executivo procedesse à regulamentação da norma. (Lei 10.304/2001: “Art. 2º São excluídas da transferência de que trata esta Lei as áreas relacionadas nos incisos II, III, IV, VIII, IX e X do art. 20 da Constituição Federal, as terras indígenas pertencentes à União e as destinadas pela União a outros fins de necessidade ou utilidade pública.”).
Diante do disposto no § 6º do art. 226 da CF, ficou suplantada a regra do § 6º do art. 7º da LICC acerca da exigência do decurso de três anos para reconhecimento de divórcio realizado no exterior (CF, art. 226: “§ 6º - O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos”).Com base nesse entendimento, o Tribunal homologou sentença estrangeira de divórcio, proferida nos Estados Unidos, cuja impugnação apontava a inobservância do aludido prazo da LICC.
Por ofensa à competência privativa da União para legislar sobre direito processual (CF, art. 22, I) e para definir os crimes de responsabilidade (CF, art. 85, parágrafo único), consoante entendimento sumulado, o Tribunal julgou procedente pedido de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Governador do Estado de Rondônia contra diversos dispositivos da Lei 657/96, desse Estado, que definiam os crimes de responsabilidade e regulavam seu processo e julgamento. (Enunciado 722 da Súmula do STF: “São da competência legislativa da União a definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento.”).
O Tribunal deferiu mandado de segurança impetrado contra ato do Presidente da República, consubstanciado em decreto que declarara de interesse social, para fins de reforma agrária, imóvel rural. Declarou-se a nulidade do decreto impugnado por se entender violado o princípio do devido processo legal, uma vez que, pelo princípio da saisina (CC, art. 1.784), com o falecimento do proprietário do imóvel em questão, ter-se-ia gerado o condomínio da propriedade entre os herdeiros e, admitindo-se constituírem as quotas-partes propriedades expropriáveis, cada condômino deveria ter sido notificado previamente para vistoria, o que não fora feito. Asseverou-se, ainda, que cabia à autarquia expropriante (INCRA), por força do previsto no § 6º do art. 46 da Lei 4.504/64, proceder ao cadastramento da área que, na partilha, tocaria a cada herdeiro, e, ainda, demonstrar que as frações seriam passíveis de desapropriação, o que também não ocorrera.
Em face da violação ao § 4º do art. 18 da CF, haja vista não ter sido realizada a consulta prévia, por meio de plebiscito, à população dos municípios envolvidos, o Tribunal declarou a inconstitucionalidade da Lei 11.361/2000, do Estado de Santa Catarina, que promoveu a anexação, ao Município de Capinzal, de áreas desmembradas do Município de Campos Novos. (CF, art. 18: “§ 4º A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios, far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por Lei Complementar Federal, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei.”).
A Turma concluiu julgamento de recurso extraordinário interposto por empresa privada concessionária de serviço público de transporte coletivo contra acórdão do Tribunal de Alçada do Estado de São Paulo que entendera configurada a responsabilidade objetiva da recorrente em acidente automobilístico envolvendo veículo de terceiro — v. Informativo 358. Deu-se provimento ao recurso por se entender violado o art. 37, § 6º, da CF, uma vez que a responsabilidade objetiva das prestadoras de serviço público não se estende a terceiros não-usuários, já que somente o usuário é detentor do direito subjetivo de receber um serviço público ideal, não cabendo ao mesmo, por essa razão, o ônus de provar a culpa do prestador do serviço na causação do dano. Vencidos os Ministros Joaquim Barbosa e Celso de Mello que negavam provimento por entenderem que a responsabilidade objetiva incide ainda que o fato lesivo tenha atingido terceiro não-usuário. Leia o inteiro teor do voto do relator na seção de Transcrições deste Informativo.
A Turma concluiu julgamento de recurso extraordinário interposto pelo Estado de São Paulo contra acórdão do tribunal de justiça daquele Estado que, reconhecendo a existência de responsabilidade objetiva, condenara o ente federativo a indenizar vítima de disparo de arma de fogo, pertencente à corporação, utilizada por policial durante período de folga. Alegava-se, na espécie, ofensa ao art. 37, § 6º, da CF, uma vez que o dano fora praticado por policial que se encontrava fora de suas funções públicas — v. Informativo 362. Considerou-se inexistente o nexo de causalidade entre o dano sofrido pela recorrida e a conduta de policial militar, já que o evento danoso não decorrera de ato administrativo, mas de interesse privado movido por sentimento pessoal do agente que mantinha relacionamento amoroso com a vítima. Asseverou-se que o art. 37, § 6º, da CF exige, para a configuração da responsabilidade objetiva do Estado, que a ação causadora do dano a terceiro tenha sido praticada por agente público, nessa qualidade, não podendo o Estado ser responsabilizado senão quando o agente estatal estiver a exercer seu ofício ou função, ou a proceder como se estivesse a exercê-la. Entendeu-se, ainda, inadmissível a argüição de culpa, in vigilando ou in eligendo, como pressuposto para a fixação da responsabilidade objetiva estatal, que tem como requisito a prática de ato administrativo pelo agente público no exercício da função e o dano sofrido por terceiro. O relator retificou o voto anterior.
A Turma indeferiu habeas corpus impetrado contra acórdão do STJ, que indeferira igual medida, em favor de acusado pela suposta prática do crime de homicídio qualificado, cuja ação penal, arquivada por decisão que extinguira a punibilidade, nos termos do art. 62 do CPP, com base em certidão de óbito, fora desarquivada, posteriormente, após constatação de que o acusado não havia morrido. Pretendia-se, na espécie, o trancamento da ação penal, por ofensa à coisa julgada, pois a decisão que determinara o arquivamento transitara em julgado, e por falta de fundamentação do acórdão impugnado, porquanto os Ministros apenas teriam acompanhado o voto do relator, sem tecer novas considerações. As alegações foram afastadas com base em reiterada jurisprudência do STF. A primeira, em face do entendimento de ser possível a revogação da decisão extintiva de punibilidade, à vista de certidão de óbito falsa, por inexistência de coisa julgada em sentido estrito, pois, caso contrário, o paciente estaria se beneficiando de conduta ilícita. Nesse ponto, asseverou-se que a extinção da punibilidade pela morte do agente ocorre independente da declaração, sendo meramente declaratória a decisão que a reconhece, a qual não subsiste se o seu pressuposto é falso. A segunda, por se presumir que, nos colegiados, os votos que simplesmente acompanham o posicionamento do relator estão adotando a mesma fundamentação. Precedentes citados: HC 55091/SP (DJU de 29.9.78); HC 60095/RJ (DJU de 17.12.82); HC 58794/RJ (DJU de 5.6.81).
A Turma deferiu habeas corpus preventivo impetrado contra acórdão do STJ que admitira que a penhora de imóvel, em execução fiscal, alcançasse os frutos obtidos com os aluguéis, por entender que o executado teria perdido a posse direta do bem, conservando apenas a posse mediata, não podendo usar e dispor do mesmo em nome próprio. No caso concreto, o juízo federal intimara o paciente a depositar os valores referentes ao aluguel de imóvel penhorado, do qual ele, na qualidade de representante legal da empresa executada, fora nomeado depositário. Entendeu-se que não haveria que se falar em infidelidade do depositário e, tampouco, admitir-se sua prisão, em razão de o auto de penhora e depósito, na espécie, não ter feito nenhuma referência a eventuais frutos, limitando-se a incidir sobre o imóvel ali descrito, e, ainda, por inexistir norma legal a sujeitar os aluguéis ao juízo da execução. Ressaltou-se que a penhora recai ou se estende somente sobre a livre disposição do bem, de ordem a retirar do proprietário apenas a possibilidade do respectivo desfazimento, não constituindo gravame o ato de locar a coisa. Asseverou-se, também, que a prisão civil visa restaurar situações de ruptura do equilíbrio patrimonial existente entre as partes de uma relação jurídica e que, na hipótese, a conduta do paciente não rompera esse equilíbrio, visto que o valor do imóvel, por si só, seria mais do que suficiente para a cobertura do crédito em cobrança. HC deferido para, cassando o acórdão impugnado, sustar todo e qualquer efeito relativo à prisão civil decretada nos autos da execução promovida pela Fazenda Nacional.