Porte de arma branca e observância do princípio da taxatividade da conduta descrita no art. 19 da Lei das Contravenções Penais

STF
1153
Direito Constitucional
Direito Penal
Geral
2 min de leitura
Atualizado em 14 de novembro de 2025

Este julgado integra o

Informativo STF 1153

Tese Jurídica

“O art. 19 da Lei de Contravenções penais permanece válido e é aplicável ao porte de arma branca, cuja potencialidade lesiva deve ser aferida com base nas circunstâncias do caso concreto, tendo em conta, inclusive, o elemento subjetivo do agente.”

Comentário Damásio

Resumo

Por revelar interpretação mais adequada com os fins sociais da norma, o preceito incriminador descrito no art. 19 da Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei nº 3.688/1941) — até que sobrevenha disposição em contrário — possui plena aplicabilidade na hipótese de porte de arma branca, devendo o julgador orientar-se, no caso concreto, pelo contexto fático, pela intenção do agente e pelo potencial de lesividade do objeto (grau de potencialidade lesiva ou efetiva lesão ao bem jurídico protegido pela norma penal).

Conteúdo Completo

“O art. 19 da Lei de Contravenções penais permanece válido e é aplicável ao porte de arma branca, cuja potencialidade lesiva deve ser aferida com base nas circunstâncias do caso concreto, tendo em conta, inclusive, o elemento subjetivo do agente.”

Por revelar interpretação mais adequada com os fins sociais da norma, o preceito incriminador descrito no art. 19 da Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei nº 3.688/1941) — até que sobrevenha disposição em contrário — possui plena aplicabilidade na hipótese de porte de arma branca, devendo o julgador orientar-se, no caso concreto, pelo contexto fático, pela intenção do agente e pelo potencial de lesividade do objeto (grau de potencialidade lesiva ou efetiva lesão ao bem jurídico protegido pela norma penal).

O porte de arma constitui matéria penal que pretende tutelar uma série de bens jurídicos relevantes, como a segurança nacional, a incolumidade pública e a saúde das pessoas. Com o intuito de prevenir crimes violentos, proteger a paz pública e restringir comportamentos perigosos, o legislador impõe sanções à mera conduta do porte ilegal de armas, independentemente da concretização do dano.
Relativamente às armas de fogo, o art. 19 da Lei de Contravenções Penais foi derrogado pelo art. 10 da Lei n° 9.437/1997 (1), que instituiu o Sistema Nacional de Armas (SINARM) e que, por sua vez, foi ab-rogado pela Lei nº 10.826/2003 - “Estatuto do Desarmamento” (2). No que se refere ao porte de outros artefatos letais de menor potencial ofensivo, como as armas brancas — sejam elas próprias (instrumentos destinados ao ataque ou a defesa, a exemplo de facas, canivetes, punhais e espadas) ou impróprias (qualquer outro instrumento que se torne vulnerante, quando utilizado com a finalidade de ataque, a exemplo de machados, foices e tesouras) — a contravenção penal prevista no referido dispositivo permanece válida e vigente (3).
Ademais, não há que se falar em norma penal em branco sem complemento ou em violação ao princípio da legalidade em matéria penal (CF/1988, art. 5º, XXXIX). Esta Corte, seguindo o entendimento jurisprudencial do STJ, entendeu que a regulamentação estatal (decorrente da expressão “sem licença da autoridade”) é dispensável para a configuração da infração penal, na medida em que a redação original do dispositivo se referia à autorização administrativa da autoridade competente apenas para o porte ou para a posse de arma de fogo, isto é, a exigência não se aplica às armas brancas.
Na espécie, a Turma Criminal do Colégio Recursal de Marília/SP confirmou a sentença que condenou o réu ao pagamento de 15 (quinze) dias-multa por portar, em sua cintura, uma faca de cozinha, sendo verificado, no caso concreto, que as circunstâncias em que houve a sua abordagem indicam a lesividade da conduta e o evidente risco à integridade física dos frequentadores do local.
Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por maioria, ao apreciar o Tema 857 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário com agravo e fixou a tese anteriormente citada.

(1) Lei nº 9.437/1997: “Art. 10. Possuir, deter, portar, fabricar, adquirir, vender, alugar, expor à venda ou fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda e ocultar arma de fogo, de uso permitido, sem a autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Pena - detenção de um a dois anos e multa. § 1° Nas mesmas penas incorre quem: I - omitir as cautelas necessárias para impedir que menor de dezoito anos ou deficiente mental se apodere de arma de fogo que esteja sob sua posse ou que seja de sua propriedade, exceto para a prática do desporto quando o menor estiver acompanhado do responsável ou instrutor; II - utilizar arma de brinquedo, simulacro de arma capaz de atemorizar outrem, para o fim de cometer crimes; III - disparar arma de fogo ou acionar munição em lugar habitado ou em suas adjacências, em via pública ou em direção a ela, desde que o fato não constitua crime mais grave. § 2° A pena é de reclusão de dois anos a quatro anos e multa, na hipótese deste artigo, sem prejuízo da pena por eventual crime de contrabando ou descaminho, se a arma de fogo ou acessórios forem de uso proibido ou restrito. § 3° Nas mesmas penas do parágrafo anterior incorre quem: I - suprimir ou alterar marca, numeração ou qualquer sinal de identificação de arma de fogo ou artefato; II - modificar as características da arma de fogo, de forma a torná-la equivalente a arma de fogo de uso proibido ou restrito; III - possuir, deter, fabricar ou empregar artefato explosivo e/ou incendiário sem autorização; IV - possuir condenação anterior por crime contra a pessoa, contra o patrimônio e por tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins. § 4° A pena é aumentada da metade se o crime é praticado por servidor público.”
(2) Lei nº 10.826/2003: “Posse irregular de arma de fogo de uso permitido Art. 12. Possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa: Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. (...) Porte ilegal de arma de fogo de uso permitido Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável, salvo quando a arma de fogo estiver registrada em nome do agente. (...) Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso restrito, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. § 1º Nas mesmas penas incorre quem: I – suprimir ou alterar marca, numeração ou qualquer sinal de identificação de arma de fogo ou artefato; II – modificar as características de arma de fogo, de forma a torná-la equivalente a arma de fogo de uso proibido ou restrito ou para fins de dificultar ou de qualquer modo induzir a erro autoridade policial, perito ou juiz; III – possuir, detiver, fabricar ou empregar artefato explosivo ou incendiário, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar; IV – portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado; V – vender, entregar ou fornecer, ainda que gratuitamente, arma de fogo, acessório, munição ou explosivo a criança ou adolescente; e VI – produzir, recarregar ou reciclar, sem autorização legal, ou adulterar, de qualquer forma, munição ou explosivo. § 2º Se as condutas descritas no caput e no § 1º deste artigo envolverem arma de fogo de uso proibido, a pena é de reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos. (...)    Art. 36. É revogada a Lei no 9.437, de 20 de fevereiro de 1997.”
(3) Decreto-Lei nº 3.688/1941: “Art. 19. Trazer consigo arma fora de casa ou de dependência desta, sem licença da autoridade: Pena – prisão simples, de quinze dias a seis meses, ou multa, de duzentos mil réis a três contos de réis, ou ambas cumulativamente. § 1º A pena é aumentada de um terço até metade, se o agente já foi condenado, em sentença irrecorrível, por violência contra pessoa. § 2º Incorre na pena de prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de duzentos mil réis a um conto de réis, quem, possuindo arma ou munição: a) deixa de fazer comunicação ou entrega à autoridade, quando a lei o determina; b) permite que alienado menor de 18 anos ou pessoa inexperiente no manejo de arma a tenha consigo; c) omite as cautelas necessárias para impedir que dela se apodere facilmente alienado, menor de 18 anos ou pessoa inexperiente em manejá-la.”

Legislação Aplicável

CF/1988: art. 5º, XXXIX.
Lei 9.437/1997: art. 10.
Lei 10.826/2003: arts. 12, 14 e 16.
Decreto-Lei 3.688/1941: art. 19.

Informações Gerais

Número do Processo

901623

Tribunal

STF

Data de Julgamento

04/10/2024

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