Este julgado integra o
Informativo STJ nº 736
Tese Jurídica
O militar de carreira ou temporário (antes da alteração promovida pela Lei n. 13.954/2019) diagnosticado como portador do vírus HIV, tem direito à reforma ex officio por incapacidade definitiva para o serviço ativo das Forças Armadas, porém, sem a remuneração calculada com base no soldo correspondente ao grau hierárquico imediatamente superior ao que possuía na ativa, se não estiver impossibilitado total e permanentemente para qualquer trabalho.
Resumo
A controvérsia restou assim delimitada, por ocasião da afetação do presente Recurso Especial: "Definir se o militar diagnosticado como portador do vírus HIV tem direito à reforma ex officio por incapacidade definitiva, independentemente do grau de desenvolvimento da Síndrome de Imunodeficiência Adquirida - SIDA/AIDS, com remuneração calculada com base no soldo correspondente ao grau imediatamente superior ao que possuía na ativa". Dadas as peculiaridades da carreira militar e não obstante o avanço médico-científico no tratamento da doença, ainda considerada incurável em nossos dias, o STJ, notadamente a partir do julgamento dos EREsp 670.744/RJ, pela Terceira Seção (Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJU de 21/05/2007), tem-se mostrado sensível à realidade do militar portador do vírus HIV, mesmo que assintomático, e mantido, inclusive em acórdãos recentes, o entendimento no sentido de que o militar portador do vírus HIV, ainda que assintomático e independentemente do grau de desenvolvimento da Síndrome de Imunodeficiência Adquirida - SIDA/AIDS, tem direito à reforma ex officio, por incapacidade definitiva para o serviço ativo das Forças Armadas, nos termos dos arts. 106, II, 108, V, e 109 da Lei n. 6.880/1980 (na redação anterior à Lei n. 13.954, de 16/12/2019) c/c art. 1º, I, c, da Lei n. 7.670/1988. No julgamento dos EREsp 1.123.371/RS (Relator p/ acórdão Ministro Mauro Campbell Marques, Corte Especial, DJe de 12/03/2019), o voto condutor do acórdão registrou que "a reforma, por sua vez, será concedida ex officio se o militar alcançar a idade prevista em lei ou se enquadrar em uma daquelas hipóteses consignadas no art. 106 da Lei n. 6.880/1980, entre as quais, for julgado incapaz, definitivamente, para o serviço ativo das Forças Armadas (inciso II), entre as seguintes causas possíveis previstas nos incisos do art. 108 da Lei 6.880/1980 (...) V - tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, lepra, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, mal de Parkinson, pênfigo, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave e outras moléstias que a lei indicar com base nas conclusões da medicina especializada", tendo a Lei n. 7.670/1988 incluído a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida - SIDA/AIDS como causa que justifica a concessão de "reforma militar, na forma do disposto no art. 108, inciso V, da Lei n. 6.880, de 9 de dezembro de 1980", ou seja, quando o militar "for julgado incapaz, definitivamente, para o serviço ativo das Forças Armadas" (art. 106, II, da Lei n. 6.880/1980, na redação anterior à Lei n. 13.954, de 16/12/2019). No aludido julgamento, o Relator destacou, ainda, que "a legislação de regência faz distinção entre incapacidade definitiva para o serviço ativo do Exército (conceito que não abrange incapacidade para todas as demais atividades laborais civis) e invalidez (conceito que abrange a incapacidade para o serviço ativo do Exército e para todas as demais atividades laborais civis)". Antes da alteração promovida pela Lei n. 13.954, de 16/12/2019, na linha da jurisprudência sedimentada no STJ, impõe-se o reconhecimento do direito à reforma de militar, de carreira ou temporário, na hipótese de ser portador do vírus HIV, por incapacidade definitiva para o serviço ativo das Forças Armadas, ante o que dispõem os arts. 106, II, 108, V, e 109 da Lei n. 6.880/1980 c/c art. 1º, I, c, da Lei n. 7.670/1988. Após o advento da Lei n. 13.954/2019, contudo, foi dada nova redação ao inciso II do art. 106 e acrescido o inciso II-A ao referido art. 106 da Lei n. 6.880/1980, criando-se uma diferenciação, para fins de reforma, entre militares de carreira e temporários: enquanto, para os temporários, exige-se a invalidez, para os de carreira basta a incapacidade definitiva para o serviço ativo das Forças Armadas. Também o art. 109 da Lei n. 6.880/1980 sofreu alteração com a Lei n. 13.954, de 16/12/2019, criando diferenciação entre militares temporários e de carreira, para fins de reforma com qualquer tempo de serviço, inclusive na hipótese do art. 108, V, da Lei n. 6.880/1980. Os três Recursos Especiais afetados e ora em julgamento, por esta Primeira Seção, tratam de hipóteses anteriores à Lei n. 13.954/2019, em que o pedido de reforma, em face de exame do militar que detectou a presença do vírus HIV, deu-se antes da alteração legislativa. A teor da Súmula 359/STF, "ressalvada a revisão prevista em lei, os proventos da inatividade regulam-se pela lei vigente ao tempo em que o militar, ou o servidor civil, reuniu os requisitos necessários". Nesse mesmo sentido, "se no momento da obtenção do benefício encontravam-se preenchidos todos os requisitos necessários de acordo com a lei em vigor, caracterizando-se como ato jurídico perfeito, não pode a legislação superveniente estabelecer novos critérios, sob pena de ofensa ao princípio tempus regit actum" (STJ, AgRg no REsp 1.308.778/RS, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe de 30/09/2014). A reforma do militar temporário, com base no art. 108, V, da Lei n. 6.880/1980, somente após o advento da Lei n. 13.954, de 16/12/2019, passou a exigir a invalidez, requisito não preenchido pelo portador assintomático do vírus HIV. Essa perspectiva da ausência de invalidez, no caso, já era reconhecida pela jurisprudência do STJ, ao afirmar que o direito à reforma do portador do vírus HIV, independentemente do grau de desenvolvimento da doença, dava-se por incapacidade definitiva para o serviço ativo das Forças Armadas, ou seja, por incapacidade apenas para o serviço militar. A reforma por incapacidade definitiva para o serviço ativo das Forças Armadas deve ser concedida, nos termos do art. 110 da Lei n. 6.880/1980 - que não foi alterado pela Lei n. 13.954/2019 -, com base no soldo do grau hierárquico superior, apenas e tão somente nas hipóteses dos incisos I e II, do art. 108 da Lei n. 6.880/1980. Nas hipóteses dos incisos III, IV e V, do mesmo art. 108 da Lei n. 6.880/1980, exige-se, para a reforma com base no soldo correspondente ao grau hierárquico imediatamente superior, que, além da incapacidade definitiva para o serviço ativo das Forças Armadas, o militar seja considerado inválido, ou seja, que ele esteja "impossibilitado total ou permanentemente para qualquer trabalho", na vida castrense e civil. Revisitação do tema dos EREsp 677.740/RJ, quanto ao art. 110, § 1º, da Lei n. 6.880/1980. Na forma da jurisprudência do STJ, "nos termos do art. 110, caput e § 1º, da Lei n. 6.880/1980, quando configurada alguma das hipóteses descritas nos itens III, IV e V, do art. 108, o militar terá direito à reforma com base no soldo do grau hierárquico imediato se verificada a invalidez, ou seja, a incapacidade definitiva para qualquer trabalho, militar ou civil. No caso dos autos, ainda que seja reconhecida a ocorrência da neoplasia maligna - câncer de próstata -, as instâncias ordinárias negaram a existência de invalidez. Desse modo, inviável o reconhecimento do alegado direito à remuneração superior, porquanto ausente um dos requisitos estabelecidos na legislação" (STJ, REsp 1.843.913/PE, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe de 04/08/2020). De igual modo, "em sintonia com a jurisprudência do STJ (...) apenas os militares da ativa ou da reserva remunerada, julgados incapazes definitivamente para o serviço por força de doença constante do inciso V do art. 108 da Lei n. 6.880/1980 (e for considerado inválido total e permanentemente para qualquer trabalho), fazem jus à reforma com a remuneração calculada com base no soldo correspondente ao grau hierárquico imediatamente superior ao que possuía na ativa" (STJ, AgRg no REsp 1.577.792/SC, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 16/03/2016). Além de a Terceira Seção não mais ser competente para o exame da matéria, o precedente dos EREsp 677.740/RJ (Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Terceira Seção, DJU de 21/05/2007), inúmeras vezes invocado em julgados posteriores do STJ, apesar de conferir ao militar, portador assintomático do vírus HIV, o direito à reforma por incapacidade definitiva para o serviço ativo das Forças Armadas, não examinou o assunto, de maneira suficiente e à luz do art. 110, § 1º, da Lei n. 6.880/1980, ao conceder a remuneração com base no soldo correspondente ao grau hierárquico imediato ao ocupado pelo militar na ativa, hipótese na qual o referido art. 110, § 1º, da Lei n. 6.880/1980 exige a configuração da invalidez para o serviço militar e civil. A Lei n. 7.670/1988, ao incluir, em seu art. 1º, I, c, a SIDA/AIDS como uma das doenças que ensejam a reforma pelo art. 108, V, da Lei n. 6.880/1980, não estabeleceu, para a hipótese, qualquer tratamento diferenciado, em relação às demais moléstias, no que diz respeito à remuneração do militar. Aliado a isso, em relação a outras doenças, igualmente enumeradas no art. 108, V, da Lei n. 6.880/1980, o Superior Tribunal de Justiça tem proclamado a necessidade de configuração da invalidez para a aplicação do art. 110, § 1º, da Lei n. 6.880/1980, o que não poderia ser diferente para a SIDA/AIDS. Sendo assim, não há como aplicar a jurisprudência do STJ, firmada nos aludidos EREsp 670.744/RJ, neste ponto e na hipótese, por exigir o art. 110, § 1º, da Lei n. 6.880/1980 - antes ou depois da Lei n. 13.954/2019 -, além da incapacidade definitiva para o serviço ativo das Forças Armadas, a invalidez, para que o militar, portador do vírus HIV, independentemente do grau de desenvolvimento da doença, seja reformado com soldo correspondente ao grau hierárquico imediatamente superior ao que possuía na ativa.
Conteúdo Completo
O militar de carreira ou temporário (antes da alteração promovida pela Lei n. 13.954/2019) diagnosticado como portador do vírus HIV, tem direito à reforma ex officio por incapacidade definitiva para o serviço ativo das Forças Armadas, porém, sem a remuneração calculada com base no soldo correspondente ao grau hierárquico imediatamente superior ao que possuía na ativa, se não estiver impossibilitado total e permanentemente para qualquer trabalho.
Informações Gerais
Número do Processo
REsp 1.872.008-RS
Tribunal
STJ
Data de Julgamento
11/05/2022