Furto contra empresa de transporte de valores não autoriza aumento da pena-base
O Superior Tribunal de Justiça admite a exasperação da pena-base pela valoração negativa das consequências do delito, com base no prejuízo expressivo sofrido pela vítima, quando ultrapassa o normal à espécie. No caso concreto, não se pode afirmar que o prejuízo extrapolou o tipo penal, porquanto em se tratando de empresa de transporte de valores, o valor subtraído está inserido no risco do negócio. Nesse sentido: "Mostra-se inadmissível a exasperação da pena-base pelas consequências do crime, em razão de que o prejuízo suportado pela vítima se mostra inerente ao crime de furto" (AgRg no REsp 1.984.532/SC, relator Ministro Olindo Menezes - Desembargador convocado do TRF 1ª Região, Sexta Turma, DJe 16/9/2022).
Jurisprudência dominante no PUIL: decisões originárias do STJ em IRDR, IAC e repetitivos
O Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei Federal - PUIL é um meio de impugnação de decisão judicial muito peculiar e próprio do microssistema dos juizados especiais, cujo juízo de admissibilidade se dá por critérios assemelhados aos que esta Corte emprega para a admissão do recurso especial. Nos termos do art. 14 da Lei n. 10.259/2001, o pedido dirigido a esta Corte Superior somente será cabível "quando a orientação acolhida pela Turma de Uniformização, em questões de direito material, contrariar súmula ou jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça - STJ". À falta de baliza normativa específica, revela-se viável que o conceito de jurisprudência dominante, para efeito do manejo do pedido de uniformização de interpretação de lei federal, busque parâmetros na dicção do art. 927 do CPC, adotando-se, como paradigmas utilizáveis pela parte requerente, decisões proferidas pelo STJ, originariamente, no âmbito de IRDRs, de IACs e de seus recursos especiais repetitivos. Nessa linha de raciocínio, já decidiu esta Primeira Seção: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO EM PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL. LEI N. 10.259/2001. PREQUESTIONAMENTO. INDISPENSABILIDADE. JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE. NÃO OCORRÊNCIA. JULGADO ÚNICO. PEDIDO NÃO CONHECIDO. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. Não se conhece do pedido de uniformização de interpretação de lei federal se a matéria apresentada ao STJ para exame não foi objeto de deliberação pela TNU. Necessidade de prequestionamento. Precedente: AgInt no PUIL n. 679/RS, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe de 19/6/2018. 2. Nos termos do art. 14 da Lei n. 10.259/2001, o pedido dirigido a esta Corte Superior somente é cabível "quando a orientação acolhida pela Turma de Uniformização, em questões de direito material, contrariar súmula ou jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça -STJ". 3. O conceito de "jurisprudência dominante", para efeitos do manejo do pedido de interpretação de lei federal, deriva da dicção do art. 927 do CPC e pressupõe, como paradigmas, decisões proferidas em IRDR instaurado nas ações originárias do STJ, do IAC, de recursos especiais repetitivos (inciso III); de súmulas do STJ (inciso IV); ou, ainda, de julgamentos em plenário ou por órgão especial (inciso V). 4. Não se pode ter por "jurisprudência dominante" a compreensão encontrada em um único julgado de órgão fracionário, não consolidada em reiteradas decisões posteriores. Precedentes: AgInt na Pet n. 10.963/PE, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Seção, DJe de 22/2/2018; e Pet n. 10.239/RS, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe de 19/5/2015. 5. Agravo interno não provido. (AgInt no PUIL n. 1.799/DF, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Seção, DJe de 7/10/2022).
Natureza declaratória e retroatividade do cancelamento da imunidade tributária por descumprimento de requisitos
A jurisprudência do STJ definiu que a emissão da Certidão que reconhece a condição de entidade de assistência social tem natureza jurídica declaratória, assim como igualmente o tem o ato administrativo posterior que a cancela, com efeito retroativo à data em que cessou o preenchimento dos requisitos para sua emissão. Nesse sentido: "TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. CEBAS. ATO DECLARATÓRIO. EFICÁCIA EX TUNC. SÚMULA 612/STJ. AGRAVO INTERNO DA FAZENDA NACIONAL DESPROVIDO. (...) 2. O acórdão recorrido em consonância com a jurisprudência consolidada desta Corte, consoante se extrai do teor da Súmula 612 do STJ, segundo a qual o certificado de entidade beneficente de assistência social (CEBAS), no prazo de sua validade, possui natureza declaratória para fins tributários, retroagindo seus efeitos à data em que demonstrado o cumprimento dos requisitos estabelecidos por lei complementar para a fruição da imunidade. (...)" (AgInt nos EDcl no REsp n. 1.730.239/SC, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 23/4/2020). "TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CERTIFICADO DE ENTIDADE BENEFICENTE DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (CEBAS). ATO DECLARATÓRIO. EFICÁCIA EX TUNC. SÚMULA 612/STJ. 1. Relativamente aos efeitos retroativos do CEBAS, esta Corte já se manifestou no sentido de que seus efeitos não se limitam à data do requerimento do certificado, mas sim à data do preenchimento dos requisitos legais para fruição da imunidade, em razão de sua natureza declaratória. 2. A reafirmar o entendimento sedimentado nesta Corte, foi editada a Súmula 612/STJ in verbis: 'O certificado de entidade beneficente de assistência social (CEBAS), no prazo de sua validade, possui natureza declaratória para fins tributários, retroagindo seus efeitos à data em que demonstrado o cumprimento dos requisitos estabelecidos por lei complementar para a fruição da imunidade'. (...)" (AgInt no REsp n. 1.823.496/SC, relator Ministro Sérgio Kukina, DJe 9/12/2019).
Dispensa do exame de corpo de delito em lesão corporal doméstica com provas idôneas
A jurisprudência deste Tribunal possui entendimento consolidado de que a palavra da vítima detém especial importância nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica, devido ao contexto de clandestinidade em que normalmente ocorrem. Todavia, a tese não deve ser vulgarizada a ponto de esvaziar o conteúdo normativo do art. 158 do Código de Processo Penal. Por um lado, incumbe ao Poder Judiciário responder adequadamente aos que perpetram atos de violência doméstica, a fim de assegurar a proteção de pessoas vulneráveis, conforme preconiza a Constituição Federal. Por outro, é um consectário do Estado de Direito preservar os direitos e garantias que visam a mitigar a assimetria entre os cidadãos e o Estado no âmbito do processo penal. Contudo, no caso, não havia laudo emitido por médico particular, nem testemunha que tivesse presenciado o momento das agressões. Ao revés, o exame de corpo de delito deixou de ser realizado, e as fotografias que instruem o feito não foram periciadas, a despeito de terem sido produzidas pelo irmão da vítima. Nesse sentido, verifica-se que a condenação por lesão corporal foi proferida sem a realização de exame de corpo de delito. Ademais, as provas que deveriam suprir essa deficiência consistiam em fotografia não periciada, depoimento da vítima e relato de informante que não presenciou diretamente os fatos. Com efeito, o exame de corpo de delito deixou de ser realizado e os elementos de prova restantes - fotografia não periciada, depoimento da vítima e relato de informante que não presenciou os fatos - se mostraram insuficientes para a manutenção da condenação. A absolvição é medida que se impõe diante da falta de prova técnica exigida por lei, e cuja ausência não foi adequadamente suprida, nem devidamente justificada.
Responsabilidade bancária por fato do serviço e exceção à solidariedade do art. 285 CC
Na controvérsia em análise, a locatária de um cofre em instituição financeira ajuizou ação regressiva, pois as joias e o dinheiro depositados foram retirados por terceiro, seu ex-cônjuge. A ação foi ajuizada contra aquela e este, tendo o Tribunal de origem os condenado solidariamente ao pagamento dos prejuízos sofridos. Ante o pagamento realizado exclusivamente pela instituição financeira, esta obrigação foi extinta. Isto motivou o ajuizamento pela instituição financeira de uma segunda ação, cuja pretensão era de exercer seu direito de regresso contra o terceiro codevedor. Todavia, esta foi julgada procedente para condenar o terceiro ao pagamento de apenas a metade do valor. Malgrado a indiscutível falha no sistema de segurança bancário, que justificou a responsabilização da instituição financeira na primeira ação por fato do serviço (art. 14 do Código de Defesa do Consumidor - CDC), forçoso concluir que o único beneficiado com a fraude perpetrada foi o terceiro que subtraiu os bens, razão pela qual ele tem responsabilidade exclusiva na dívida decorrente dos prejuízos advindos do aludido ato ilícito, porquanto é da lei que, aquele que viola direito e causa dano a outrem deve indenizar (arts. 186 e 927 do Código Civil - CC). Nessa linha, o art. 280 do CC preconiza que o codevedor culpado pelos juros de mora responderá, aos outros, pela obrigação acrescida. Ou seja, somente o culpado pelos juros decorrentes do ilícito extracontratual (responsabilidade aquiliana, baseada no art. 186 do CC) deverá suportar o acréscimo, ainda que, sob o prisma das relações externas, todos os coobrigados respondam por esses juros. Conquanto o banco/depositário responda objetivamente pelos riscos decorrentes de sua atividade lucrativa (sendo, inclusive, nesse sentido o enunciado da Súmula n. 479/STJ), essa obrigação é solidária apenas na relação externa entre ele e a credora. Já na relação jurídica obrigacional interna, observa-se que o terceiro, estranho à relação do depósito, agiu exclusivamente em seu próprio interesse, o que culminou com a constituição da obrigação principal. Fracionar o ressarcimento implicaria admitir que o banco foi conivente com o ato ilícito, o que não se admitiu. Sua falha em impedir o infortúnio não significa que colaborou dolosamente para a prática do delito, pelo contrário, o episódio em nada lhe aproveitou, só lhe causou prejuízos. Não é jurídico que alguém se torne responsável pela culpa alheia, devendo, ao contrário, cada um responder por aquela em que incorrer. Eventual entendimento contrário levaria a um enriquecimento injustificado à custa da instituição financeira, que é, justamente, o que o direito de regresso busca vedar. Com efeito, não seria razoável permitir que se devolvesse apenas metade daquilo que se apropriou ilicitamente, impedindo o banco de rever, regressivamente, a totalidade de uma dívida que, repita-se, não lhe dizia respeito. Importante reiterar ser inequívoco, nos autos, que o ato ilícito praticado foi a causa determinante pelos danos sofridos pela depositante dos bens, visto que ele, sem autorização e valendo-se de uma cópia da chave dela, teve acesso ao cofre de onde subtraiu seus pertences, conforme expressamente consignado na sentença prolatada na demanda indenizatória. Portanto, considerando as circunstâncias peculiares do caso, é imperioso concluir que incide a exceção prevista no art. 285 do CC, já que a solidariedade passiva estabelecida na ação indenizatória interessou, unicamente ao terceiro tornando-o responsável pelo ressarcimento integral do montante pago pelo banco para o adimplemento da condenação.