Aplicação conjunta da agravante genérica e majorante específica nos crimes contra a dignidade sexual
A causa de aumento do art. 226, II, do Código Penal prevê que as penas dos delitos previstos no Título VI - crimes contra a dignidade sexual - serão aumentadas da metade nas hipóteses em que o agente possui autoridade sobre a vítima. Inegável a maior censurabilidade da conduta praticada por quem teria o dever de proteção e vigilância da vítima, além de ser condição apta a facilitar a prática do crime e a dificultar a sua descoberta. De outro lado, a agravante genérica do art. 61, II, f, do CP tem por finalidade punir mais severamente o agente que pratica o crime "com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica". Constata-se que o único ponto de intersecção entre os dois dispositivos em análise é o atinente à existência de relação de autoridade. Na hipótese da majorante, o legislador previu cláusula casuística, na qual trouxe algumas situações em que o agente exerce naturalmente autoridade sobre a vítima, seguida de cláusula genérica, para abarcar outras situações não previstas expressamente no texto legal. No caso da agravante genérica, previu-se que a circunstância de o crime ser cometido com abuso de autoridade sempre agrava a pena. Nessa hipótese, revela-se evidente a sobreposição de situações. Contudo, nos demais casos do art. 61, II, f, do CP, a conclusão deve ser distinta. Isso porque a circunstância de o agente cometer o crime prevalecendo-se das relações domésticas, de coabitação, de hospitalidade ou com violência contra a mulher na forma da lei específica não pressupõe, tampouco exige, qualquer relação de autoridade entre o agente e a vítima. Da mesma forma, o agente pode possuir autoridade sobre a vítima, sem, contudo, incidir, necessariamente, em alguma dessas circunstâncias que agravam a pena. Portanto, se o agente, além de possuir relação de autoridade sobre a vítima, praticar o crime em alguma dessas situações, deve ser aplicada a agravante do art. 61, II, f, do CP, em conjunto com a majorante do art. 226, II, do CP. A aplicação simultânea da agravante genérica e da causa de aumento de pena, nessas hipóteses, não representa uma dupla valoração da mesma circunstância, não sendo possível falar em violação ao princípio do ne bis in idem. Se, do contrário, existir apenas a circunstância de ter o agente autoridade sobre a vítima, deve ser aplicada somente a causa de aumento dos crimes contra a dignidade sexual, diante de sua especialidade em relação à agravante. Destaca-se que a jurisprudência do STJ posiciona-se neste sentido, pois "[c]om razão as instâncias ordinárias, ao fazerem incidir quer a agravante genérica do art. 61, inciso II, alínea "f", quer a causa de aumento específica do art. 226, inciso II, ambas do Código Penal, uma vez que fundamentaram a aplicação da agravante na coabitação e, com relação à causa específica, apontaram a condição do acusado ser pai das vítimas, mantendo com as menores o vínculo familiar expresso no pátrio poder, cuja relação de prevalência é totalmente diversa da relação de coabitação. Com efeito, não é condição de coabitação a relação de ascendência, ou vice-versa, demonstrando cabalmente, assim, tratar a lei de situações totalmente distintas" (HC 336.120/PR, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe de 25/4/2017). No caso, o Tribunal a quo decotou a circunstância agravante por entender que a sua aplicação simultânea com a majorante específica do art. 226, II, do CP configuraria bis in idem, pois o mesmo fato - relação doméstica e parentesco - teria sido valorado negativamente duas vezes. Contudo, a circunstância de o crime ser cometido com prevalência das relações domésticas não se confunde com a relação de autoridade (ascendência) que o acusado possui sobre a vítima, razão pela qual inexiste bis in idem. Ante o exposto, é fixada a seguinte tese: nos crimes contra a dignidade sexual, não configura bis in idem a aplicação simultânea da agravante genérica do art. 61, II, f, e da majorante específica do art. 226, II, ambos do Código Penal, salvo quando presente apenas a relação de autoridade do agente sobre a vítima, hipótese na qual deve ser aplicada tão somente a causa de aumento.
Competência do juízo falimentar para a execução de contribuições previdenciárias oriundas de sentenças trabalhistas
Cinge-se a controvérsia em definir o juízo competente para a execução de contribuições previdenciárias decorrentes de sentença proferida pela Justiça do Trabalho e devidas por sociedade falida. Em atenção às alterações promovidas pela Lei n. 14.112/20 na Lei n. 11.101/2005, em especial às disposições integrantes do art. 7º-A, caput e §§ 2º, 4º, V, e 6º, deste diploma legal, é necessária a instauração, pelo juízo falimentar, para cada Fazenda Pública credora, de incidente de classificação de créditos públicos - discutidos em execuções fiscais e em execuções instauradas de ofício -, sendo de rigor a suspensão dessas demandas até o encerramento da falência. Caso seja decretada a quebra do devedor, quaisquer execuções voltadas à cobrança de créditos públicos, mesmo aquelas instauradas de ofício para cobrança de contribuições sociais, devem ficar suspensas após a instauração do correlato incidente de classificação pelo juízo da falência, a fim de que o montante passe a integrar o quadro-geral de credores e os pagamentos respeitem à ordem legal de preferências (art. 83 da Lei n. 11.101/2005). Assim, a execução de crédito público devido por sociedade falida nos próprios autos da ação trabalhista contra ela movida invade a esfera de competência do juízo falimentar.
Inadmissibilidade de recurso especial ao STJ para reexame da incapacidade do segurado
O STJ tem uma jurisprudência estável e uniforme a dizer que não é passível de conhecimento o recurso especial interposto para rediscutir as conclusões do acórdão recorrido quanto ao preenchimento do requisito legal da incapacidade do segurado para o exercício de atividade laborativa, seja pela vertente de sua existência, de sua extensão (total ou parcial) e/ou de sua duração (temporária ou permanente), em casos nos quais controvertem as partes quanto ao direito do segurado a um benefício por incapacidade (aposentadoria por invalidez, auxílio-doença, auxílio-acidente). Sempre que instado a rever as conclusões das instâncias ordinárias quanto à matéria, afirma o STJ que do recurso especial não se pode conhecer, tendo em vista que atingir conclusão diferente daquela que exsurge do acórdão recorrido demandaria inevitável reexame dos fatos e das provas do processo, o que é vedado nos termos da Súmula 7/STJ por desvirtuar a ratio essendi do recurso especial. Elevar essa secular jurisprudência persuasiva do STJ à condição de precedente vinculante por meio do presente julgamento é medida salutar, que conspira a favor da racionalização dos trabalhos do Tribunal e, por consequência, favorece o cumprimento de sua função institucional primordial. Há fundamentos de ordem legal, sistêmica e empírica que respaldam essa afirmação. Em relação aos fundamentos legais, registra-se que não há qualquer impedimento legal à criação de precedente vinculante alusivo à admissibilidade do recurso especial, como não há para qualquer outra questão processual, ex vi do art. 928, parágrafo único, do Código de Processo Civil. O art. 1.036, § 6º, do CPC, ao aludir a recurso "admissível", estabelece comando dirigido aos tribunais de apelação, o que faz tomando em conta o que ordinariamente acontece, ou seja, que o recurso especial precisa, quase sempre, ser conhecido para que o STJ possa analisar a questão de direito controvertida, que está posta no recurso como mérito recursal. O juízo de admissibilidade positivo, portanto, quase sempre é inevitável para a afetação do recurso ao regime dos repetitivos. Mas haverá situações em que a própria admissibilidade do recurso especial pode constituir a questão a ser dirimida pelo Tribunal, o que torna inviável condicionar a análise da questão ao prévio conhecimento do recurso. Em relação aos fundamentos sistêmicos, registra-se que devem ser compreendidos a partir de uma visão estrutural do sistema brasileiro de precedentes. Esses fundamentos se concatenam de modo a extrair do sistema de precedentes a sua máxima potencialidade, racionalizando-se os trabalhos do STJ para que sua verdadeira vocação institucional seja fielmente cumprida. Se operada com prudência e comedimento, a elevação de persuasiva para vinculante de uma jurisprudência do STJ sólida, uniforme e estável, relativa à inadmissibilidade do recurso especial nesta ou naquela hipótese, tem a aptidão de racionalizar os trabalhos do Tribunal, dispensando-o do injustificável encargo de afirmar em infinitas causas que lhe sejam remetidas que tal ou qual hipótese não autoriza o conhecimento do recurso especial interposto. Por fim, em relação aos fundamentos empíricos, registra-se que a metodologia da pesquisa consistiu em consulta à base de dados jurisprudenciais do STJ, analisando-se todos os acórdãos produzidos pela Primeira e Segunda Turmas publicados em um intervalo de tempo de 5 (cinco) anos (30/6/2019 a 30/6/2024), considerado razoável e suficiente para a identificação de eventual padrão decisório do Tribunal em casos nos quais presente a hipótese investigada. Como critério inicial de refinamento da pesquisa, foram utilizados simultaneamente três termos genéricos ("previdenciário" + "benefício" + "incapacidade") que, somados, assegurariam a priori que fossem excluídos da análise apenas acórdãos absolutamente estranhos à controvérsia pesquisada. Da pesquisa jurisprudencial resultou em 46 acórdãos, que confirmou, de maneira peremptória, a hipótese sugerida: em todos os 46 julgados (cem por cento das amostras válidas), as Turmas de Direito Público do STJ afirmaram, sem nenhuma discordância, a inadmissibilidade do recurso especial interposto para rediscutir as conclusões do acórdão recorrido quanto ao preenchimento, em caso concreto em que se controverte quanto a benefício previdenciário por incapacidade (aposentadoria por invalidez, auxílio-doença ou auxílio-acidente), do requisito legal da incapacidade do segurado para o exercício de atividade laborativa, seja pela vertente de sua existência, de sua extensão (total ou parcial) e/ou de sua duração (temporária ou permanente). Dado o objeto da controvérsia tal como posto no recurso especial, é uniforme e estável a jurisprudência do STJ a reconhecer que do recurso especial não se pode conhecer, uma vez que a pretensão do recorrente demanda, inexoravelmente, reexame de todo o acervo de fatos e provas da causa, inviável em recurso especial nos termos da Súmula 7/STJ. Os mesmos critérios de pesquisa foram utilizados para a análise das decisões monocráticas proferidas pelos Ministros e Ministras integrantes da Primeira e Segunda Turmas e pela Presidência do STJ, haja vista que a matéria, pela sua natureza e pela solução que a ela é conferida, resolve-se, em regra, por meio de simples decisão singular. Mais uma vez, sem nenhuma surpresa, concluiu-se que em 100% (cem por cento) das decisões analisadas a solução encontrada pelo relator, pela relatora, ou pela Presidência, foi o não conhecimento do recurso especial, com aplicação do óbice da Súmula 7/STJ. Em todos os casos analisados e acima identificados, o que se pedia ao STJ é que a solução conferida à causa fosse modificada por meio do reexame dos fatos e das provas dos autos, utilizando-se, assim, do recurso especial como mero recurso ordinário, e tomando-se o STJ como mera Corte de Revisão. Ante todos os fundamentos legais, sistêmicos e empíricos expostos, fixa-se a seguinte tese jurídica de eficácia vinculante: "É inadmissível recurso especial interposto para rediscutir as conclusões do acórdão recorrido quanto ao preenchimento, em caso concreto em que se controverte quanto a benefício por incapacidade (aposentadoria por invalidez, auxílio-doença ou auxílio-acidente), do requisito legal da incapacidade do segurado para o exercício de atividade laborativa, seja pela vertente de sua existência, de sua extensão (total ou parcial) e/ou de sua duração (temporária ou permanente)".
Inaplicabilidade do artigo 3º da EC 47/2005 a contrato administrativo celetista em fundação pública
A controvérsia cinge-se a aferir se o período laborado em Fundação prestadora de serviço público, como celetista, antes de ser ocupante de cargo efetivo, deve ser considerado como tempo de efetivo serviço para o fim de aposentadoria com proventos integrais, nos termos do previsto no art. 3º, caput, da Emenda Constitucional n. 47/2005. O caput do art. 3º da EC n. 47/2005, expressamente, garante o direito à aposentadoria com proventos integrais ao servidor "da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações" cujo ingresso no serviço público tenha ocorrido anteriormente a 16/12/1998. Não se contesta a natureza de serviço público prestado em Fundação estadual (pessoa jurídica de direito privado). O que se discute é a existência de vínculo efetivo, com o fim de integralizar a aposentadoria pelo regime próprio. Despicienda a natureza jurídica da Fundação estadual, cujo serviço prestado era inequivocamente de caráter público. O que importa para a solução da controvérsia é a natureza do vínculo empregatício. O trabalho junto à Fundação se deu por meio de contrato administrativo, regido pela CLT e com contribuição, portanto, ao Regime Geral da Previdência Social - RGPS. Embora o tempo laborado junto à Fundação seja computado para sua aposentadoria, a contribuição naquele período difere-se daquela como servidor público concursado e não é apta a integralizar a sua aposentadoria voluntária como almejado. Assim, conclui-se que a regra prevista no art. 3º da EC n. 47/2005 destina-se aos servidores ocupantes de cargo efetivo. A expressão "ingresso no serviço público" refere-se à investidura em cargo público, nos termos do art. 37 da Constituição Federal, que expressamente prevê, no inciso II, que "a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público".
Ação de consignação tributária exige prova concreta de dupla cobrança por entes federativos
Cinge-se a controvérsia quanto a presença ou não de requisito legal para o ajuizamento da ação consignatória, relacionada à exigência por mais de um sujeito ativo de tributo sobre o mesmo fato gerador, tratado no caso como concurso de exigências. Embora haja previsão específica no âmbito do direito tributário, no artigo 164 do CTN, a singela normatização impõe a interpretação sistemática de normas, a fim de extrair o alcance de suas disposições. De forma geral, consoante se extrai dos artigos 539 e 546 do CPC/2015 e do art. 334 do CC/2002, vê-se que ação consignatória é o instrumento pelo qual o sujeito passivo visa obter os efeitos do pagamento de uma obrigação e a sua extinção, ou seja, objetiva a quitação da obrigação. No campo do direito tributário, admite-se a consignação do crédito tributário em juízo pelo sujeito passivo em hipóteses determinadas (art. 164, I, II e III, do CTN). Nesses casos, julgada procedente a consignação, considera-se realizado o pagamento do crédito tributário (§ 2º do art. 164 do CTN). Quanto à específica previsão do art. 164, III, do CTN, esta diz respeito à consignação de tributo exigido por mais de um sujeito ativo, baseado no mesmo fato gerador. Desse modo, a dúvida sobre o legítimo titular de um crédito tributário é o que autoriza o ajuizamento da demanda. O concurso de exigências do tributo por mais de uma Fazenda Pública, portanto, configura requisito para a propositura da ação de consignação em pagamento, nessa hipótese. Nesse sentido, a observância do mencionado pressuposto encontra-se no âmbito do interesse de agir. O ajuizamento da ação pressupõe a demonstração da necessidade e da utilidade da prestação jurisdicional de extinção de um crédito tributário exigido por mais de um sujeito ativo mediante a consignação em pagamento. Ou seja, comprovada a exigência de um tributo por mais de um ente federativo estaria atendida essa imposição legal para o ajuizamento da demanda. No direito processual civil, predomina na doutrina e jurisprudência pátrias a teoria da asserção, segundo a qual a verificação das condições da ação deve ser realizada com base no que consta na petição inicial, abstratamente. Dessa forma, com relação à ação consignatória fundada no inciso III do art. 164 do CTN, da argumentação da petição inicial deve despontar seguramente a exigência do mesmo tributo por mais de um sujeito ativo. À luz das afirmações deduzidas na petição inicial, deve ser possível a verificação da real exigência do tributo por mais de uma pessoa jurídica de direito público. No caso, da leitura da petição inicial, não é possível se constatar a dupla cobrança do tributo, uma vez que a ação consignatória foi ajuizada com base exclusivamente em previsão legal abstrata da tributação por mais de um ente público. Ressalte-se que o dispositivo do CTN anteriormente transcrito menciona a exigência do tributo, o que leva a crer que dependeria da prévia existência de um crédito tributário devidamente constituído e em vias de cobrança, ainda que no âmbito administrativo. Raciocínio diverso permitiria a inusitada situação em que o sujeito passivo estaria autorizado a consignar importância ainda indefinida. Dessa maneira, a exigência, por mais de uma pessoa jurídica de direito público, de tributo idêntico sobre um mesmo fato gerador encontra-se no domínio das condições da ação consignatória prevista no art. 164, III, do CTN, de maneira que a efetiva cobrança, administrativa ou judicial, deve ser verificada da argumentação deduzida na petição inicial. A mera existência de previsão legal abstrata do tributo ou o oferecimento de contestação à ação de consignação em pagamento não são suficientes para atender ao requisito de que trata o mencionado dispositivo do CTN.