Sub-rogação securitária não abrange vantagens processuais consumeristas, especialmente regra de competência
A controvérsia consiste em definir se a seguradora se sub-roga nas prerrogativas processuais inerentes aos consumidores, em especial na regra de competência prevista no art. 101, I, do Código de Defesa de Consumidor (CDC), em razão do pagamento de indenização ao segurado em virtude do sinistro. O art. 379 do Código Civil estabelece que "a sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores". A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se consolidou no sentido de que a sub-rogação se limita a transferir os direitos de natureza material, não abrangendo os direitos de natureza exclusivamente processual decorrentes de condições personalíssimas do credor. Nesse sentido, não é possível a sub-rogação da seguradora em norma de natureza exclusivamente processual e que advém de uma benesse conferida pela legislação especial ao indivíduo considerado vulnerável nas relações jurídicas, a exemplo do que preveem os arts. 6º, VIII e 101, I, do CDC. A opção pelo foro de domicílio do consumidor (direito processual) prevista no art. 101, I, do CDC, em detrimento do foro de domicílio do réu (art. 46 do Código de Processo Civil), é uma faculdade processual conferida ao consumidor para as ações de responsabilidade do fornecedor de produtos e serviços em razão da existência de vulnerabilidade inata nas relações de consumo. Busca-se, mediante tal benefício legislativo, privilegiar o acesso à justiça ao indivíduo que se encontra em situação de desequilíbrio. Logo, a inversão do ônus da prova prevista no art. 6º, VIII, do CDC não pode ser objeto de sub-rogação pela seguradora por se tratar de prerrogativa processual que decorre, diretamente da condição de consumidor.
Legalidade da abordagem policial fundada em informações prévias sobre veículo suspeito de tráfico de drogas
O art. 244 do Código de Processo Penal prevê que "a busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar". Segundo entendimento do STJ, "Não satisfazem a exigência legal [para se realizar a busca pessoal e/ou veicular], por si sós, meras informações de fonte não identificada (e.g. denúncias anônimas) ou intuições e impressões subjetivas, intangíveis e não demonstráveis de maneira clara e concreta, apoiadas, por exemplo, exclusivamente, no tirocínio policial. Ante a ausência de descrição concreta e precisa, pautada em elementos objetivos, a classificação subjetiva de determinada atitude ou aparência como suspeita, ou de certa reação ou expressão corporal como nervosa, não preenche o standard probatório de "fundada suspeita" exigido pelo art. 244 do CPP" (RHC 158.580/BA, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 19/4/2022, DJe 25/4/2022). No caso, a abordagem foi realizada em razão de informe prévio com descrição pormenorizada do veículo que estaria transportando entorpecentes, com detalhamento da placa e sua características, o que motivou a busca veicular e o encontro de mais de 62kg (sessenta e dois quilogramas) de pasta-base de cocaína, fundamentos adequados e suficientes para autorizar a diligência. No mesmo sentido o parecer do Ministério Público Federal, para quem "houve, sim, fundada suspeita apta a ensejar a realização de busca pessoal e veicular, consistente em denúncia baseada em elementos concretos, precisos e objetivos (modelo, marca e placa do veículo), a fim de fazer cessar a ocorrência de crime de natureza permanente, qual seja o tráfico de entorpecentes, não sendo o caso de ilegalidade".
Venda de bens prevista em plano de recuperação judicial homologado dispensa assembleia geral de credores
Cinge-se a controvérsia sobre a necessidade de autorização específica da assembleia geral de credores ou de reconhecimento expresso pelo juiz da utilidade da venda de ativo de sociedade empresária, quando esta decorre do cumprimento do plano de recuperação judicial regularmente homologado. Inicialmente, cumpre observar que a distribuição do pedido de recuperação judicial surte efeitos sobre o patrimônio da empresa recuperanda, que, desde o ajuizamento da ação, perde a faculdade de livremente alienar ou onerar bens ou direitos de seu ativo não circulante. Poderá fazê-lo somente com autorização do juiz, que deve decidir se a medida é favorável ou prejudicial à recuperação da empresa, depois de ouvir o comitê de credores ou, na sua ausência, o administrador judicial. Contudo, se a alienação ou oneração do bem ou direito estiver prevista no plano de recuperação, não haverá necessidade de autorização do juiz ou manifestação dos credores, pois o plano já foi aprovado e homologado com tal previsão. Na hipótese, a venda já estava prevista no plano de recuperação judicial homologado, tratando da necessidade da alienação e da destinação que se daria ao dinheiro recebido, para cumprir objetivos elencados no próprio plano, relativos a reforço de fluxo de caixa, pagamento das dívidas originariamente contraídas pela recuperanda e empresas do grupo econômico, bem como pagamento de credores trabalhistas, credores financeiros e credores operacionais. Além disso, não se questionou o valor da transação, nem a boa-fé do terceiro adquirente, tampouco se demonstrou prejuízo à recuperanda ou fraude. Nesse sentido, os bens alienados no processo de recuperação judicial são livres de ônus e sem sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, nos termos do art. 60, parágrafo único, da Lei 11.101/2005, considerando as finalidades da legislação, o que se aplica tanto às vendas judiciais como a outras modalidades (REsp 1.854.493/SP, Relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 23/8/2022, DJe 26/8/2022). Dessa forma, consumado o negócio jurídico, com o recebimento dos recursos financeiros correspondentes pela devedora e o registro da escritura pública de compra e venda, impõe-se a manutenção da alienação do imóvel a terceiro adquirente de boa-fé, eis que realizada conforme expressa previsão no plano de recuperação homologado, dando-se, assim, segurança para o investidor que se interessou em adquirir o bem da empresa em crise. Ademais, o posterior encerramento da recuperação judicial, em razão da perda superveniente de objeto, no que diz respeito à preservação da atividade principal da recuperanda, reforça a convicção de que a declaração de ineficácia da alienação em nada favoreceria à recuperanda, tornando o terceiro adquirente o maior prejudicado pelo desfazimento da venda, pois se tornaria mais um credor da massa falida, sem muita probabilidade de reaver o pagamento integral da elevada quantia já dispendida pelo imóvel.
Dispensa da colação exige declaração expressa e escrita de doação na parte disponível
A controvérsia consiste em definir se a dispensa de colação pode ser tácita, deduzida do comportamento da genitora ao simular negócio jurídico de dação em pagamento para efetivar doação de imóvel à filha, ou se deve obrigatoriamente ser expressa. A doação realizada por ascendente a descendente configura antecipação da quota hereditária que seria devida por ocasião do falecimento, ressalvada a possibilidade de expressa declaração de que a doação provém da parte disponível da massa de bens. Essa sistemática fundamenta-se no princípio da igualdade dos quinhões hereditários e, para garantir tal equilíbrio, o instituto da colação determina que, no momento da abertura da sucessão, os herdeiros tragam à conferência os bens doados em vida pelo ascendente. O objetivo é impedir que o donatário se beneficie duplamente - mediante doação e abertura da sucessão -, em detrimento dos demais herdeiros não contemplados. Todavia, há exceções. O art. 2.005 do Código Civil dispensa de colação as doações quando o doador determinar que saiam da parte disponível, contanto que não a excedam, computado o seu valor ao tempo da doação. O dispositivo legal fundamenta-se no princípio sucessório segundo o qual o autor da herança pode destinar a parte disponível livremente a quem desejar, na proporção que escolher. Nesse sentido, conclui-se que o termo "determinar" não comporta interpretações extensivas ou presunções. Sendo assim, a dispensa de colação exige manifestação volitiva clara e expressa do doador, não podendo ser inferida tacitamente. Logo, a dispensa do dever de colacionar bens doados somente se efetiva quando o doador, de forma expressa e inequívoca, declara formalmente que a liberalidade será realizada à conta de sua parte disponível, não constituindo adiantamento de legítima. Portanto, a simulação do negócio jurídico original, mascarando uma doação sob a forma de dação em pagamento, não pode implicar dispensa tácita da colação.
Suspensão e restabelecimento do processo e prescrição no art. 366 CPP dependem de decisão judicial
Conforme lição doutrinária sobre o art. 366 do Código de Processo Penal, "O termo inicial da suspensão será a data da decisão do juiz que a determinou e o termo final, a data do comparecimento do réu, espontaneamente ou não, ou do seu procurador, dependendo o reinício do curso do prazo de decisão judicial que levante o sobrestamento do feito". No caso, considerou-se que o prazo prescricional estaria suspenso desde o decurso do prazo fixado na citação editalícia até a citação pessoal, a despeito da ausência de decisão judicial nesse sentido. Nesse contexto, não é possível considerar que houve suspensão do processo e do prazo prescricional, nos termos do art. 366 do Código de Processo Penal, porquanto se trata de suspensão que não é automática, dependendo de decisão judicial, a qual não foi proferida. Com efeito, sobre à prescrição, "tem-se que sua suspensão, em conjunto com a suspensão do processo, ocorre por meio de decisão do Magistrado de origem. Dessa forma, em observância ao paralelismo das formas, apenas é possível retomar sua contagem também por meio de decisão do Juiz que restabelece o curso do processo" (AgRg no HC 632.230/MS, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 4/2/2021). Note-se que, "para o fim preconizado, mister que o magistrado profira decisão determinando a suspensão do processo, notadamente em observância ao contido no artigo 93, inciso IX, da Constituição da República, não se operando o sobrestamento de forma automática. De igual modo, para restabelecer a sua tramitação, impõe-se a prolação de nova decisão, já que a lei não prevê o prosseguimento de plano da ação" (HC 67.435/RS, Ministro Paulo Gallotti, Sexta Turma, DJe de 23/3/2009). Destaque-se que o fato de se tratar de determinação que decorre da lei (ope legis), e não do juiz (ope judici), não significa a desnecessidade de decisão judicial, mas apenas a desnecessidade de se fundamentar a decisão suspensiva, uma vez que, preenchidos os pressupostos legais, basta que o juiz os reconheça e proceda à suspensão do processo e da prescrição. A ausência de decisão, especialmente em matéria de prescrição, acabaria por gerar insegurança jurídica e a subversão de princípios constitucionais.