Este julgado integra o
Informativo STF nº 861
"Os estrangeiros residentes no País são beneficiários da assistência social prevista no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, uma vez atendidos os requisitos constitucionais e legais" Os estrangeiros residentes no País são beneficiários da assistência social prevista no art. 203, V, da Constituição Federal (CF) (1), uma vez atendidos os requisitos constitucionais e legais. Com base nessa orientação, o Plenário negou provimento a recurso extraordinário em que discutida a concessão de benefício assistencial a estrangeiros residentes no Brasil. Inicialmente, o Plenário registrou que o caso envolve os preceitos relativos à dignidade humana, à solidariedade social, à erradicação da pobreza e à assistência aos desamparados, os quais fornecem base para interpretação adequada do benefício assistencial estampado na Constituição Federal (CF). Observou, com base em doutrina, que o substrato do conceito de dignidade humana pode ser decomposto em três elementos: a) valor intrínseco, b) autonomia e c) valor comunitário. Como “valor intrínseco”, a dignidade requer o reconhecimento de que cada indivíduo é um fim em si mesmo. Impede-se, de um lado, a funcionalização do indivíduo e, de outro, afirma-se o valor de cada ser humano, independentemente das escolhas, situação pessoal ou origem. Deixar desamparado um ser humano desprovido dos meios materiais para garantir o próprio sustento, haja vista a situação de idade avançada ou deficiência, representaria expressa desconsideração do mencionado valor. Como “autonomia”, a dignidade protege o conjunto de decisões e atitudes relacionado especificamente à vida de certo indivíduo. Para que determinada pessoa possa mobilizar a própria razão em busca da construção de um ideal de vida boa, é fundamental que lhe sejam fornecidas condições materiais mínimas. Nesse aspecto, a previsão do art. 203, V, da CF também opera em suporte dessa concepção de vida digna, cabendo ao Estado brasileiro dar essa sustentação até mesmo ao não nacional. Realçou que a ideia maior de solidariedade social constitui princípio da CF. No mais, ponderou que o estrangeiro residente no País, inserido na comunidade, participa do esforço mútuo, na construção de um propósito comum. Esse laço de irmandade, fruto, para alguns, do fortuito e, para outros, do destino, faz-nos, de algum modo, responsáveis pelo bem de todos, até mesmo daqueles que adotaram o Brasil como novo lar e fundaram seus alicerces pessoais e sociais nesta terra. Ao lado dos povos indígenas, o País foi formado por imigrantes, em sua maioria europeus, os quais fomentaram o desenvolvimento da nação e contribuíram sobremaneira para a criação e a consolidação da cultura brasileira. Desde a criação da nação brasileira, a presença do estrangeiro no País foi incentivada e tolerada. Não seria coerente com a história estabelecer diferenciação tão somente pela nacionalidade, especialmente quando a dignidade está em xeque em momento de fragilidade do ser humano — idade avançada ou algum tipo de deficiência. Consignou que o constituinte instituiu a obrigação do Estado de prover assistência aos desamparados, sem distinção. Com base no art. 6º da CF, os Poderes Públicos devem efetivar políticas para remediar, ainda que minimamente, a situação precária daqueles que acabaram relegados a essa condição, sem ressalva em relação ao não nacional. Nesse ponto, ressaltou que, pelo contrário, o art. 5º, “caput”, da CF estampa o princípio da igualdade e a necessidade de tratamento isonômico entre brasileiros e estrangeiros residentes no País. Asseverou que a óptica veiculada na regra infralegal (Lei 8.742/1993), ao silenciar quanto aos estrangeiros residentes no País, não se sobrepõe à revelada na CF, que estabeleceu, sem restringir os beneficiários somente aos brasileiros natos ou naturalizados, que “a assistência social será prestada a quem dela necessitar”. A Corte afirmou que, ao delegar ao legislador ordinário a regulamentação do benefício, a CF o fez apenas quanto à forma de comprovação da renda e das condições específicas de idoso ou portador de necessidades especiais hipossuficiente. Dessa forma, não houve delegação relativamente à definição dos beneficiários, já estabelecida. No confronto de visões, deve, portanto, prevalecer aquela que melhor concretiza o princípio constitucional da dignidade humana, cuja observância surge prioritária no ordenamento jurídico. Ressaltou que o orçamento, embora seja peça essencial nas sociedades contemporâneas, não tem valor absoluto. A natureza multifária do orçamento abre espaço à atividade assistencial, que se mostra de importância superlativa no texto da CF. No ponto, registrou não terem sido apresentadas provas técnicas da indisponibilidade financeira e do suposto impacto para os cofres públicos nem de prejuízo para os brasileiros natos e naturalizados. Por fim, concluiu ser descabido o argumento de pertinência do princípio da reciprocidade, ou seja, arguir que o benefício somente poderia ser concedido a estrangeiro originário de país com o qual o Brasil tenha firmado acordo internacional e que preveja a cobertura da assistência social a brasileiro que esteja em seu território. Apesar de a reciprocidade permear a CF, não é regra absoluta quanto ao tratamento dos não nacionais. O Sistema Único de Saúde (SUS) é regido pelo princípio da universalidade a tutelar a saúde, direito fundamental do ser humano. Assim, ao ingressar no território brasileiro, o estrangeiro tem direito a atendimento médico pelo SUS, caso precise de assistência de urgência, sem necessidade de reciprocidade para garantir tal suporte. Em suma, somente o estrangeiro com residência fixa no País pode ser auxiliado com o benefício assistencial, pois, inserido na sociedade, contribui para a construção de melhor situação social e econômica da coletividade. Somente o estrangeiro em situação regular no País, residente, idoso ou portador de necessidades especiais, hipossuficiente em si mesmo e presente a família pode se dizer beneficiário da assistência em exame. Nessa linha de ideias, os estrangeiros em situação diversa não alcançam a assistência, haja vista o não atendimento às leis brasileiras, fato que, por si só, demonstra a ausência de noção de coletividade e de solidariedade a justificar a tutela do Estado. (1) CF, Art. 203: “A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: (...) V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.”
CF, arts. 5º, "caput, 6º e 203, V.
Número do Processo
587970
Tribunal
STF
Data de Julgamento
20/04/2017
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A discussão consiste em saber se é necessária a cooperação internacional para o fornecimento de dados telemáticos de comunicação privada sob controle de provedores sediados no exterior, quando há subsidiária no Brasil. A Constituição Federal, no art. 5º, inciso X, estabelece que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. No inciso XII do mesmo dispositivo, a Constituição trata da inviolabilidade dos sigilos de correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e comunicações telefônicos. Todavia, o direito ao sigilo não é absoluto. O ordenamento jurídico brasileiro admite que, excepcionalmente, seja decretada de maneira fundamentada a quebra de sigilo dos fluxos de comunicação ou de dados armazenados. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça, assim como a Suprema Corte, entende que é possível afastar sua proteção quando presentes circunstâncias que denotem a existência de interesse público relevante, invariavelmente por meio de decisão proferida por autoridade judicial competente, suficientemente fundamentada, na qual se justifique a necessidade da medida para fins de investigação criminal ou de instrução processual criminal, sempre lastreada em indícios que devem ser, em tese, suficientes à configuração de suposta ocorrência de crime sujeito à ação penal pública. (RMS 60.698/RJ, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, DJe 4/9/2020). Conforme destacado pelo Tribunal de origem, o § 2º do art. 11 da Lei n. 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) estabelece que suas disposições aplicam-se "mesmo que as atividades sejam realizadas por pessoa jurídica sediada no exterior, desde que oferte serviço ao público brasileiro ou pelo menos uma integrante do mesmo grupo econômico possua estabelecimento no Brasil". Assim, "tem-se a aplicação da lei brasileira sempre que qualquer operação de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros de dados pessoais ou de comunicações por provedores de conexão e aplicações de internet ocorra em território nacional, mesmo que apenas um dos dispositivos da comunicação esteja no Brasil e mesmo que as atividades sejam feitas por empresa com sede no estrangeiro". Quanto à desnecessidade de cooperação jurídica internacional para a obtenção dos dados telemáticos de comunicação privada sob controle de provedores sediados no exterior, o STJ já firmou entendimento no sentido de que "por estar instituída e em atuação no País, a pessoa jurídica multinacional submete-se, necessariamente, às leis brasileiras, motivo pelo qual se afigura desnecessária a cooperação internacional para a obtenção dos dados requisitados pelo juízo." (RMS 55.109/PR, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 17/11/2017). Portanto, a jurisdição brasileira aplica-se a empresas multinacionais que atuam no país, sendo desnecessária a cooperação internacional para obtenção de dados requisitados pelo juízo.
A controvérsia consiste em saber se a apropriação de bens por sócio-administrador, na qualidade de depositário judicial, configura o crime de apropriação indébita, considerando a autonomia patrimonial entre a pessoa jurídica e seus sócio. O Tribunal de origem, em sede de embargos infringentes, absolveu o sócio-administrador de sociedade empresária da condenação por apropriação indébita, sob o argumento de inexistência da elementar "coisa alheia", uma vez que os bens sob sua administração integrariam o patrimônio da sociedade de que faz parte. Contudo, não se vislumbra fundamento jurídico idôneo que autorize inferência de que patrimônios pertencentes a entes distintos cada qual investido de personalidade jurídica própria possam ser indistintamente confundidos, especialmente para fins de excludente de tipicidade penal. Ressalte-se, ademais, que a positivação do art. 49-A do Código Civil, pela Lei n. 13.874/2019, veio precisamente reforçar a separação patrimonial, esvaziando quaisquer pretensões hermenêuticas que desconsiderem a autonomia jurídica conferida às pessoas jurídicas e seus respectivos sócios, administradores ou instituidores. No caso, o acusado, investido na qualidade de depositário judicial - encargo que pressupõe inequívoca fidúcia e subordinação à autoridade jurisdicional -, apropriou-se de bens corpóreos integrantes do patrimônio da pessoa jurídica sob sua administração. Admitir a atipicidade penal de tal conduta equivaleria, em última análise, a esvaziar o próprio sentido da tutela jurisdicional e a desmerecer o valor normativo das decisões judiciais. O art. 161 do CPC distingue, de modo inequívoco, a responsabilidade civil decorrente do inadimplemento do dever de guarda da mera repressão penal dirigida àquele que, contrariando decisão judicial, apropria-se de bens confiados à sua custódia. No contexto em apreço, não se trata de utilizar a prisão civil como forma coercitiva de satisfação de obrigações, mas de imputar ao agente a responsabilidade penal que emerge da violação do dever de fiel depositário, cujos contornos típicos se ajustam, sem desvios, à moldura prevista no Código Penal. É notório que o depositário, ao assumir o encargo de guarda, passa a deter a posse por imposição judicial, não por liberalidade ou exercício de poderes inerentes à administração ordinária da sociedade empresária. Tal circunstância torna irrelevante, para fins penais, a condição de sócio-administrador, pois o fundamento da posse advém de ato estatal vinculante e não do exercício privado da autonomia negocial. Ressalte-se, ainda, que o instituto da apropriação indébita, em sua modalidade qualificada, assume inequívoca feição de tutela institucional dos deveres de colaboração com a Justiça. O legislador, ao tipificar a conduta, busca, primordialmente, proteger a confiança que o Estado deposita nos sujeitos investidos em funções auxiliares ao exercício da jurisdição, e não apenas, ou prioritariamente, salvaguardar interesses patrimoniais privados. O sentido da norma penal, nessa perspectiva, é de reforçar a obrigatoriedade do cumprimento das ordens judiciais e sancionar comportamentos que obstem a efetividade da prestação jurisdicional. Com efeito, no julgamento do RHC 58.234/PR, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça já repudiou, de forma categórica, a alegação segundo a qual a nomeação do sócio-administrador de pessoa jurídica como depositário judicial de bens da sociedade empresária obstaria, por si só, a configuração típica do delito previsto no art. 168, § 1º, II, do CP. Rejeitou-se, pois, o argumento de que a suposta confusão patrimonial entre o sócio e a pessoa jurídica excluiria o elemento da "coisa alheia" e, por conseguinte, a tipicidade penal, enfatizando-se o princípio da autonomia patrimonial, eixo estruturante do regime jurídico das sociedades empresária. Deste modo, a ratio decidendi do citado precedente assenta-se no reconhecimento de que a autonomia patrimonial entre a sociedade empresária e seus sócios não se fragiliza pela circunstância de o depositário judicial figurar, concomitantemente, como sócio-administrador. O vínculo fiduciário que se impõe ao depositário subsiste independentemente de eventuais relações societárias, de modo que a recusa injustificada em informar ou devolver os bens depositados configura o dolo específico exigido pelo art. 168, § 1º, II, do CP.
No caso em discussão, a parte autora defende que o tempo de serviço prestado a título de serviço militar obrigatório não seja computado no total, para fins de se obter a prorrogação do vínculo militar temporário voluntário, nos termos do art. 27, § 3º, da Lei n. 4.375/1964. A Lei do Serviço Militar (Lei n. 4.375/1964) disciplina que a contagem do tempo de serviço militar inicia-se no dia da incorporação, decorrida de convocação (serviço militar obrigatório) ou de voluntariedade. A mencionada Lei não faz distinção, para fins de tempo de serviço, entre o serviço obrigatório ou voluntário, sendo expresso, nos art. 27, § 3º, e 33, que a prorrogação segue a conveniência da Força Armada interessada, todavia, não podendo ultrapassar 96 (noventa e seis) meses, contínuos ou não, como militar, em qualquer Força Armada. Como é cediço, não cabe ao intérprete distinguir se o legislador não o fez. Nesse sentido, não tendo a Lei conferido tratamento diferenciado entre o militar que cumpre serviço obrigatório e o militar voluntário, especificamente quanto à contagem do tempo de serviço, não cabe ao Poder Judiciário criar a referida distinção. Assim, o tempo de serviço, que tem início com a incorporação, seja ela como militar convocado ou voluntário, deve findar-se, no máximo, em 96 (noventa e seis) meses, contínuos ou não, de acordo com a literalidade no § 3º do art. 27 da Lei n. 4.375/1964.
Nos termos da jurisprudência do STJ, é possível que se determine a sucessão processual da sociedade empresária por seus sócios no caso de perda de sua personalidade jurídica. A sucessão é possível porque com a dissolução a sociedade empresária perde sua personalidade jurídica, surgindo a legitimação dos ex-sócios para figurarem na ação. O CNPJ inapto significa que a sociedade empresária não apresentou demonstrativos e declarações no prazo de 2 (dois) anos consecutivos, conforme se verifica do art. 81 da Lei n. 9.430/1996. Essa situação, porém, não se equipam à dissolução regular da pessoa jurídica, podendo ser, inclusive, revertida dentro de certo prazo. Ainda, o fato de a sociedade empresária ter mudado de endereço também não é suficiente para concluir por sua dissolução e perda de personalidade jurídica. A instauração do procedimento de habilitação dos sócios para o posterior deferimento da sucessão processual depende de prova de que a sociedade empresária foi dissolvida, com a extinção de sua personalidade jurídica. Sem a prova da "morte", não é possível deferir a sucessão processual.
Cinge-se a controvérsia em definir se são impenhoráveis os valores advindos de contrato de seguro de vida resgatável. A impenhorabilidade do seguro de vida objetiva proteger o respectivo beneficiário, haja vista a natureza alimentar da indenização securitária. O seguro de vida resgatável é uma modalidade que difere dos seguros devida tradicionais, por permitir que o segurado efetue o resgate de valores ainda em vida, mesmo sem a ocorrência de sinistro. Nesta modalidade, o segurado paga um prêmio periodicamente, sendo parte desse valor destinado à cobertura securitária, enquanto a outra parte é investida, gerando um valor que, após o transcurso de determinado prazo de carência, pode ser resgatado total ou parcialmente, assemelhando-se, pois, a outras formas de investimento. Assim, uma vez efetuado pelo próprio segurado (proponente) o resgate do capital investido, já não se pode alegar a impenhorabilidade desse valor com fundamento no art. 833, VI, do Código de Processo Civil.