Roubo por única ação sem desígnios autônomos: concurso formal entre vítimas, art. 70 CP

STJ
868
Direito Penal
Direito Processual Penal
Geral
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Atualizado em 25 de novembro de 2025

Este julgado integra o

Informativo STJ 868

Tese Jurídica

O cometimento de crimes de roubo mediante uma única conduta e sem desígnios autônomos contra o patrimônio de diferentes vítimas, ainda que da mesma família, configura concurso formal de crimes (art. 70 do Código Penal).

Resumo

A questão submetida a julgamento sob o rito dos recursos repetitivos, nos termos do art. 1.036 do Código de Processo Civil, para formação de precedente vinculante previsto no art. 927, III, do Código de Processo Civil, é a seguinte: "definir se a prática de crimes de roubo mediante uma única conduta e com violação do patrimônio de diferentes vítimas, ainda que da mesma família, configura concurso formal de crimes.". O Tribunal de origem reconheceu a ocorrência de crime único de roubo, afastando o concurso formal de crimes, ao fundamento de que não seria possível individualizar os bens subtraídos na residência das vítimas, pertencentes à mesma família. No entanto, a solução do problema depende de uma questão elementar: o objeto jurídico tutelado pelo crime de roubo é o patrimônio. Consequentemente, a ação do agente, o dolo e a consumação do crime passam, necessariamente, pelo liame constatado entre a escolha livre e consciente do agente e o direcionamento de sua conduta ao patrimônio violado. O Direito Penal brasileiro adotou, como regra, a "Teoria da Vontade" para a caracterização do dolo, definido como a vontade livre e consciente de alcançar determinado desfecho, contida na expressão "quando o agente quis o resultado" disposta no art. 18, I, do Código Penal. Já para o dolo eventual, a legislação pátria filiou-se à "Teoria do Assentimento" ou do "Consentimento", configurando-se essa modalidade de dolo quando o agente, ainda que não pretendesse diretamente certo resultado, com ele consente, nos termos da expressão "assumiu o risco de produzi-lo [o resultado]", existente na parte final do mesmo inciso I do art. 18 do Código Penal. Nesse contexto, tratando-se o roubo de um crime contra o patrimônio e cometida a sua realização mediante uma única conduta, deverá o intérprete verificar se a vontade do agente se dirigiu contra o patrimônio de mais de uma vítima, ainda que tal direcionamento tenha se dado na forma de risco plausível de o patrimônio pertencer a diferentes pessoas (dolo eventual). Portanto, se, com o objetivo de subtrair coisa alheia móvel mediante violência ou grave ameaça, o agente adentra uma residência na qual (i) reside mais de uma pessoa, (ii) encontra mais de uma pessoa ou, (iii) por qualquer outra forma, tem a consciência ou pode prever que está a violar o patrimônio de mais de uma pessoa, não é possível cogitar da ocorrência de crime único. O raciocínio não pode ser excluído da situação em que os bens pertencem a diferentes pessoas de uma mesma família e vale para qualquer contexto em que praticados os crimes por meio da mesma ação ou omissão, tais como a abordagem de duas ou mais pessoas em via pública, em restaurante, em veículo ou em transporte coletivo. Efetivamente, sempre que o bem jurídico violado pertencer a diferentes pessoas, cada qual constituído em patrimônio que recebe proteção legal própria, não se pode pensar na incidência do crime único. A aplicação do concurso formal, aliás, veicula favor do legislador, que, mesmo quando praticado mais de um crime, e desde que presentes as condições legais, autoriza a aplicação de uma causa de aumento de pena em substituição ao somatório de penas do concurso material. Para tanto, deve estar caracterizado que o agente, "mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não", exceto se "a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos", conforme previsto no art. 70, caput , do Código Penal. Com efeito, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é há muito pacífica sobre o tema, mesmo quando os patrimônios atingidos sejam da mesma família. Nessa linha, seria absoluto contrassenso tornar a conduta mais branda pela simples razão de as vítimas serem da mesma família, distinção que, além de desproporcional e ofensiva ao princípio da proibição da proteção deficiente, não contaria com suporte legal. Em suma, "ocorre concurso formal quando o agente, mediante uma só ação, pratica crimes de roubo contra vítimas diferentes, ainda que da mesma família, eis que caracterizada a violação a patrimônios distintos" (HC 207.543/SP, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 17/4/2012). No caso, os agentes adentraram a residência das duas vítimas, que foram surpreendidas, ameaçadas e tiveram seus patrimônios violados. Diante disso, ao contrário do que concluiu o Tribunal de origem, é desnecessária a individualização dos bens de cada vítima no contexto fático, sendo obrigatória a exasperação oriunda do concurso formal próprio, previsto no art. 70 do Código Penal. Referida aplicação, deve-se frisar, constitui benefício penal concedido aos agentes pelo legislador e permite a incidência de causa de aumento de pena em vez do concurso material, ainda que mais de um crime tenha sido praticado, porquanto, por outro lado, não ficou provada a existência de desígnios autônomos que faria incidir o concurso formal impróprio. Ante o exposto, fixa-se a seguinte tese do Tema Repetitivo 1192/STJ: O cometimento de crimes de roubo mediante uma única conduta e sem desígnios autônomos contra o patrimônio de diferentes vítimas, ainda que da mesma família, configura concurso formal de crimes.

Conteúdo Completo

O cometimento de crimes de roubo mediante uma única conduta e sem desígnios autônomos contra o patrimônio de diferentes vítimas, ainda que da mesma família, configura concurso formal de crimes (art. 70 do Código Penal).

Informações Gerais

Número do Processo

REsp 1.960.300-GO

Tribunal

STJ

Data de Julgamento

08/10/2025

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