Extinção do cumprimento de sentença coletiva por prescrição intercorrente não impede execução individual
Cinge-se a controvérsia acerca do alcance dos efeitos da decretação da prescrição intercorrente na execução coletiva, isto é, se a decisão desfavorável ao substituto processual atinge os membros do grupo. O núcleo do regime jurídico da coisa julgada no microssistema do processo coletivo está previsto nos arts. 103 e 104 do Código de Defesa do Consumidor. De acordo com o art. 103, III, do CDC, nas demandas coletivas propostas para a defesa dos direitos individuais homogêneos, a coisa julgada é erga omnes "apenas no caso de procedência do pedido." A previsão é complementada pelo § 2º, segundo o qual, "em caso de improcedência do pedido, os interessados que não tiverem intervindo no processo como litisconsortes poderão propor ação de indenização a título individual." O CDC inaugurou o que a doutrina chama de coisa julgada secundum eventum litis. Significa que a sentença coletiva só alcançará os membros do grupo para beneficiá-los. A razão da previsão legal é a ausência de efetiva participação de cada um dos membros do grupo no processo coletivo. Não há coisa julgada contra aquele que não participou do contraditório. A essa regra existe apenas uma exceção: na hipótese de intervenção do membro do grupo no processo coletivo como litisconsorte (§ 2º do art. 103 e 94). Portanto, a coisa julgada desfavorável ao substituto processual não é oponível aos membros do grupo em suas execuções individuais, especialmente quando, reconhecidamente, houve desídia do substituto na condução da execução coletiva. Ademais, não há motivo para a não incidência dessa previsão legal em relação ao processo de execução coletiva. Isso porque estão presentes as mesmas razões para não haver o prejuízo aos interessados, a saber, a ausência de sua efetiva participação no processo. Precedentes: AgInt no REsp n. 2.102.083/PE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 19.4.2024; AgInt no REsp n. 2.093.101/PE, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe de 28.2.2024; AgInt no REsp n. 1.927.562/PE, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe de 15.12.2022; e AgInt no REsp n. 1.960.015/PE, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe de 1.4.2022. Outrossim, no que tange à ausência de prescrição da pretensão executória, o ordenamento jurídico induz o titular do direito individual a permanecer inerte até o desfecho do processo coletivo, quando só então decidirá pelo ajuizamento da ação individual. À luz da racionalidade do microssistema do processo coletivo, não se pode exigir do credor individual o ajuizamento do cumprimento de sentença quando pendente execução coletiva. Por isso, o Superior Tribunal de Justiça tem reiteradamente decidido que a propositura do cumprimento de sentença pelo legitimado extraordinário interrompe o prazo prescricional para a execução individual. Precedentes: AgInt no AgInt no REsp n. 1.932.536/DF, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe de 5.10.2022; AgInt no AREsp n. 2.292.113/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 17.8.2023; AgInt no REsp n. 1.927.562/PE, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe de 15.12.2022; AgInt no AREsp n. 2.207.275/RJ, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe de 15.3.2023.
Restituição na substituição tributária para frente sem prova de repasse do art. 166 do CTN
A controvérsia consiste em saber se deve se submeter aos ditames do art. 166 do CTN o direito à restituição da diferença do ICMS/ST, pago a mais no regime de substituição tributária para frente, em razão de a base de cálculo efetiva na operação ter sido inferior à presumida. Sobre a matéria, o STF, ao julgar o Recurso Extraordinário n. 593.849/MG, com Repercussão Geral reconhecida (Tema 201 do STF), firmou tese de que: "É devida a restituição da diferença do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS pago a mais no regime de substituição tributária para a frente se a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida". Na sistemática da substituição tributária para frente, quando da aquisição da mercadoria, o contribuinte substituído antecipadamente recolhe o tributo de acordo com a base de cálculo presumida. Desse modo, no caso específico de revenda por valor menor que o presumido, não tem ele como recuperar o tributo que já pagou, decorrendo o desconto no preço final do produto da própria margem de lucro do comerciante. A Primeira Turma do STJ já vinha entendendo que, "na sistemática da substituição tributária para frente, em que o contribuinte substituído revende a mercadoria por preço menor do que a base de cálculo presumida para o recolhimento do tributo, é inaplicável a condição prevista no art. 166 do CTN" (AgInt no REsp n. 1.968.227/MG, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe de 1.9.2022). A Segunda Turma do STJ, por sua vez, no julgamento do REsp n. 525.625/RS, Rel. Ministro Francisco Falcão, DJe 21.11.2022, em juízo de retratação, revendo sua jurisprudência anterior, firmou o entendimento no sentido da inaplicabilidade do art. 166 do CTN, em caso idêntico. Observa-se que o art. 166 do CTN está inserido na seção relativa ao "pagamento indevido", cujas hipóteses estão previstas no referido artigo. Em nenhum dos incisos do art. 165 do CTN se encontra a hipótese de que trata o caso em discussão, uma vez que o montante pago a título de substituição tributária não era indevido por ocasião da realização da operação anterior. Ao contrário, aquele valor era devido e poderia ser exigido pela administração tributária. Ocorre, contudo, que, realizada a operação que se presumiu, a base de cálculo se revelou inferior à presumida. Esse fato superveniente é que faz nascer o direito do contribuinte. Não se trata, portanto, de repetição de indébito, nos moldes do art. 165 do CTN, mas de mero ressarcimento, que encontra fundamento tanto no art. 150, § 7º, da CF/1988, quanto no art. 10 da Lei Complementar n. 87/1996 (Lei Kandir). Conforme bem observado em voto do eminente Ministro Benedito Gonçalves no AgInt no REsp n. 1.949.848/MG, DJe 15.12.2021, a controvérsia objeto destes autos não diz respeito à devolução do valor do "ICMS incluído no preço da mercadoria vendida, mas daquele decorrente da diferença entre a base de cálculo efetivamente praticada e a presumida, sendo que esta última, porque não ocorrida, não foi imposta ao consumidor, daí porque não se pode exigir comprovação do não repasse financeiro". Por conseguinte, a averiguação da repercussão econômica torna-se desnecessária no âmbito da substituição tributária, a qual apenas teria relevância nos casos submetidos ao regime normal de tributação. Sendo assim, na sistemática da substituição tributária para frente, em que o contribuinte substituído revende a mercadoria por preço menor do que a base de cálculo presumida para o recolhimento do tributo, é inaplicável a condição prevista no art. 166 do CTN. Dessa forma, deve ser fixada a seguinte tese jurídica: "Na sistemática da substituição tributária para frente, em que o contribuinte substituído revende a mercadoria por preço menor do que a base de cálculo presumida para o recolhimento do tributo, é inaplicável a condição prevista no art. 166 do CTN".
Termo inicial da progressão de regime na data do último requisito do art 112 LEP
O Tribunal de origem entendeu que a data-base para subsequente progressão de regime é aquela em que o reeducando preencheu os requisitos do art. 112 da Lei de Execução Penal, isto é, o requisito objetivo (tempo de cumprimento da pena). Contudo, o STJ, em ambas as turmas criminais, tem precedentes segundo os quais, "embora preenchido anteriormente o requisito objetivo pelo paciente, o lapso inicial a ser considerado para fins de promoção carcerária é o momento em que foi implementado o último requisito legal" (AgRg no HC 540.250/SP, rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 16/3/2020). Portanto, esta Corte Superior entende que a data-base para a concessão de nova progressão de regime é o dia em que o último requisito (objetivo ou subjetivo) do art. 112 da Lei n. 7.210/1984 estiver preenchido, tendo em vista que o dispositivo legal exige a concomitância de ambos para o deferimento do benefício. Assim, sob o rito dos recursos representativos da controvérsia, fixa-se a seguinte tese: "A decisão que defere a progressão de regime não tem natureza constitutiva, senão declaratória. O termo inicial para a progressão de regime deverá ser a data em que preenchidos os requisitos objetivo e subjetivo descritos no art. 112 da Lei n. 7.210, de 11/07/1984 (Lei de Execução Penal), e não a data em que efetivamente foi deferida a progressão. Essa data deverá ser definida de forma casuística, fixando-se como termo inicial o momento em que preenchido o último requisito pendente, seja ele o objetivo ou o subjetivo. Se por último for preenchido o requisito subjetivo, independentemente da anterior implementação do requisito objetivo, será aquele (o subjetivo) o marco para fixação da data-base para efeito de nova progressão de regime".
Descontos em folha do empregado não reduzem base da contribuição previdenciária patronal SAT e terceiros
Cinge-se a controvérsia quanto à possibilidade de excluir as seguintes verbas da base de cálculo da contribuição previdenciária patronal e das contribuições destinadas a terceiros e ao SAT/RAT: a) valores relativos à contribuição previdenciária do empregado e do trabalhador avulso e ao imposto de renda de pessoa física, retidos na fonte pelo empregador; b) parcelas retidas ou descontadas a título de coparticipação do empregado em benefícios, tais como: vale-transporte, vale-refeição e plano de assistência à saúde ou odontológico, dentre outros. Segundo o art. 22, I, da Lei n. 8.212/1991, a contribuição previdenciária do empregador incide sobre o "total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços, nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa". O art. 28, I, da Lei n. 8.212/1991, por seu turno, prevê que o salário de contribuição (devido pelo empregado e pelo trabalhador avulso) consiste na "remuneração auferida em uma ou mais empresas, assim entendida a totalidade dos rendimentos pagos, devidos ou creditados a qualquer título, durante o mês, destinados a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa". Finalmente, o art. 28, § 9º, da Lei n. 8.212/1991 dispõe sobre as parcelas que devem ser excluídas do salário de contribuição, cabendo destacar que a jurisprudência do STJ é de que as hipóteses legalmente descritas são exemplificativas, admitindo outras, desde que revestidas de natureza indenizatória. Os valores descontados na folha de pagamento do trabalhador (contribuição previdenciária e imposto de renda, vale/auxílio-transporte, vale/auxílio-alimentação ou refeição, e plano de assistência à saúde) apenas operacionalizam técnica de antecipação de arrecadação, e em nada influenciam no conceito de salário. Basta fazer operação mental hipotética, afastando a realização dos descontos na folha de pagamento, para se verificar que o salário do trabalhador permaneceria o mesmo, e é em relação a ele (valor bruto da remuneração, em regra) que tais contribuintes iriam calcular exatamente a mesma quantia a ser por eles pessoalmente pagas (e não mediante retenção em folha) em momento ulterior. Isso evidencia, com clareza, que inexiste alteração na base de cálculo das contribuições devidas pela empresa ao Seguro Social, ao SAT e a terceiros. A questão foi bem sintetizada em voto da Ministra Assusete Magalhães, proferido no julgamento do REsp 1.902.565/PR, DJe 7.4.2021, no qual se afirmou que: "Embora o crédito da remuneração e a retenção da contribuição previdenciária possam, no mundo dos fatos, ocorrer simultaneamente, no plano jurídico as incidências são distintas. Uma vez que o montante retido deriva da remuneração do empregado, conserva ele a natureza remuneratória, razão pela qual integra também a base de cálculo da cota patronal". Adota-se, a partir do acima exposto, a seguinte tese repetitiva: As parcelas relativas ao vale-transporte, vale-refeição/alimentação, plano de assistência à saúde (auxílio-saúde, odontológico e farmácia), ao Imposto de Renda retido na fonte (IRRF) dos empregados e à contribuição previdenciária dos empregados, descontadas na folha de pagamento do trabalhador, constituem simples técnica de arrecadação ou de garantia para recebimento do credor, e não modificam o conceito de salário ou de salário contribuição, e, portanto, não modificam a base de cálculo da contribuição previdenciária patronal, do SAT e da contribuição de terceiros.
Invalidade das normas infralegais da ANVISA sobre publicidade de medicamentos frente à Lei 9.294/96
A controvérsia reside em definir, à vista das Leis n. 9.294/1996 e n. 9.782/1999, se a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) vulnerou os limites de seu poder normativo ao editar a Resolução da Diretoria Colegiada - RDC n. 96/2008, mediante a qual dispôs sobre a propaganda, a publicidade, a informação e outras práticas cujo objetivo seja a divulgação ou promoção comercial de medicamentos. Nos moldes do art. 220, §§ 3º, II, e 4º, da Constituição da República, é vedada toda forma de censura, viabilizando-se, no entanto, a fixação de restrições à propaganda comercial de tabaco, de bebidas alcoólicas, de agrotóxicos, de medicamentos ou de terapias, conforme disposto em lei federal, como forma de garantir proteção social contra práticas e serviços possivelmente nocivos à saúde ou ao meio ambiente, exigindo-se, inclusive, advertência alusiva aos seus eventuais malefícios. Nesse sentido, as atuais limitações à promoção comercial de medicamentos estão cristalizadas na Lei n. 9.294/1996, complementada pelo Decreto n. 2.018/1996, diplomas normativos que tratam da matéria, de maneira expressa e integral, cujas disposições devem ser observadas pelos particulares e pelas demais entidades integrantes da Administração Pública. O poder normativo conferido às agências reguladoras, por sua vez, não lhes atribui função legiferante, competindo-lhes, tão somente, especificar, sob o ângulo técnico, o conteúdo da lei objeto de regulamentação, sem espaço para suplantar-lhe na criação de direitos ou obrigações, especialmente quando suas disposições contrariarem regras estampadas em ato legislativo formal (ADI n. 4.093/SP, Relatora Ministra Rosa Weber, Tribunal Pleno, j. 24.9.2014, DJe 17.10.2014). Nos termos dos art. 2º, § 1º, II, art. 7º, III e XXVI, e art. 8º, caput e § 1º, I, da Lei n. 9.782/1999, em matéria de propaganda comercial de produtos submetidos a controle sanitário, à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) compete apenas fiscalizar, acompanhar e controlar o exercício de tal atividade, falecendo-lhe atribuição para, por ato próprio, restringir ou limitar as ações dos agentes econômicos, especialmente quando seus atos regulamentares vulnerarem as regras delineadas na Lei n. 9.294/1996 e demais atos legislativos formais. Dessa forma, são ilegais as disposições da Resolução da Diretoria Colegiada da ANVISA n. 96/2008 que, contrariando regramentos plasmados em lei federal, especialmente a Lei n. 9.294/1996, impõem obrigações e condicionantes às peças publicitárias de medicamentos.