Súmula 343 do STF e o marco temporal da publicação da decisão rescindenda
Cinge-se a controvérsia em saber se é cabível ação rescisória para rescindir decisão que adotou entendimento contrário à jurisprudência pacificada posteriormente ao julgado rescisório, considerando a Súmula n. 343 doSTF. Segundo a súmula n. 343 do STF, "Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais". A violação de literal disposição de lei que autoriza o ajuizamento de ação rescisória é aquela que enseja flagrante transgressão do direito em tese. A pacificação da jurisprudência em sentido contrário e em momento posterior à prolação do acórdão rescindendo não afasta a incidência da Súmula n. 343 do STF (AgInt no AgInt no AREsp n. 2.223.699/RS). O momento a ser considerado como de pacificação jurisprudencial, para efeito de incidência da Súmula n. 343 do STF, é o da publicação da decisão rescindenda, não o de seu trânsito em julgado. Tal entendimento visa preservar a segurança jurídica, que ficaria comprometida com a possibilidade de que a coisa julgada pudesse sempre ser rescindida com as alterações de entendimento dos tribunais sobre questões de direito.
Inexistência de impedimento ao direito de visita por visitante em regime aberto ou livramento condicional
A finalidade ressocializadora da pena tem assento na Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 5.6), cuja interpretação pela Corte Interamericana de Direitos Humanos engloba a salvaguarda do contato com a família e o mundo exterior, corporificados no direito da pessoa presa a receber visitas (Caso López y Otros Vs. Argentina), estreitamente relacionado também à proteção da família (Caso Norín Catrimán y Otros (Dirigentes, Miembros y Activista del Pueblo Indígena Mapuche) Vs. Chile). O direito de visitas é previsto, ademais, nas Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos ("Regras de Mandela") e na legislação doméstica, notadamente no art. 41, inciso X, da Lei de Execução Penal - normativa que "tem como objetivo a reintegração gradual do apenado à sociedade, por meio do processo de progressão de pena" (REsp 1.544.036/RJ, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, DJe de 19/9/2016). As hipóteses em discussão envolvem processo de reintegração à sociedade que se encontra em fase avançada, com ênfase na autodisciplina e senso de responsabilidade do condenado (regime aberto) e na obtenção da liberdade mediante observância de condições estabelecidas (livramento condicional). Não se pode perder de vista, ademais, que a pessoa presa conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade (art. 38 do Código Penal). A compreensão de que "[o] direito de visita pode sofrer limitações, diante das peculiaridades do caso concreto" (AgRg no AREsp 1.602.725/DF, Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, DJe de 27/10/2020) é contemplada pela Lei n. 7.210/84, que admite limitação ao direito de visitação mediante ato motivado do juiz da execução penal. Inviável, entretanto, a restrição genérica, que tenha por base a circunstância, em abstrato, de estar o/a visitante cumprindo pena em regime aberto ou livramento condicional. Conclui-se, assim, que é admissível o recebimento de visitas, pela pessoa presa, de quem está cumprindo pena em regime aberto ou em gozo de livramento condicional. A restrição a tal direito poderá ocorrer de forma excepcional, quando determinada pelo juízo da execução penal, mediante decisão devidamente fundamentada em circunstâncias do caso concreto que guardem relação com a limitação, quando esta se revelar adequada, necessária e proporcional. Diante de tal quadro, não se considera devidamente fundamentada decisão que restringe a visitação por pessoa cumprindo pena em regime aberto ou em gozo de livramento condicional quando baseada, de forma genérica, em tais circunstâncias. Assim, fixa-se a seguinte tese: O fato de o visitante cumprir pena privativa de liberdade em regime aberto ou em livramento condicional não impede, por si só, o direito à visita em estabelecimento prisional.
Inexistência do recurso assinado eletronicamente por advogado sem procuração nos autos
Segundo a jurisprudência do STJ, "não é possível o conhecimento do recurso na hipótese em que o advogado titular do certificado digital utilizado para assinar a transmissão eletrônica da petição não possui instrumento de procuração nos autos, pois o recurso é considerado inexistente" (AgInt no AREsp 2.620.983/RJ, Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, DJe de 3/10/2024). Com efeito, "no sistema de peticionamento eletrônico, o advogado titular do certificado digital, que chancela eletronicamente o documento, deverá ter procuração nos autos, não tendo valor eventual assinatura digitalizada de outro advogado que venha a constar, fisicamente, da peça encaminhada e assinada eletronicamente, mesmo que este possua procuração nos autos" (AgInt nos EDcl no AREsp n. 2.302.942/AC, Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, DJe de 18/9/2024). A jurisprudência prevê uma exceção, viabilizando o protocolo de petição em sistema de peticionamento de processo judicial eletrônico por advogado sem procuração nos autos, "desde que se trate de documento (i) nato-digital/digitalizado assinado eletronicamente com certificado digital emitido por Autoridade Certificadora credenciada, nos termos da MP n. 2.200-2/2001, por patrono com procuração nos autos, desde que a plataforma de processo eletrônico judicial seja capaz de validar a assinatura digital do documento; ou (ii) digitalizado que reproduza petição impressa e assinada manualmente também por causídico devidamente constituído no feito" (AgInt no AREsp 1.917.838/RJ, Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe de 9/9/2022), hipóteses que não se verificam na situação em análise. No caso, a petição de agravo recurso especial foi assinada digitalmente por advogado sem poderes nos autos para atuar em nome da agravante, e a parte, embora regularmente intimada para sanar referido vício, não regularizou. Nesse cenário, não há outra solução senão aplicar a Súmula 115/STJ, que vaticina: "Na instância especial é inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos".
Aviso prévio indenizado não conta como tempo de contribuição para fins previdenciários
A questão submetida a julgamento circunscreve-se à possibilidade de cômputo do aviso prévio indenizado como tempo de serviço para fins previdenciários. A Corte Regional reconheceu a possibilidade de cômputo do aviso prévio indenizado como tempo de contribuição com base no art. 487, § 1º, da CLT, que assim dispõe: "A falta do aviso prévio por parte do empregador dá ao empregado o direito aos salários correspondentes ao prazo do aviso, garantida sempre a integração desse período no seu tempo de serviço.". O tema ora em apreciação tem sido decidido de forma distinta nas Turmas que integram a Primeira Seção. A interpretação da Primeira Turma é a de que, a partir do momento em que foi firmado, por meio de julgamento repetitivo (Tema 478 do STJ - REsp 1.230.957/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques), o entendimento de que não incide contribuição previdenciária sobre os valores pagos a título de aviso prévio indenizado, por ser esta verba não salarial, não há fundamento para reconhecer tal período como tempo de contribuição. Ou seja, o que tem prevalecido, na Primeira Turma, é que (i) a natureza reparatória do aviso prévio indenizado e (ii) a ausência de exercício de atividade laborativa impedem o acolhimento da pretensão de contagem do período para efeitos previdenciários. Esse raciocínio baseia-se em duas premissas: 1) o fato gerador da contribuição previdenciária é o exercício de atividade laborativa (especialmente no caso do segurado empregado, como na espécie), de modo que, se não houve exercício de tal atividade, não haverá salário nem recolhimento de contribuição; 2) se não houve contribuição previdenciária, não poderia haver o cômputo como tempo de contribuição, por falta de custeio. Assim, a verba não daria ensejo à contribuição previdenciária por ter natureza indenizatória, ou seja, por constituir verba reparatória, sobre a qual não incide contribuição previdenciária, e, como também não há prestação de serviço durante esse período, não seria possível o cômputo deste como tempo de contribuição. Assim, fixa-se a seguinte tese: Não é possível o cômputo do período de aviso prévio indenizado como tempo de serviço para fins previdenciários.
Remuneração de gestantes afastadas na pandemia e legitimidade passiva da Fazenda Nacional
A questão jurídica em debate refere-se à definição da legitimidade passiva (se do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS ou da Fazenda Nacional) nas ações em que empregadores buscam recuperar valores que pagaram às empregadas gestantes durante o afastamento destas do trabalho, em razão da emergência de saúde pública decorrente da pandemia do SARS-CoV-2 (COVID-19), bem como da natureza jurídica desse pagamento, para fins de compensação com contribuições incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos pagos ou creditados a qualquer título à pessoa física que preste serviços à empresa. Não obstante a questão de mérito envolva o enquadramento como salário-maternidade de valores pagos às empregadas gestantes durante o período emergencial de saúde pública decorrente da pandemia de COVID-19, os contribuintes empregadores buscam, nessas ações, compensar tais valores com contribuições previdenciárias incidentes sobre a folha salarial. O debate, pois, não se relaciona exatamente com concessão de benefício previdenciário, de modo que não existe a necessidade de o INSS integrar a lide. De fato, a pretensão de que sejam reconhecidos como salário-maternidade os valores pagos às empregadas gestantes tem por finalidade reduzir o montante devido a título das contribuições incidentes sobre a folha de salários. Por essa razão, tão somente a Fazenda Nacional é parte legítima para figurar no polo passivo dessas ações. No tocante à natureza jurídica dos valores pagos pelos empregadores às empregadas gestantes durante o período de pandemia de COVID-19, a Lei n. 14.151/2021 estabelece normas de proteção das referidas trabalhadoras, pois integrantes de grupo de risco, mediante o afastamento de suas atividades presenciais, de modo a evitar o contágio, mantida a remuneração a cargo do empregador. Aliás, a possibilidade de a gravidez ser considerada de risco na hipótese de a natureza do trabalho ser incompatível com a sua realização em domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância, o que poderia ensejar pagamento de salário-maternidade, foi objeto de veto presidencial. Não obstante esse veto, os empregadores buscam o enquadramento dos valores pagos às empregadas gestantes, nos termos da Lei n. 14.151/2021, como salário-maternidade, a fim de autorizar compensação com contribuições incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço. Contudo, o enquadramento como salário-maternidade da remuneração paga às empregadas gestantes, quando comprovada a impossibilidade de trabalho à distância ou de alteração de funções, evidencia a pretensão de desconsiderar o veto presidencial a dispositivos da Lei n. 14.151/2021, a fim de, portanto, atribuir indevida eficácia à redação original do projeto de lei, que previa tal possibilidade. Apesar das dificuldades enfrentadas por vários setores da economia, a situação emergencial da pandemia de COVID-19 exigiu esforços e sacrifícios de toda a sociedade, cabendo aos empregadores, na forma da lei, contribuir mediante a manutenção dos salários das gestantes durante aquele momento excepcional de afastamento, a fim de evitar riscos para a gravidez. Desse modo, diante de sua natureza jurídica de remuneração regular, é impossível o enquadramento como salário-maternidade dos valores pagos às empregadas gestantes afastadas, inclusive às que não puderam trabalhar à distância, em razão da emergência de saúde pública relacionada à pandemia de COVID-19.