Honorários sucumbenciais na desistência de desapropriação e servidão administrativa: percentuais sobre o valor da causa
Cinge-se a controvérsia em definir se os limites percentuais previstos no art. 27, § 1º, do Decreto-Lei n. 3.365/1941 devem ser observados no arbitramento de honorários sucumbenciais em caso de desistência de ação de desapropriação por utilidade pública ou de constituição de servidão administrativa. A previsão do art. 27, § 1º, do DL n. 3.365/1941 veio para estabelecer normas especiais para os honorários advocatícios em ações expropriatórias seja quanto à base de cálculo de tal verba, seja quanto aos percentuais que devem incidir sobre a base arbitrada. Embora amalgamadas em um único preceito (texto), subsiste relativa independência entre as normas jurídicas contidas no dispositivo legal, de modo que alterações circunstanciais na base de cálculo não devem afastar, obrigatoriamente, a incidência da lex specialis relativa aos percentuais estabelecidos para o arbitramento dos honorários advocatícios. Assim, em havendo desistência da ação de desapropriação ou de constituição de servidão administrativa, é evidente que cai por terra a possibilidade de arbitramento dos honorários sucumbenciais tomando por base de cálculo a diferença entre o preço ofertado pelo expropriante e a indenização fixada na sentença, tal como previsto em norma especial inserida no texto do art. 27, § 1º, do DL n. 3.365/1941, uma vez que a sentença, nessa excepcional circunstância, não estabelecerá indenização alguma. Nesse cenário ocasional, embora não haja condenação, o princípio da causalidade impõe que o ente (não mais) expropriante seja declarado sucumbente de modo que os honorários correrão a sua conta, porque deu causa ao ajuizamento da demanda e dela desistiu (art. 90 do Código de Processo Civil). À falta de condenação ou de proveito econômico efetivo, já foi dito que não há suporte jurídico para o estabelecimento da base de cálculo dos honorários nos moldes do art. 27, § 1º, do DL 3.365/1941, de modo que essa base será fixada de acordo com norma jurídica supletiva prevista no art. 85, § 2º, do CPC, tomando-se em conta, então, o valor atribuído à causa. O socorro à norma supletiva do CPC faz-se porque não existe suporte jurídico para a aplicação da norma especial do DL 3.365/1941 apenas no que toca à base de cálculo dos honorários sucumbenciais. Ora, a desistência da ação não implica desaparecimento do suporte jurídico de aplicação dessa lex specialis, de modo que não há razão jurídica para se recorrer, quanto aos percentuais, a outras normas jurídicas que pudessem ser aplicadas de forma supletiva ou subsidiária. Dessarte, mesmo em caso de desistência da ação expropriatória, os percentuais a serem observados devem ser os estabelecidos no art. 27, § 1º, do DL3.365/1941. Ressalte-se, contudo, que haverá casos em que o valor da causa, mesmo que atualizado, corresponderá a valor ínfimo a implicar honorários irrisórios caso aquele valor seja mantido como base para a incidência das alíquotas do art. 27, § 1º, do DL n. 3.365/1941. Nessa excepcional hipótese, portanto, afasta-se completamente a aplicação do art. 27, § 1º, do DL n. 3.365/1941 para a fixação dos honorários sucumbenciais - seja quanto à base de cálculo estabelecida no preceito, seja quanto aos percentuais ali estabelecidos -, uma vez que a verba honorária será arbitrada pelo juiz por apreciação equitativa, com fundamento no art. 85, § 8º, do CPC, a fim de impedir que a verba honorária seja fixada em patamar incompatível com a dignidade do trabalho advocatício. Dessa forma, deve ser fixada a seguinte tese jurídica de eficácia vinculante: Aplicam-se os percentuais do art. 27, § 1º, do DL 3.365/41 no arbitramento de honorários sucumbenciais devidos pelo autor em caso de desistência de ação de desapropriação por utilidade pública ou desconstituição de servidão administrativa, os quais terão como base de cálculo o valor atualizado da causa. Esses percentuais não se aplicam somente se o valor da causa for muito baixo, caso em que os honorários serão arbitrados por apreciação equitativa do juiz, na forma do art. 85, § 8º, do CPC.
Direito ao crédito de IPI para insumos em produtos isentos, alíquota zero ou imunes
Cinge-se a controvérsia quanto à abrangência do benefício fiscal instituído pelo art. 11 da Lei n. 9.779/1999, a fim de definir se há direito ao creditamento de Imposto sobre Produto Industrializado - IPI na aquisição de insumos e matérias-primas tributados (entrada onerada), inclusive quando aplicados na industrialização de produto imune; ou se tal benefício dá-se apenas quando utilizados tais insumos e matérias-primas na industrialização de produtos isentos ou sujeitos à alíquota zero. A questão de direito controvertida foi assim delimitada: "A possibilidade de se estender o creditamento de IPI previsto no art. 11, da Lei n. 9.779/99 também para os produtos finais não tributados (NT), imunes, previstos no art. 155, § 3º, da CF/88". Acerca da possibilidade de creditamento, tem-se que tal hipótese não decorre de suposta extensão do benefício contido no art. 11 da Lei n. 9.779/1999 para hipótese ali não prevista, mas, ao contrário, da compreensão fundamentada de que tal situação (produto não tributado, imune) está contida na norma em exame, sobretudo ao utilizar o termo "inclusive". Sobre a matéria, a Primeira Seção do STJ já perfilhou o entendimento de que é cabível o aproveitamento do saldo de IPI decorrente das aquisições de insumos tributados nas saídas de produtos industrializados imunes, a teor do art. 11 da Lei 9.779/1999 (EREsp n. 1.213.143/RS, rel. Ministra Assusete Magalhães, relatora para acórdão Ministra Regina Helena Costa, Primeira Seção, julgado em 2/12/2021, DJe de 1/2/2022). Com efeito, o adequado exame a respeito do alcance do benefício contido no art. 11 da Lei n. 9.779/1999 não autoriza, para fins interpretativos, a supressão de expressão contida na norma - afinal, não há palavras inúteis contidas na lei -, tampouco o seu deslocamento, a fim de correlacioná-la a outra expressão ali contida, a redundar em sua completa descaracterização. A supressão do termo "inclusive" altera substancialmente o conteúdo da norma, reduzindo indevidamente seu alcance, a redundar em seu completo desvirtuamento. Portanto, as regras propugnadas, com adstrição aos termos contidos no art. 11 da Lei n. 9.779/1999 somente podem ter o seguinte teor: i) o saldo credor do IPI acumulado poderá ser objeto de compensação ou ressarcimento; e ii) "os créditos decorrentes da entrada de insumos destinados à industrialização, INCLUSIVE de produtos isentos ou tributados à alíquota zero, poderão compor o saldo credor". A partir de tais considerações, deve-se afastar, peremptoriamente, a tese de malversação do art. 111 do Código Tributário Nacional, que exorta a interpretação literal da legislação tributária que disponha sobre outorga de isenção. Isso porque, o reconhecimento do direito ao creditamento não decorre de suposta extensão do benefício contido no art. 11 da Lei n. 9.779/1999 para hipótese ali não prevista, mas, ao contrário, da compreensão fundamentada de que tal situação (produto imune) está contida na norma em exame, sobretudo ao utilizar o termo "inclusive". De seus termos, verifica-se que o dispositivo legal estabelece os requisitos necessários à manutenção do crédito de IPI auferido nas operações de aquisição de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem utilizados na industrialização; bem como explicita - notadamente ao utilizar a expressão "inclusive" - que este benefício não se restringe às saídas de produto isento ou sujeito à alíquota zero, mas, sim, também o assegura nesses casos, de modo a não excluir outras hipóteses de saída desonerada (como se dá na hipótese remanescente de produto imune). Para a concretização do aproveitamento do crédito de IPI, a lei exige a verificação dos seguintes requisitos: i) a realização de operação de aquisição de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem, sujeita à tributação de IPI (de cujo crédito se pretende aproveitar); e ii) a submissão do bem adquirido ao processo de industrialização (transformação, beneficiamento, montagem, acondicionamento ou reacondicionamento e renovação ou recondicionamento), especificado no art. 4º do Regulamento do IPI (Decreto n. 7.212/2010). Verificadas, assim, a aquisição de insumos tributados e a sua utilização no processo de industrialização, o industrial faz jus ao creditamento de IPI, afigurando-se desimportante, a esse fim, o regime de tributação do imposto na saída do estabelecimento industrial, já que é assegurado tal direito, inclusive, nas saídas isentas e nas sujeitas à alíquota zero. Diante do critério legal adotado para a viabilizar o direito ao crédito de IPI, mostra-se necessário distinguir os produtos contidos na TIPI (Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados), especificamente aqueles sob a rubrica "NT" - Não Tributado. Nesses (sob a rubrica "NT"), incluem-se produtos que, por sua natureza, encontram-se fora do campo de incidência do IPI, já que não são resultantes de nenhum processo de industrialização; e outros que, ainda que derivados do processo de industrialização, por determinação constitucional, são imunes ao tributo em comento. Assim, de acordo com o critério adotado pela norma, se o produto - resultado do processo de industrialização de insumos tributados na entrada - é imune, o industrial faz jus ao creditamento. Se, ao contrário, o produto não é resultado do processo de industrialização de insumos tributados, sua saída, ainda que desonerada, não enseja direito ao creditamento de IPI. Veja-se que, nesse caso, o direito ao creditamento não se aperfeiçoa porque não houve submissão ao processo de industrialização, e não simplesmente porque o produto encontra-se sob a rubrica "NT" na TIPI. A tese a ser conformada pela Primeira Seção, portanto, deve considerar que: i) o direito ao creditamento de IPI estabelecido no art. 11 da Lei n. 9.779/1999 abrange a saída de produtos imunes (afastando-se qualquer termo que conduza à ideia de aplicação extensiva do benefício fiscal à hipótese supostamente não constante da norma, do que não se cuida); e ii) a necessidade de utilizar o termo "produtos imunes" (e não, genericamente, "produtos não tributados", pois, nos termos da fundamentação supra, o benefício fiscal em exame abrange a saída de produtos industrializados isentos, sujeitos à alíquota zero e imunes (e não todos aqueles constantes da TIPI - Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados - sob a rubrica "NT" - Não Tributado). Diante da compreensão ora externada, deve ser fixada seguinte tese jurídica: O creditamento de IPI, estabelecido no art. 11 da Lei n. 9.799/1999, decorrente da aquisição tributada de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem utilizados na industrialização, abrange a saída de produtos isentos, sujeitos à alíquota zero e imunes.
Irretroatividade da Lei 14.112/2020 no art. 61 para planos de recuperação judicial aprovados anteriormente
A controvérsia se origina de recuperação judicial, na qual foi apresentado plano de recuperação judicial e aditivos, aprovados pelos credores, com a previsão de carência de 48 (quarenta e oito) meses para o início do pagamento da maior parte dos débitos. O plano de recuperação judicial e a decisão que concedeu a recuperação judicial são anteriores à entrada em vigor das alterações trazidas pela Lei n. 14.112/2020. E o julgamento do agravo de instrumento que originou o recurso especial é posterior à referida alteração legislativa. Dessa forma, a discussão consiste em definir se é aplicável a atual redação do art. 61 da Lei n. 11.101/2005, que dispõe expressamente que o prazo de dois anos para a supervisão judicial independe do período de carência previsto no plano de recuperação judicial, aos processos de recuperação nos quais o plano e sua homologação são anteriores à alteração legislativa trazida pela Lei n. 14.112/2020. A redação anterior do art. 61 da Lei n. 11.101/2005 dispunha que o devedor permaneceria em recuperação judicial até que se cumprissem todas as obrigações previstas no plano que vencessem até dois anos depois da concessão da recuperação judicial. Na época, havia discussões, basicamente, de duas ordens: (i) acerca da possibilidade de o juízo da recuperação judicial encerrar o processo antes do decurso do biênio de supervisão judicial e (ii) na hipótese de o plano prever carência para início de seu cumprimento, qual seria o termo inicial para contagem do prazo de supervisão judicial. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, mesmo antes da alteração da redação do art. 61 da Lei n. 11.101/2005 pela Lei n. 14.112/2020, era no sentido de que não havia impedimento à previsão de carência para início dos pagamentos dos credores assíncrona à supervisão judicial do juízo da recuperação. A nova redação do art. 61 da Lei n. 11.101/2005 sanou tanto a discussão acerca da possibilidade de encerramento da recuperação judicial antes do decurso do biênio de supervisão quanto do termo inicial da supervisão judicial nos casos em que o plano trouxer previsão de carência para início de seu cumprimento. O legislador tornou claro que a ratio do dispositivo é que cabe aos credores decidir acerca do período de fiscalização, podendo até mesmo renunciar a ele, o que ocorrerá no momento em que aprovarem o prazo de carência, o que sinaliza que se trata de norma dispositiva. No caso, a apresentação do plano de recuperação e a decisão que o homologou e concedeu a recuperação judicial são anteriores à entrada em vigor da Lei n. 14.112/2020. E a Corte local, por sua vez, julgou o agravo de instrumento que deu origem ao recurso especial ao tempo em que já vigorava a nova redação da citada norma, tendo a aplicado. Sendo assim, tanto o plano de recuperação como a decisão que o homologou constituem atos processuais já praticados ao tempo em que a nova redação legislativa entrou em vigor, constituindo situação jurídica consolidada sob a vigência da norma revogada, conforme a chamada teoria do isolamento dos atos processuais. Por outro lado, o termo inicial do prazo de supervisão judicial ou o prazo máximo de carência previsto no plano são matérias que devem ser deliberadas em assembleia, não cabendo ao Poder Judiciário se imiscuir na vontade dos credores nesse aspecto. Assim, ainda que não se possa aplicar a nova redação do art. 61 da Lei n. 11.101/2005 ao caso, observado o disposto no art. 14 do Código de Processo Civil e a teoria do isolamento dos atos processuais, a hipótese é de manutenção da vontade dos credores ao aprovarem os termos do plano de recuperação judicial, com a previsão de carência de 48 (quarenta e oito) meses para início dos pagamentos, sem nenhuma ressalva quanto à prorrogação do termo inicial do prazo de supervisão judicial, na linha da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
Nulidade da busca e apreensão sem mandado físico e ilicitude das provas
A controvérsia consiste em saber se a ausência de mandado de busca e apreensão compromete a legalidade da diligência, mesmo havendo autorização judicial prévia. Na dicção do art. 241 do CPP, quando a própria autoridade policial ou judiciária não a realizar pessoalmente, a busca domiciliar deverá ser precedida da expedição de mandado. Em outras palavras, o mandado não é algo dispensável, mas essencial ao adequado cumprimento da diligência judicialmente determinada. Dessa forma, falece legitimidade a quem deu cumprimento à determinação judicial não materializada no mandado de busca e apreensão, já que a despeito das prévias investigações que deram ensejo à decisão que determinou a busca, a formalidade de expedição do mandado não foi cumprida, de modo que são inválidos todos os elementos de prova colhidos neste ato. Nesse sentido, "A obtenção de elementos de convicção ou de possíveis instrumentos utilizados na prática de crime - ainda que seja ao tempo do cumprimento da ordem de prisão no domicílio do réu - exige autorização judicial prévia, mediante a expedição do respectivo mandado de busca e apreensão (art. 241 do CPP), no qual devem ser especificados, dentre outros, o endereço a ser diligenciado, o motivo e os fins da diligência (art. 243 do CPP), o que, no entanto, não ocorreu" (RHC n. 153.988/SP, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 11/4/2023 , DJe de 19/4/2023). Portanto, a ausência de mandado físico, ainda que com autorização judicial prévia, compromete a legalidade da busca e apreensão, tornando ilícitas as provas obtidas.
Admissibilidade e suficiência do depoimento policial para condenação penal com fundamentação racional
No caso, o paciente foi condenado pelo delito previsto no art. 12 da Lei n. 10.826/2003. Pode-se resumir a dinâmica dos fatos como um encontro de arma de uso permitido acompanhada de 10 cartuchos para os quais, contudo, o acusado não tinha autorização de uso. O paciente confessou o crime em seu interrogatório. Na sentença, o Juízo decidiu pela condenação pois, entre a versão alterada do réu e a versão constante dos policiais, conferiu o magistrado credibilidade aos segundos. Na ocasião, o acusado muda a sua versão para dizer que a arma, em realidade, seria do pai, e não dele. O próprio genitor inclusive volta a dizer que a arma era do filho. Em que pese a defesa tenha razão ao apontar para a imprestabilidade probatória da confissão extrajudicial, disso não se deve concluir que o réu mereça ser absolvido. Isso porque, ao contrário do afirmado pela defesa, há provas suficientes das quais pode-se concluir pela culpabilidade do acusado: os testemunhos dos policiais somados à declaração oferecida pelo pai, todas prestadas em juízo, vão no mesmo sentido. É importante esclarecer que no processo penal não há que se defender extremos; nem de automática credibilidade, nem de automática rejeição à palavra do policial. O testemunho policial pode, sim, servir de prova em um processo criminal, devendo, para tanto, ter seu conteúdo racionalmente valorado. No presente processo, a versão dos fatos apresentada pelos policiais, segundo a qual a arma e os projéteis pertenceriam ao paciente, foi corroborada pelo pai do acusado. Por sua vez, a afirmação feita pelo genitor do réu de fato merece credibilidade: a arma não seria dele, funcionário público de reputação ilibada, e sim de seu filho, quem já ostenta outros crimes, conforme se verifica por sua folha de antecedentes, e quem teria motivos para, por meio de uma negativa falsa oferecida em juízo, tentar se evadir de sua responsabilidade penal.