Redução à condição análoga à de escravo configurada por condições degradantes sem restrição de locomoção

STJ
862
Direito Penal
Geral
2 min de leitura
Atualizado em 25 de novembro de 2025

Este julgado integra o

Informativo STJ 862

Tese Jurídica

A configuração do crime de redução à condição análoga à de escravo (art. 149 do Código Penal) não exige restrição da liberdade de locomoção, bastando a submissão dos trabalhadores a condições degradantes de trabalho.

Resumo

A questão em discussão consiste em saber se a configuração do crime de redução à condição análoga à de escravo, previsto no art. 149 do Código Penal, exige a restrição da liberdade de locomoção dos trabalhadores ou se basta a submissão a condições degradantes de trabalho. O aludido dispositivo legal estabelece tipo misto alternativo, configurando-se mediante: (i) submissão a trabalhos forçados; (ii) submissão à jornada exaustiva; (iii) sujeição a condições degradantes de trabalho; ou (iv) restrição da liberdade de locomoção. Trata-se de crime plurissubsistente, cuja tipicidade se aperfeiçoa com a verificação de qualquer das condutas previstas, independentemente da ofensa ao bem jurídico liberdade de locomoção. No caso, o Relatório de Fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego documentou minuciosamente as condições subumanas a que estavam submetidos as vítimas, destacando-se: 1) trabalhadores alojados no meio do mato, dividindo-se entre os que dormiam em ônibus velho e os que dormiam em barraco de plástico preto, sem piso e sem energia elétrica; 2) água armazenada em caminhão-pipa velho e enferrujado, estacionado sob o sol, consumida sem qualquer tratamento; 3) ausência total de instalações sanitárias, obrigando os trabalhadores a fazer suas necessidades no mato; 4) local para banho improvisado com pedaços de plástico sustentados por forquilhas; 5) refeições preparadas ao lado do ônibus, em fogão improvisado no chão; e 6) área de alojamento suja e desorganizada, dentre outras. Tais circunstâncias, inequivocamente, configuram condições degradantes de trabalho na acepção jurisprudencial consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça, caracterizando, destarte, o delito previsto no art. 149 do Código Penal. Ora, trata-se de pessoas em situação de extrema vulnerabilidade social, aliciadas em contexto de miserabilidade e, consequentemente, propensas à submissão a condições desumanas que objetivam tão somente a redução máxima dos custos da atividade empresarial. Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Inquérito 3.412/AL, consolidou entendimento de que a escravidão moderna é mais sutil e o cerceamento da liberdade pode decorrer de diversos constrangimentos econômicos e não necessariamente físicos, concluindo que para a configuração do crime do art. 149 do Código Penal, não é necessária a coação física da liberdade de ir e vir ou mesmo o cerceamento da liberdade de locomoção, bastando a submissão da vítima a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva ou a condições degradantes de trabalho (STF. Inq 3.412, relator Ministro Marco Aurélio, relatora p/ acórdão Ministra Rosa Weber, Tribunal Pleno, DJ 30/3/2012). Desse modo, a interpretação adotada pelo Tribunal de origem, ao exigir demonstração de cerceamento da liberdade de ir e vir para configuração do tipo penal, contraria a jurisprudência consolidada desta Corte Superior, do Supremo Tribunal Federal e os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, notadamente a Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura (Decreto n. 58.563/1966), a Convenção Americana de Direitos Humanos (Decreto n. 678/1992) e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (Decreto n. 592/1992).

Conteúdo Completo

A configuração do crime de redução à condição análoga à de escravo (art. 149 do Código Penal) não exige restrição da liberdade de locomoção, bastando a submissão dos trabalhadores a condições degradantes de trabalho.

Informações Gerais

Número do Processo

REsp 2.204.503-BA

Tribunal

STJ

Data de Julgamento

09/09/2025

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