Distribuição do ônus da prova nas ações de saques do PASEP

STJ
862
Direito Administrativo
Direito Tributário
Geral
2 min de leitura
Atualizado em 25 de novembro de 2025

Este julgado integra o

Informativo STJ 862

Tese Jurídica

Nas ações sobre saques do PASEP, o ônus da prova é: a) Do participante : quanto aos saques por crédito em conta ou por Folha de Pagamento (PASEP-FOPAG), por se tratar de fato constitutivo de seu direito (art. 373, I, CPC), sendo incabível inversão (art. 6º, VIII, CDC) ou redistribuição (art. 373, § 1º, CPC). b) Do réu (BB) : quanto aos saques feitos em caixa das agências, por configurarem fato extintivo do direito do autor (art. 373, II, CPC).

Comentário Damásio

Resumo

A questão submetida a julgamento afetada sob o rito dos recursos repetitivos, nos termos do art. 1.036 do Código de Processo Civil, para formação de precedente vinculante previsto no art. 927, III, do Código de Processo Civil, é a seguinte: "Saber a qual das partes compete o ônus de provar que os lançamentos a débito nas contas individualizadas do PASEP correspondem a pagamentos ao correntista.". A controvérsia diz respeito à possibilidade de atribuir o ônus da prova dos saques indevidos e desfalques em contas do PASEP ao Banco do Brasil S.A. Sua solução demanda definir a qual das partes a lei ordinariamente imputa o ônus probatório e verificar se está presente hipótese de sua inversão, na forma do art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, ou redistribuição, na forma do art. 373, § 1º, do Código de Processo Civil. O Banco do Brasil é administrador das contas do PASEP, não sendo parte direta na relação entre a União e o beneficiário, no entanto, a instituição financeira presta serviço aos correntistas e, nessa qualidade, está sujeita a reparar danos. Para analisar as posições das partes em relação ao objeto da prova, é indispensável compreender a forma como o PASEP faz pagamentos aos participantes. Há três tipos de pagamentos e três formas de saque envolvidas no PASEP: pagamento do principal, pagamento de rendimentos e pagamento do abono salarial. Esses pagamentos correspondem a saques na conta individualizada, que, por sua vez, podem ocorrer de três formas: crédito em conta, pagamento por Folha de Pagamento (PASEP-FOPAG) e saque em caixa das agências do Banco do Brasil. Cada uma delas é identificada por um lançamento específico no extrato da conta individualizada. O pagamento do principal somente pode ocorrer por saque em caixa das agências do Banco do Brasil. Já o pagamento de rendimentos e pagamento do abono salarial podem ocorrer por qualquer uma das três formas estabelecidas - crédito em conta; pagamento por Folha de Pagamento (PASEP-FOPAG) e saque em caixa das agências do Banco do Brasil. Está além de qualquer discussão que as normas que regem o PASEP permitem ao Banco do Brasil realizar o lançamento a débito na conta individualizada e pagar o participante, ou pagar (ou, de alguma forma, promover acerto) ao intermediário (instituição financeira ou empregador) que efetivamente pagará o participante. Há que se definir como se prova cada uma dessas formas de pagamento. A comprovação do pagamento é feita pela articulação de dois documentos. Um deles, será o extrato da conta individualizada. O outro, a depender da forma de saque, poderá ser o documento de quitação, ou o extrato da conta-corrente ou o contracheque. O extrato da conta individualizada é um documento produzido pelo Banco do Brasil, mas fornecido ao participante, mediante solicitação. O extrato demonstra lançamentos a crédito e a débito na conta individualizada, dos quais se extrai o balanço do saldo. Compete ao autor (participante) alegar quais lançamentos não reconhece. Logo, os extratos recebem status de documento indispensável à propositura da ação - art. 320 do CPC. Diante de uma alegação de que o lançamento a débito não corresponde a um pagamento, passa-se à prova do pagamento propriamente dito. O Banco do Brasil paga o participante, contra recibo, e faz o lançamento do saque a débito. Portanto, o pagamento é provado pela exibição da quitação. Mas, no crédito em conta e no pagamento por Folha de Pagamento (PASEPFOPAG), é um quarto agente quem paga, em nome do PASEP. Nesse caso, o valor é transferido para uma conta-corrente indicada pelo participante. Quem paga ao participante é sua instituição financeira - o banco no qual ele mantém a conta-corrente. A prova do pagamento, portanto, seria feita pela exibição do extrato da conta-corrente de destino. No pagamento por Folha de Pagamento (PASEP-FOPAG), o participante recebe juntamente com o seu salário. Quem paga ao participante é o seu empregador. A prova do pagamento, nesse caso, seria feita pela exibição do contracheque e da quitação dada pelo empregado ao empregador. Dessa forma, comprovação do pagamento é feita pela articulação do extrato da conta individualizada com o documento de quitação, ou o extrato da conta-corrente ou o contracheque, conforme a forma de saque. Como dito, compete ao participante/autor alegar que o lançamento no extrato não corresponde a um pagamento. O não pagamento é um fato negativo, com grande dificuldade probatória. No entanto, a depender da forma de saque, seria possível produzir elementos que demonstrem que o pagamento não ocorreu, visto que o adimplemento é inserido em relações em que a documentação de créditos e débitos é uma exigência e uma praxe. No pagamento mediante saque em caixa das agências do Banco do Brasil, não há prova ulterior que o autor possa produzir. O não pagamento, nesse caso, não estaria documentado, pelo que a prova seria impossível. A situação é diferente no crédito em conta e no pagamento por Folha de Pagamento (PASEP-FOPAG). Nesses casos, o não pagamento pode receber uma comprovação documental. O valor é transferido para a conta-corrente do participante em uma instituição financeira. Logo, a exibição do extrato da conta-corrente de destino, sem o correspondente crédito, serviria como uma demonstração inicial da falta de pagamento. De forma semelhante, no pagamento por Folha de Pagamento (PASEP-FOPAG), o participante recebe juntamente com o seu salário. A prova seria feita pela exibição do contracheque, no qual não há informação do pagamento da parcela lançada no extrato. Logo, é possível provar que determinado pagamento não ocorreu, ao menos não da forma esperada. Quanto ao ônus da prova, no descumprimento de uma obrigação específica, o pagamento é uma defesa indireta (exceção). O fato constitutivo do direito do autor é a existência da obrigação e o implemento do termo ou da condição. O pagamento, por sua vez, é fato extintivo do direito do autor. O pagamento mediante saque em caixa das agências do Banco do Brasil se insere nesse contexto, em que a prova incumbe ao devedor. O adimplemento corresponde ao cumprimento de obrigação positiva, de pagar quantia certa, devida pela União (PASEP) ao participante. O Banco do Brasil, como administrador do PASEP e prestador de serviços a ambas as partes (União e participante), paga ao participante, contra recibo, e faz o lançamento do saque a débito. Logo, recai sobre o Banco do Brasil o ônus de provar o adimplemento. Na forma do art. 320 do Código Civil, a quitação comprova o pagamento. Ou seja, incumbe ao Banco do Brasil exibir o instrumento de quitação (recibo). Dessa forma, o ônus de demonstrar o pagamento, na forma de saque em caixa das agências do Banco do Brasil, é da própria instituição financeira, por ser fato extintivo do direito do autor (art. 373, II, do CPC). O crédito em conta e o pagamento por Folha de Pagamento (PASEP-FOPAG) são formas de pagamento que têm em comum o fato de que não é o Banco do Brasil quem paga ao participante. Nessas formas de saque, além dos três atores mencionados anteriormente, intervém um quarto, a instituição financeira ou empregador, que paga o participante em nome do PASEP (União). A obrigação do Banco do Brasil, nesse caso, é de, como mero administrador, realizar o lançamento a débito correspondente ao pagamento na conta individualizada do participante. Muito embora, normalmente, a prova do pagamento incumba ao devedor, na presente hipótese, o Banco do Brasil está sendo demandado por um pagamento que caberia a um terceiro - empregador ou instituição financeira na qual foi feito o crédito. O Banco do Brasil, na qualidade de administrador das contas individualizadas do PASEP, é cobrado por uma suposta falta no serviço. O serviço prestado pelo Banco do Brasil corresponde a lançar o débito na conta individualizada e disponibilizar o valor ao terceiro para pagamento. A falha, se verificada, consiste em, apesar de o lançamento do débito realizado ter sido na conta individualizado, o titular não receber o dinheiro. A falha, nesse caso, é o fato constitutivo do direito do autor e, pelo art. 373, I, do CPC, a ele incumbe a prova. Portanto, ao participante/autor cabe o ônus de demonstrar que o pagamento não ocorreu. E ele se desincumbe desse ônus com a exibição de documentos que são próprios de sua relação com outros agentes, estranhos à relação processual - extratos de conta-corrente e contracheques, nos quais não está registrado o crédito - mas que, nessas formas de saque, fazem o pagamento. Por óbvio, a instrução processual pode prosseguir a partir desses documentos iniciais, requisitando-se, por exemplo, outras informações a terceiros. Mas, em sua falta, o pedido deve ser rejeitado, visto ser ônus do autor sua produção, na forma do art. 373, I, do CPC. Estabelecido que, no crédito em conta e no pagamento por Folha de Pagamento (PASEP-FOPAG), o não pagamento é fato constitutivo do direito do autor, ao qual, inicialmente, incumbe o ônus probatório (art. 373, I, do CPC), resta analisar a possível incidência de regras modificadoras. São duas hipóteses alternativas previstas no art. 6º, VIII, do CDC: a verossimilhança da alegação e a hipossuficiência do consumidor. Ou seja, a inversão exige que o consumidor esteja em piores condições de demonstrar o seu direito. É precisamente o contrário do que ocorre nos saques via crédito em conta e o pagamento por Folha de Pagamento (PASEP-FOPAG). Nesses casos, o tomador do serviço tem acesso às informações e à documentação do pagamento, mas o prestador do serviço (Banco do Brasil) não. São documentos fornecidos ao participante por seu banco ou por seu empregador. Fenômeno semelhante ocorre com a redistribuição do ônus da prova, na forma do CPC. O que autoriza a revisão da regra geral prevista no caput do art. 373 do CPC é a assimetria de dados e informações, assim como ocorre na hipótese prevista no art. 6º, VIII, do CDC. Como consequência, o ônus não pode ser redistribuído à parte que deles não dispõe, visto que "não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil" (art. 373, § 2º, do CPC). Dessa forma, o ônus de provar que o lançamento não corresponde a um crédito em sua conta-corrente ou a um lançamento em seu contracheque incumbe ao participante e autor da ação. O participante não está em situação de hipossuficiência, do ponto de vista da comprovação de seu direito. Pelo contrário, na relação entre o Banco do Brasil e o participante, é este quem tem acesso aos dados e informações que são o objeto da prova. Assim, pelo regime do CDC e pelo regime do CPC, o ônus da prova é do participante. Assim, fixa-se a seguinte tese do Tema Repetitivo 1300/STJ: "Nas ações em que o participante contesta saques em sua conta individualizada do PASEP, o ônus de provar cabe: a) ao participante, quanto aos saques sob as formas de crédito em conta e de pagamento por Folha de Pagamento (PASEP-FOPAG), por ser fato constitutivo de seu direito, na forma do art. 373, I, do CPC, sendo incabível a inversão (art. 6º, VIII, do CDC) ou a redistribuição (art. 373, § 1º, do CPC) do ônus da prova; b) ao réu, quanto aos saques sob a forma de saque em caixa das agências do BB, por ser fato extintivo do direito do autor, na forma do art. 373, II, do CPC.".

Conteúdo Completo

Nas ações sobre saques do PASEP, o ônus da prova é: a) Do participante : quanto aos saques por crédito em conta ou por Folha de Pagamento (PASEP-FOPAG), por se tratar de fato constitutivo de seu direito (art. 373, I, CPC), sendo incabível inversão (art. 6º, VIII, CDC) ou redistribuição (art. 373, § 1º, CPC). b) Do réu (BB) : quanto aos saques feitos em caixa das agências, por configurarem fato extintivo do direito do autor (art. 373, II, CPC).

Informações Gerais

Número do Processo

REsp 2.162.222-PE

Tribunal

STJ

Data de Julgamento

10/09/2025

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