Distribuição do ônus da prova nas ações de saques do PASEP
A questão submetida a julgamento afetada sob o rito dos recursos repetitivos, nos termos do art. 1.036 do Código de Processo Civil, para formação de precedente vinculante previsto no art. 927, III, do Código de Processo Civil, é a seguinte: "Saber a qual das partes compete o ônus de provar que os lançamentos a débito nas contas individualizadas do PASEP correspondem a pagamentos ao correntista.". A controvérsia diz respeito à possibilidade de atribuir o ônus da prova dos saques indevidos e desfalques em contas do PASEP ao Banco do Brasil S.A. Sua solução demanda definir a qual das partes a lei ordinariamente imputa o ônus probatório e verificar se está presente hipótese de sua inversão, na forma do art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, ou redistribuição, na forma do art. 373, § 1º, do Código de Processo Civil. O Banco do Brasil é administrador das contas do PASEP, não sendo parte direta na relação entre a União e o beneficiário, no entanto, a instituição financeira presta serviço aos correntistas e, nessa qualidade, está sujeita a reparar danos. Para analisar as posições das partes em relação ao objeto da prova, é indispensável compreender a forma como o PASEP faz pagamentos aos participantes. Há três tipos de pagamentos e três formas de saque envolvidas no PASEP: pagamento do principal, pagamento de rendimentos e pagamento do abono salarial. Esses pagamentos correspondem a saques na conta individualizada, que, por sua vez, podem ocorrer de três formas: crédito em conta, pagamento por Folha de Pagamento (PASEP-FOPAG) e saque em caixa das agências do Banco do Brasil. Cada uma delas é identificada por um lançamento específico no extrato da conta individualizada. O pagamento do principal somente pode ocorrer por saque em caixa das agências do Banco do Brasil. Já o pagamento de rendimentos e pagamento do abono salarial podem ocorrer por qualquer uma das três formas estabelecidas - crédito em conta; pagamento por Folha de Pagamento (PASEP-FOPAG) e saque em caixa das agências do Banco do Brasil. Está além de qualquer discussão que as normas que regem o PASEP permitem ao Banco do Brasil realizar o lançamento a débito na conta individualizada e pagar o participante, ou pagar (ou, de alguma forma, promover acerto) ao intermediário (instituição financeira ou empregador) que efetivamente pagará o participante. Há que se definir como se prova cada uma dessas formas de pagamento. A comprovação do pagamento é feita pela articulação de dois documentos. Um deles, será o extrato da conta individualizada. O outro, a depender da forma de saque, poderá ser o documento de quitação, ou o extrato da conta-corrente ou o contracheque. O extrato da conta individualizada é um documento produzido pelo Banco do Brasil, mas fornecido ao participante, mediante solicitação. O extrato demonstra lançamentos a crédito e a débito na conta individualizada, dos quais se extrai o balanço do saldo. Compete ao autor (participante) alegar quais lançamentos não reconhece. Logo, os extratos recebem status de documento indispensável à propositura da ação - art. 320 do CPC. Diante de uma alegação de que o lançamento a débito não corresponde a um pagamento, passa-se à prova do pagamento propriamente dito. O Banco do Brasil paga o participante, contra recibo, e faz o lançamento do saque a débito. Portanto, o pagamento é provado pela exibição da quitação. Mas, no crédito em conta e no pagamento por Folha de Pagamento (PASEPFOPAG), é um quarto agente quem paga, em nome do PASEP. Nesse caso, o valor é transferido para uma conta-corrente indicada pelo participante. Quem paga ao participante é sua instituição financeira - o banco no qual ele mantém a conta-corrente. A prova do pagamento, portanto, seria feita pela exibição do extrato da conta-corrente de destino. No pagamento por Folha de Pagamento (PASEP-FOPAG), o participante recebe juntamente com o seu salário. Quem paga ao participante é o seu empregador. A prova do pagamento, nesse caso, seria feita pela exibição do contracheque e da quitação dada pelo empregado ao empregador. Dessa forma, comprovação do pagamento é feita pela articulação do extrato da conta individualizada com o documento de quitação, ou o extrato da conta-corrente ou o contracheque, conforme a forma de saque. Como dito, compete ao participante/autor alegar que o lançamento no extrato não corresponde a um pagamento. O não pagamento é um fato negativo, com grande dificuldade probatória. No entanto, a depender da forma de saque, seria possível produzir elementos que demonstrem que o pagamento não ocorreu, visto que o adimplemento é inserido em relações em que a documentação de créditos e débitos é uma exigência e uma praxe. No pagamento mediante saque em caixa das agências do Banco do Brasil, não há prova ulterior que o autor possa produzir. O não pagamento, nesse caso, não estaria documentado, pelo que a prova seria impossível. A situação é diferente no crédito em conta e no pagamento por Folha de Pagamento (PASEP-FOPAG). Nesses casos, o não pagamento pode receber uma comprovação documental. O valor é transferido para a conta-corrente do participante em uma instituição financeira. Logo, a exibição do extrato da conta-corrente de destino, sem o correspondente crédito, serviria como uma demonstração inicial da falta de pagamento. De forma semelhante, no pagamento por Folha de Pagamento (PASEP-FOPAG), o participante recebe juntamente com o seu salário. A prova seria feita pela exibição do contracheque, no qual não há informação do pagamento da parcela lançada no extrato. Logo, é possível provar que determinado pagamento não ocorreu, ao menos não da forma esperada. Quanto ao ônus da prova, no descumprimento de uma obrigação específica, o pagamento é uma defesa indireta (exceção). O fato constitutivo do direito do autor é a existência da obrigação e o implemento do termo ou da condição. O pagamento, por sua vez, é fato extintivo do direito do autor. O pagamento mediante saque em caixa das agências do Banco do Brasil se insere nesse contexto, em que a prova incumbe ao devedor. O adimplemento corresponde ao cumprimento de obrigação positiva, de pagar quantia certa, devida pela União (PASEP) ao participante. O Banco do Brasil, como administrador do PASEP e prestador de serviços a ambas as partes (União e participante), paga ao participante, contra recibo, e faz o lançamento do saque a débito. Logo, recai sobre o Banco do Brasil o ônus de provar o adimplemento. Na forma do art. 320 do Código Civil, a quitação comprova o pagamento. Ou seja, incumbe ao Banco do Brasil exibir o instrumento de quitação (recibo). Dessa forma, o ônus de demonstrar o pagamento, na forma de saque em caixa das agências do Banco do Brasil, é da própria instituição financeira, por ser fato extintivo do direito do autor (art. 373, II, do CPC). O crédito em conta e o pagamento por Folha de Pagamento (PASEP-FOPAG) são formas de pagamento que têm em comum o fato de que não é o Banco do Brasil quem paga ao participante. Nessas formas de saque, além dos três atores mencionados anteriormente, intervém um quarto, a instituição financeira ou empregador, que paga o participante em nome do PASEP (União). A obrigação do Banco do Brasil, nesse caso, é de, como mero administrador, realizar o lançamento a débito correspondente ao pagamento na conta individualizada do participante. Muito embora, normalmente, a prova do pagamento incumba ao devedor, na presente hipótese, o Banco do Brasil está sendo demandado por um pagamento que caberia a um terceiro - empregador ou instituição financeira na qual foi feito o crédito. O Banco do Brasil, na qualidade de administrador das contas individualizadas do PASEP, é cobrado por uma suposta falta no serviço. O serviço prestado pelo Banco do Brasil corresponde a lançar o débito na conta individualizada e disponibilizar o valor ao terceiro para pagamento. A falha, se verificada, consiste em, apesar de o lançamento do débito realizado ter sido na conta individualizado, o titular não receber o dinheiro. A falha, nesse caso, é o fato constitutivo do direito do autor e, pelo art. 373, I, do CPC, a ele incumbe a prova. Portanto, ao participante/autor cabe o ônus de demonstrar que o pagamento não ocorreu. E ele se desincumbe desse ônus com a exibição de documentos que são próprios de sua relação com outros agentes, estranhos à relação processual - extratos de conta-corrente e contracheques, nos quais não está registrado o crédito - mas que, nessas formas de saque, fazem o pagamento. Por óbvio, a instrução processual pode prosseguir a partir desses documentos iniciais, requisitando-se, por exemplo, outras informações a terceiros. Mas, em sua falta, o pedido deve ser rejeitado, visto ser ônus do autor sua produção, na forma do art. 373, I, do CPC. Estabelecido que, no crédito em conta e no pagamento por Folha de Pagamento (PASEP-FOPAG), o não pagamento é fato constitutivo do direito do autor, ao qual, inicialmente, incumbe o ônus probatório (art. 373, I, do CPC), resta analisar a possível incidência de regras modificadoras. São duas hipóteses alternativas previstas no art. 6º, VIII, do CDC: a verossimilhança da alegação e a hipossuficiência do consumidor. Ou seja, a inversão exige que o consumidor esteja em piores condições de demonstrar o seu direito. É precisamente o contrário do que ocorre nos saques via crédito em conta e o pagamento por Folha de Pagamento (PASEP-FOPAG). Nesses casos, o tomador do serviço tem acesso às informações e à documentação do pagamento, mas o prestador do serviço (Banco do Brasil) não. São documentos fornecidos ao participante por seu banco ou por seu empregador. Fenômeno semelhante ocorre com a redistribuição do ônus da prova, na forma do CPC. O que autoriza a revisão da regra geral prevista no caput do art. 373 do CPC é a assimetria de dados e informações, assim como ocorre na hipótese prevista no art. 6º, VIII, do CDC. Como consequência, o ônus não pode ser redistribuído à parte que deles não dispõe, visto que "não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil" (art. 373, § 2º, do CPC). Dessa forma, o ônus de provar que o lançamento não corresponde a um crédito em sua conta-corrente ou a um lançamento em seu contracheque incumbe ao participante e autor da ação. O participante não está em situação de hipossuficiência, do ponto de vista da comprovação de seu direito. Pelo contrário, na relação entre o Banco do Brasil e o participante, é este quem tem acesso aos dados e informações que são o objeto da prova. Assim, pelo regime do CDC e pelo regime do CPC, o ônus da prova é do participante. Assim, fixa-se a seguinte tese do Tema Repetitivo 1300/STJ: "Nas ações em que o participante contesta saques em sua conta individualizada do PASEP, o ônus de provar cabe: a) ao participante, quanto aos saques sob as formas de crédito em conta e de pagamento por Folha de Pagamento (PASEP-FOPAG), por ser fato constitutivo de seu direito, na forma do art. 373, I, do CPC, sendo incabível a inversão (art. 6º, VIII, do CDC) ou a redistribuição (art. 373, § 1º, do CPC) do ônus da prova; b) ao réu, quanto aos saques sob a forma de saque em caixa das agências do BB, por ser fato extintivo do direito do autor, na forma do art. 373, II, do CPC.".
Alcance subjetivo da coisa julgada coletiva para sucessores de servidor falecido antes do ajuizamento
Cinge-se a questão em saber se os sucessores do servidor falecido antes da propositura da ação coletiva podem executar a sentença condenatória. O pano de fundo do tema controvertido são as ações coletivas em que se pede o reconhecimento de diferenças remuneratórias em favor de servidores públicos. Portanto, o objeto é o reconhecimento de direito individual homogêneo, em um processo judicial coletivo, de um grupo determinado ou determinável de servidores. A solução independe do tipo de ação coletiva em questão. Há ações coletivas em que a coisa julgada favorece apenas os membros de associações e há outras em que toda a categoria é favorecida. Em ambos os casos, um legitimado (associação ou sindicato), em nome próprio, busca direitos individuais homogêneos de uma coletividade. Ademais, em ambos os casos, a ação coletiva não favorece os sucessores do falecido antes de sua propositura. Os direitos em discussão são titularizados por pessoas naturais. Conforme a doutrina, a pessoa é o "titular do direito, o sujeito de direito", e a personalidade "é a capacidade de ser titular de direitos, pretensões, ações e exceções e também de ser sujeito (passivo) de deveres, obrigações, ações e exceções". Ou seja, a pessoa é o ente que titulariza os direitos e os deveres (art. 1º do CC). A morte extingue a pessoa natural, e, portanto, sua aptidão para titularizar direitos e obrigações (art. 6º do CC). Com efeito, segundo a doutrina, "Morto não tem direitos nem deveres. Para o direito, com a morte, tudo, que se refere à pessoa, acaba". Portanto, o morto não mais tem relações com a associação ou sindicato nem com a administração pública. Na ação coletiva ordinária, o legitimado é uma associação. As associações são formadas pela "união de pessoas que se organizam para fins não econômicos", sem "direitos e obrigações recíprocos" entre seus membros, na forma do art. 53 do Código Civil. A qualidade de associado não se transmite aos sucessores, nos termos do art. 56 do Código Civil. Nas associações, o ensinamento doutrinário mostra que o "ser membro é intransmissível, inter vivos e mortis causa ; o que é criável, pelos estatutos, é o direito do herdeiro, ou do sucessor entre vivos, a ser membro". Mas, em nenhuma hipótese, a membridade é transmissível de pleno direito. Assim, o vínculo associativo é rompido pelo óbito e não é diretamente transmitido aos sucessores. Como a ação coletiva ordinária favorece apenas os associados, os herdeiros do falecido antes da propositura da ação não têm seu direito reconhecido no título judicial. Na ação coletiva substitutiva, a pessoa jurídica - geralmente, associação ou sindicato - tem a legitimidade para postular interesse de toda a categoria. Pertencem a uma categoria profissional os que exercem determinada profissão e os aposentados. Sobre os aposentados, é a própria Constituição Federal que assegura sua prerrogativa de participação sindical, deixando claro que a jubilação não os exclui daquela coletividade (art. 8º, VII). Os sucessores, pelo contrário, não integram a categoria profissional. O ponto mais importante é que o vínculo do membro da categoria com a administração pública é rompido pelo falecimento. Na legislação federal, há expressa previsão nesse sentido constante no art. 33, IX, da Lei n. 8.112/1990. Ou seja, falecido o servidor, não há mais beneficiário ligado à categoria profissional. De forma semelhante, eventual vínculo com a entidade sindical é rompido com o óbito, na forma do mencionado art. 56 do Código Civil. Em consequência, o perecimento extingue a pessoa natural (art. 6º) e rompe o vínculo com a associação (art. 56 do CC) e com a administração pública (art. 33, IX, da Lei n. 8.112/1990). Os sucessores, portanto, não são beneficiados pelo título executivo judicial. Assim, fixa-se a seguinte tese do Tema Repetitivo 1309/STJ: Os sucessores do servidor falecido antes da propositura da ação coletiva não são beneficiados pela decisão transitada em julgado que condena ao pagamento de diferenças, salvo se expressamente contemplados.
Reconhecimento do tempo especial do contribuinte individual pós Lei 9.032/1995 com prova alternativa
A questão a ser dirimida nestes autos é a possibilidade de o contribuinte individual não cooperado ter direito ao reconhecimento de atividade especial exercida após a Lei n. 9.032/1995, que alterou a Lei n. 8.213/1991. O Instituto Nacional do Seguro Social - INSS entende que não há mais essa possibilidade desde 1995, em razão da ausência de fonte de custeio, de habitualidade e permanência, da impossibilidade de analisar ou não a eficácia do EPI e da unilateralidade e parcialidade da prova. Do que se vê dos artigos 57, §§ 3º e 4º, e 58, §§ 1º e 2º, da Lei n. 8.213/1991, não existe qualquer exclusão do segurado contribuinte individual não cooperado ao direito à contagem do tempo de atividade especial após a Lei n. 9.032/1995, desde que cumpra a carência exigida e comprove a exposição a agentes nocivos à saúde ou à integridade física. Não se pode negar que a Lei n. 9.032/1995 trouxe alterações significativas para a comprovação do tempo especial, inserindo no art. 58, § 1º, da Lei n. 8.213/91, a exigência de que "A comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será feita mediante formulário, na forma estabelecida pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho nos termos da legislação trabalhista". Contudo, não se pode interpretar esse dispositivo isoladamente, sem considerar todos os outros mandamentos legais que evidenciam o intuito do legislador de proteger a saúde dos segurados que trabalhem sob condições especiais, independente da forma de vinculação do trabalhador ao mercado de trabalho. Essa conclusão também decorre do que preceitua o art. 201, § 1º, II, da Constituição Federal. Nesse contexto, é ilegal a limitação de aposentadoria especial imposta pelo art. 64 do Decreto n. 3.048/1999 somente aos segurados empregados, trabalhador avulso e contribuinte individual cooperado excede a finalidade regulamentar do diploma legal. Os contribuintes individuais não cooperados, por sua natureza, trabalham de forma autônoma e, portanto, não têm um vínculo empregatício formal com uma empresa que possa emitir um formulário de exposição a agentes nocivos. A legislação previdenciária não pode ser interpretada de forma isolada. Ao contrário, a interpretação deve ser sistemática com os demais dispositivos legais, que evidenciam que o legislador, podendo, não excluiu do contribuinte individual não cooperado o direito à aposentadoria especial. Quanto ao prévio custeio do benefício da aposentadoria especial, a CF sempre o garantiu, conforme o artigo 195. A Lei n. 9.732/1998 apenas adicionou fontes de arrecadação suplementares. Portanto, o fato de o contribuinte individual não ser mencionado nessa lei não significa que ele não tenha direito a esse benefício previdenciário, haja vista o atendimento da exigência de prévio custeio do benefício em razão do princípio da solidariedade. Cumpre ressaltar que esse entendimento não é um salvo conduto para o contribuinte individual não cooperado. Ele deverá, efetivamente, comprovar a atividade sob condições especiais, nos termos do que determina a legislação previdenciária vigente à época, só não sendo razoável, em razão das peculiaridades da sua atividade, exigir que o único meio de comprovação seja formulário emitido por "empresa". Além disso, o juiz é o destinatário das provas. Se apresentadas e consideradas duvidosas, o magistrado terá amplos poderes para solicitar novas provas, como, por exemplo, a perícia técnica. É o que se conclui dos arts. 369 e 370 do Código de Processo Civil. Em resumo, o contribuinte individual não cooperado tem direito ao reconhecimento de tempo de atividade especial exercida após a Lei n. 9.032/1995, desde que comprove a exposição a agentes nocivos.
Redução à condição análoga à de escravo configurada por condições degradantes sem restrição de locomoção
A questão em discussão consiste em saber se a configuração do crime de redução à condição análoga à de escravo, previsto no art. 149 do Código Penal, exige a restrição da liberdade de locomoção dos trabalhadores ou se basta a submissão a condições degradantes de trabalho. O aludido dispositivo legal estabelece tipo misto alternativo, configurando-se mediante: (i) submissão a trabalhos forçados; (ii) submissão à jornada exaustiva; (iii) sujeição a condições degradantes de trabalho; ou (iv) restrição da liberdade de locomoção. Trata-se de crime plurissubsistente, cuja tipicidade se aperfeiçoa com a verificação de qualquer das condutas previstas, independentemente da ofensa ao bem jurídico liberdade de locomoção. No caso, o Relatório de Fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego documentou minuciosamente as condições subumanas a que estavam submetidos as vítimas, destacando-se: 1) trabalhadores alojados no meio do mato, dividindo-se entre os que dormiam em ônibus velho e os que dormiam em barraco de plástico preto, sem piso e sem energia elétrica; 2) água armazenada em caminhão-pipa velho e enferrujado, estacionado sob o sol, consumida sem qualquer tratamento; 3) ausência total de instalações sanitárias, obrigando os trabalhadores a fazer suas necessidades no mato; 4) local para banho improvisado com pedaços de plástico sustentados por forquilhas; 5) refeições preparadas ao lado do ônibus, em fogão improvisado no chão; e 6) área de alojamento suja e desorganizada, dentre outras. Tais circunstâncias, inequivocamente, configuram condições degradantes de trabalho na acepção jurisprudencial consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça, caracterizando, destarte, o delito previsto no art. 149 do Código Penal. Ora, trata-se de pessoas em situação de extrema vulnerabilidade social, aliciadas em contexto de miserabilidade e, consequentemente, propensas à submissão a condições desumanas que objetivam tão somente a redução máxima dos custos da atividade empresarial. Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Inquérito 3.412/AL, consolidou entendimento de que a escravidão moderna é mais sutil e o cerceamento da liberdade pode decorrer de diversos constrangimentos econômicos e não necessariamente físicos, concluindo que para a configuração do crime do art. 149 do Código Penal, não é necessária a coação física da liberdade de ir e vir ou mesmo o cerceamento da liberdade de locomoção, bastando a submissão da vítima a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva ou a condições degradantes de trabalho (STF. Inq 3.412, relator Ministro Marco Aurélio, relatora p/ acórdão Ministra Rosa Weber, Tribunal Pleno, DJ 30/3/2012). Desse modo, a interpretação adotada pelo Tribunal de origem, ao exigir demonstração de cerceamento da liberdade de ir e vir para configuração do tipo penal, contraria a jurisprudência consolidada desta Corte Superior, do Supremo Tribunal Federal e os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, notadamente a Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura (Decreto n. 58.563/1966), a Convenção Americana de Direitos Humanos (Decreto n. 678/1992) e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (Decreto n. 592/1992).